Quinta, 25 de Abril de 2024
   
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Salmo 87 - A Grande Metrópole de Deus

 

Gosto muito de história. Assim, em uma pesquisa sobre a Segunda Guerra Mundial há alguns anos, deparei-me com um personagem marcante. Trata-se de William Guarnere, sargento do 2º Batalhão do Regimento de Paraquedistas 506 da 101ª Divisão Aerotransportada do Exército americano. Ele fez parte da famosa Easy Company, conhecida de muitos por meio de livros, filmes e seriados de televisão, que esteve à frente de muitas das mais importantes batalhas da guerra na Europa, incluindo o “Dia D”. Chamado por seus companheiros de armas como “Wild Bill” Guarnere, um dos grandes motivos de orgulho para esse soldado, além de ter servido e lutado na Companhia E, é o fato de ter nascido no Sul da Filadélfia, capital da Pensilvânia, onde também conheceu sua esposa, Frannie, e criou seus dois filhos, Gene e Bill. Assim como ele, muita gente tem uma ligação muito forte com a cidade em que nasceu e procura qualquer ocasião na qual possa fazer alguma referência à sua amada cidade natal.

O autor do Salmo 87 também olha para uma cidade natal com respeito e alegria. Entretanto, não é uma cidade qualquer. Sua singularidade vem do fato de que mesmo pessoas que não nasceram nela serão chamadas de filhas daquela cidade. Isso se percebe pela repetição da frase (vv.4,6) “este foi ali gerado” (zeh yullad-sham), além de uma variação que diz (v.5) “cada um [desses] foi ali gerado” (’îsh we’îsh yullad-sham). A cidade-mãe, geradora de tantos filhos, é Jerusalém. Sua peculiaridade, nesse caso, é que seus filhos são do mundo todo, não apenas aqueles nascidos dentro dos seus limites. Como pode uma coisa assim ser verdade? Simples: seus “nascidos” parecem sê-lo de modo espiritual, envolve a conversão e a submissão a Deus, enquanto a relação de parentesco não se dá pela geografia, mas pelo que a cidade representa. Nem tudo que o salmo exalta está contido nele de modo explícito, mas quando levamos em conta a revelação e os pilares teológicos bem estabelecidos e firmados na época da sua composição, podemos vislumbrar um dos mais belos e significativos capítulos do saltério. Desse modo, o Salmo 87 apresenta verdades ligadas a Jerusalém em três épocas distintas.

No passado, Jerusalém foi fundada e amada por Deus (vv.1-3). Jerusalém não é um acidente geográfico, histórico ou demográfico. Sua função como sede do trono israelita, sobre o qual reinaram Davi e sua dinastia monárquica, e local do templo que marcava a habitação do Senhor no meio de Israel é resultado da indicação do próprio Deus que, primeiro, guiou Abraão ao monte Moriá para sacrificar seu filho (Gn 22.2) e, depois, designou tal monte como local escolhido para ser adorado: “Começou Salomão a edificar a Casa do Senhor em Jerusalém, no monte Moriá, onde o Senhor aparecera a Davi, seu pai, lugar que Davi tinha designado na eira de Ornã, o jebuseu” (2Cr 3.1) – Flávio Josefo associa essas duas citações bíblicas ao mesmo local (Antiguidades Judaicas: I, XIII, 2).

Sendo assim, o salmista inicia o texto se referindo a Jerusalém nos seguintes termos (v.1): “Fundada por ele sobre os montes santos” (yesûdatô beharrê-qadesh). O verso seguinte aclara que “ele”, nesse texto, é o próprio Senhor. O local da cidade fundada por Deus foi determinado com base na “santidade” – não que o local seja em si santo, mas que Deus decidiu santificá-lo, ou seja, separá-lo para seus propósitos. Ele certamente amou o povo que escolheu (Dt 7.7-9; Jr 31.31), mas fez diferença entre suas cidades (v.2): “O Senhor ama as portas de Sião mais que todas as moradas de Jacó” (’ohev yhwh sha‘arê tsîyôn mikkol mishkenôt ya‘aqov). Se até aqui o salmista não especifica a razão para tal amor, ele lembra o leitor que muito já havia sido dito sobre a cidade (v.3): “Dizem-se coisas gloriosas de ti, ó cidade de Deus” (nikbadôt meduvvar bak ‘îr ha’elohîm).

