Quinta, 28 de Março de 2024
   
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Salmo 130 - A Jornada em Busca do Perdão

 

Há muito tempo, os esquimós foram o alvo evangelístico dos morávios. Uma das dificuldades que os missionários encontraram para pregar a mensagem do evangelho aos esquimós foi a inexistência de uma palavra na língua deles para a ideia de “perdão”. Ao que parece, nem o conceito existia entre eles. Foi preciso criar uma palavra para tanto: issumagijoujungnainermik. Quando tentei lê-la pela primeira vez, tudo que saiu foi uma risada seguida da interrogação: “Para que criar uma palavra tão grande?”. Depois, fiquei sabendo que essas 24 letras expressavam corretamente o sentido de perdoar. Se a traduzíssemos para o português, ficaria mais ou menos assim: “Não-pensar-sobre-isso-nunca-mais”. A ideia não é não ter recordações da ofensa, mas não levá-la mais em conta. Ao entender seu significado, tive de concordar que os missionários foram extremamente felizes e sábios na composição do termo.

 

O Salmo 130 trata exatamente desse conceito. Esse “cântico de romagem” (shîr hamm‘alôt) é também um dentre os sete “salmos penitenciais” (6, 32, 38, 51, 102, 130, 143). Sua posição no saltério demonstra que ele era cantado pelos adoradores peregrinos quando a jornada já era avançada e eles já adentravam o Templo, contemplando não apenas o tamanho da construção, mas meditando sobre a glória e a santidade do Senhor. Ao mesmo tempo que era uma ocasião alegre, para todo servo de Deus a proximidade do seu Senhor produzia uma grande sensação de inadequação. Afinal, trata-se do Deus santo que é separado de tudo que é falho e pecaminoso. Não é de admirar a reação de Isaías ao ter a visão do trono de Deus: “Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!” (Is 6.5). O salmo também aponta o fato de que a busca por Deus não vem apenas do desejo de adorá-lo, de pedir bênçãos e de agradecer por elas, mas também para rogar por “perdão de pecados”. Já no Templo, esse era o impulso dos adoradores. Eles não se sentiam capazes de comparecer diante de Deus e lhe prestar o devido louvor sem antes serem tratados por aquele que é perfeito e puro, o único perdoador de pecados. Sendo assim, o salmista apresenta quatro noções sobre o perdão divino essencial aos servos de Deus.

A primeira noção do salmista sobre o tema é que o perdão divino tira o homem do mais profundo abismo (vv.1,2). O salmista não ora a Deus como quem está em uma posição vantajosa. Ao contrário, ele clama a Deus da parte mais inacessível do poço mais profundo (v.1): “Das profundezas eu clamo a ti, ó Senhor” (mimma‘amaqqîm qera’tîka yhwh). Essa imagem de um abismo, seja dentro da terra, seja no mais profundo mar, tem como intenção comunicar a total incapacidade de o homem alçar uma condição favorável e aceitável diante de Deus. Ele não está falando de problemas do dia a dia, mas do seu afastamento de Deus por causa do pecado (v.3). Nesse sentido, ele se vê inutilizado para fazer algo que reverta o quadro e torne Deus favorável a si. Seus méritos não são suficientes. Por isso, ele se dirige a Deus da profundidade inatingível de um abismo. Não é sem razão que ele se lança ao clamor (v.2a): “Ó meu Senhor, ouve a minha voz” (’adonay shim‘â beqôlî). Olhando para si, o autor adquire uma noção tão grande da sua condição de pecador que apenas clamar não é suficiente. Ele insiste em sua oração, feita com outras palavras, a fim de enfatizar sua necessidade devido à profunda perdição em que se encontra (v.2a): “Que os teus ouvidos estejam atentos à minha voz suplicante” (tihyeynâ ’ozneyka qashuvôt leqôl tahanûnay). É dessa condição que Deus tem de resgatá-lo pelo perdão. Não é o caso de colocar um band-aid sobre um arranhão, mas de ressuscitar um morto.

A segunda noção é que o perdão divino provém exclusivamente da graça de Deus (vv.3,4). Se a impossibilidade de o homem reatar sua comunhão com Deus por suas obras já ficou em destaque no início do salmo, o escritor apresenta a seguir a razão desse abismo entre o pecador e o Deus santo: a culpa gerada pelos pecados (v.3): “Se tu, ó Senhor, levares em conta as culpas, quem permanecerá, ó Senhor? (’im-‘aônôt tishmor-yah ’adonay mî ya‘amor). O salmista se imagina, junto aos demais pecadores, diante de um tribunal no qual o Senhor examina os atos das pessoas. Ao considerar sobre as iniquidades dos homens e a culpa gerada por elas, o Senhor aplica a devida condenação de modo que ninguém pode resistir ao julgamento. É como se o escritor dissesse a Deus: “Se o Senhor nos julgar pelos nossos atos, qual de nós restará em pé diante de ti? Todos seremos abatidos”. A pergunta, então, é: “O que o salmista quer de Deus: que ele não se importe com os pecados?”. De modo algum! Se o Senhor não se importasse com os pecados e ignorasse nossa culpa, ele nem seria Deus. Assim, o que o salmista deseja não é condescendência, mas “perdão” (v.4): “Porém, contigo está o perdão a fim de que sejas temido” (kî-‘immeka hasselîhâ lema‘an tiwware’). E ao ser perdoado, ele quer ser transformado em um servo. Isso se vê na relação surpreendente que ele faz entre o perdão e o temor. Enquanto esperaríamos ouvir que o temente é perdoado, o que ele afirma é que o homem a quem Deus perdoa se torna alguém que o teme. De modo algum a graça de Deus poderia ficar em maior relevo: o homem incapaz e sem merecimento é perdoado e tornado um servo temente. Enfim, é o perdão de Deus que produz temor no homem e não o contrário. A visão é de que, apesar de os adoradores viajarem a Jerusalém para buscar o perdão de Deus, era o Senhor quem de fato empreendia uma jornada para perdoar o pecador e resgatá-lo do seu abismo — assim como quando Deus chamou o fugitivo Adão e prometeu redenção futura (Gn 3.8-10,15), ou quando enviou seu Filho ao mundo para salvar os que estavam perdidos (Lc 19.10; Jo 3.16,17).

A terceira noção é que o perdão divino se baseia nas promessas que Deus fez (vv.5,6). Para o escritor do salmo, ser perdoado é uma realidade que provém diretamente da fé, pelo que diz (v.5a): “Eu confio no Senhor, minha alma confia” (qiwwîtî yhwh qiwwetâ nafshî). Aqui, a expressão “minha alma” não tem como intenção apontar a parte espiritual do homem, mas enfatizar seu ser como um todo — uma possibilidade de tradução seria “todo o meu ser confia”. Diante disso, poder-se-ia questionar as razões de uma confiança tão firme: “Será que ele não é um tolo por aguardar algo do qual ele não tem certeza?”. A resposta é não! O salmista demonstra não ser apenas um otimista. Ele tem razões reais, ligadas ao caráter do Senhor, que lhe asseguram sobre a disposição de Deus em perdoar. A razão principal, advinda da fidelidade de Deus em cumprir tudo que diz e tudo a que se compromete, é sua própria revelação a respeito de si, da sua vontade e dos seus planos (v.5b): “Eu espero na sua palavra” (welidbarô hôholtî). O ensino bíblico sobre o perdão e a salvação de perdidos é a base da confiança do salmista. Ele completa essa ideia com uma frase que, apesar de não conter nenhum verbo, não está desprovida de uma ação. Ela está implícita, sendo a sequência da ideia de “esperar” ou “confiar” (v.5). Assim, o salmista diz (v.6a): “A minha alma [espera] pelo Senhor mais do que os guardas [esperam] pela manhã” (nafshî la’donay mishomerîm lavvoqer). Se um vigia noturno, cujo trabalho se torna especialmente difícil por causa do perigo da escuridão e do cansaço da noite, aguardava o amanhecer com ansiedade, muito mais o pecador aguarda pelo perdão de Deus. A repetição do final da frase tem como intenção frisar o fato de que a espera do salmista é tão grande que está bem acima da comparação que ele mesmo propôs (v.6b): “[Sim, bem] mais do que os guardas [esperam] pela manhã” (shomerîm lavvoqer).

A última noção que o salmista abriga sobre o tema é que o perdão divino é poderoso para salvar e restaurar totalmente (vv.7,8). Confiando em Deus como seu redentor pessoal, o salmista se dirige a Israel e o chama a confiar, também, nas promessas de redenção (v.7): “Ó Israel, espera no Senhor, pois com o Senhor está a lealdade e a abundante redenção” (yahel yisra’el ’el-yhwh kî-‘im-yhwh hahesed weharbeh ‘immô pedût). A “lealdade de Deus” às próprias palavras (v.5) garantia não apenas redenção, mas “abundante redenção”. Apesar da dureza e rebeldia do povo israelita no Antigo Testamento, o Senhor prometeu redimi-los de modo amplo (Jr 31.31-34). Quando Deus efetuar o que prometeu, todos eles serão reunidos, restaurados e regidos pelo Messias. Mas não sem antes o Senhor lhes perdoar todas as faltas, lançando, pela fé, suas culpas sobre a cruz do salvador (v.8): “De modo que redimirá a Israel de todas as suas culpas” (wehû’ yifdeh ’et-yisra’el mikkol ‘aônôtayw). O perdão de Deus deve ser aguardado por israelitas e por gentios que creem. Porém, não como algo que apenas amenize suas faltas, mas sim como razão de serem totalmente perdoados, redimidos e transformados.

Diante da mensagem do salmo, a conclusão prática é que devemos levar muito a sério tanto o nosso pecado como a necessidade que temos de buscar o perdão de Deus a fim de mantermos plena comunhão com nosso Pai celestial. Temos também de anunciar o evangelho de Cristo aos perdidos para que, crendo, eles também encontrem o perdão de Deus e temam o seu nome. Além disso, nossa vida deve se transformar positivamente (Rm 12.1,2), motivada pela pura gratidão a Deus por nos perdoar em Cristo e, apesar da terrível culpa provinda dos nossos pecados, “não-pensar-sobre-isso-nunca-mais”.

Pr. Thomas Tronco

 

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