No futuro, Jerusalém será o centro de convergência das nações (vv.4-6). Acabando com o suspense criado pelos versos iniciais, o salmista apresenta a razão da singularidade de Jerusalém atrelando esse fato a eventos futuros de ordem mundial (v.4): “Mencionarei Rahav e a Babilônia àqueles que me conhecem. Eis a Filístia e Tiro junto com a Etiópia. Este foi ali gerado” (’azkîr rahav ûbabel leyot‘ay hinneh peleshet wetsôr ‘im-kûsh zeh yullad-sham). Rahav é um “monstro marinho mitológico” ou “alguém soberbo e arrogante” e não deve ser confundido com o nome de Raabe, prostituta de Jericó – apesar de a pronúncia ser semelhante, a grafia das duas palavras é diferente, assim como “sessão” e “seção”. Nesse caso, a palavra rahav é utilizada para descrever o Egito (Is 30.7; 51.9 cf. v.10), provavelmente se utilizando da figura de um monstro aquático para se referir ao país poderoso – e soberbo – cujas águas são uma importante marca. Deve-se observar que as nações mencionadas são tratadas no singular pelo pronome “este” (zeh), indicando a unidade das nações diante do que representará Jerusalém no futuro – a mesma ideia é expressa pela conglomeração das nações por meio da preposição hebraica aqui traduzida como “junto com” (‘im).

Essa união mundial, representada pelas duas potências militares da época – Egito e Babilônia –, e por nações próximas e distantes, quer amigos, quer inimigos – Filístia, Tiro e Etiópia –, recebe uma filiação surpreendente ligada a Jerusalém (v.5): “E se dirá a respeito de Sião: cada um [desses] foi ali gerado. E ele, o Altíssimo, a firmará” (ûlatsîyôn ye’amar ’îsh we’îsh yullad-sham wehû’ yekôneneha ‘elyôn). Isso deve ter sido realmente enigmático para os judeus da época, visto que foram instruídos a não se ligar às nações estrangeiras. Contudo, o Senhor afirma que fará um tipo de adoção oficial de outros povos e que os colocará na qualidade de afiliados daquela cidade (v.6): “O Senhor averbará no registro das nações: este foi ali gerado” (yhwh yispor biktôv ‘ammîm zeh yullad-sham). Trata-se de um ato oficial como o de registrar um imóvel ou de certificar o local de um nascimento.

A grande interrogação levantada nesse ponto é desfeita pela lembrança das “coisas gloriosas” que foram ditas da cidade de Deus (cf. v.3). Em primeiro lugar, Jerusalém figurava como local da presença do Santo de Israel quando, no futuro, a pátria fosse restaurada (Is 12.6 cf. vv.1-5). Esse Santo terá a função de redentor a atuará na conversão do povo (Is 59.20,21). O redentor de Israel também será seu rei, o rei da casa de Davi, rei este que também é Deus (Jr 3.17 cf. 2Sm 7.16; Mq 5.2). O reinado desse soberano não será restrito a Israel, mas a todas as nações do mundo, às quais trará paz e justiça (Mq 4.1-3 cf. Is 2.4; Zc 9.10). Desse modo, a glória de Jerusalém não está nas suas pedras, muralhas ou edificações, mas naquele que irá reinar sobre ela e sobre o mundo: “E o Senhor reinará sobre eles no monte Sião, desde agora e para sempre” (Mq 4.7). O Novo Testamento identifica o Senhor Jesus como tal rei e aclara o tamanho da glória que aqui é tratada: “O sétimo anjo tocou a trombeta, e houve no céu grandes vozes, dizendo: O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos” (Ap 11.15).

Por essa razão, no presente, Jerusalém é motivo de adoração ao Senhor (v.7): “[Atentai vós], tanto cantores como adoradores: Todas as minhas fontes estão em ti” (wesharîm keholelîm kol-ma‘yanay bak). A ordem de “atentar” ou “dar atenção” não está presente no texto hebraico, mas está subentendida, parecendo haver um chamado àqueles que louvam a Deus que se vale de uma construção poética – caso contrário, a compreensão do texto perde a fluência e o próprio sentido. “As fontes de Deus” – a razão do chamado – são a figura das suas bênçãos, produtoras de salvação (Is 12.3-6), enchendo a cidade e transbordando para as nações. O resultado almejado por essa frase final justifica o próprio salmo. O salmista apresenta as verdades ligadas à instituição de Jerusalém como local escolhido por Deus para sua morada e como cidade cujo reinado futuro fará convergir para ela todas as nações a fim de que, no presente, independente das circunstâncias possivelmente adversas – levando em conta o contexto turbulento presente em vários salmos dos filhos de Corá –, mantenha-se a esperança e se levante o devido louvor a Deus.

A glória dos propósitos de Deus expressos na escolha e fundação de Jerusalém como a capital do reinado israelita e habitação de Deus, unido ao futuro glorioso da cidade quando nela Jesus for tanto o rei israelita como o Deus que habita entre os homens, deve produzir agora, em nós, todos os verdadeiros servos de Deus, um louvor que não se pode conter. É certo que nós ainda aguardamos o dia em que o rei do universo adentrará novamente Jerusalém para julgar o mundo e lhe trazer ordem e paz. Mas desde já bradamos, pela fé, os gritos dos que o receberão como rei e Senhor na grande metrópole escolhida para assentar o trono do nosso soberano e, segundo “o seu beneplácito que propusera em Cristo, de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu como as da terra” (Ef 1.9,10).

Pr. Thomas Tronco

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