Quinta, 18 de Abril de 2024
   
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Salmo 84 - O Anseio pela Felicidade

Um dos grandes desgostos conhecidos dos homens é o exílio. Apesar das belezas da geografia e da cultura ao redor do globo, motivo pelo qual é um privilégio poder viajar pelo mundo, há uma conexão ímpar das pessoas com seu próprio povo e com sua pátria. Pessoas que têm de deixar seu país e partir para terras além sofrem com o afastamento. Pablo Neruda foi uma delas. Poeta e senador contestador, ele teve de partir do Chile para o exílio para não ser preso pelo governo. Ficou alojado em vários lugares no México, na Itália e na França por cerca de três anos (1949-1952). Até mesmo o fato de o povo de cada uma das nações por onde passou lhe ter sido bons anfitriões, isso não fez com que seu anseio de retornar à pátria esfriasse. Em sua poesia chamada Exílio ele escreve: “El destierro es redondo: Un circulo, un anillo: Le dan vuelta tus pies, cruzas la tierra, no es tu tierra” (O exílio é redondo: um círculo, um anel: Seus pés dão voltas, atravessa a terra, não é a sua terra).

O Salmo 84 apresenta paralelos com esse sentimento nostálgico, não somente pela pátria, mas pelo Templo do Senhor em Jerusalém. O salmo é de autoria dos filhos de Corá e o assunto e contextos são os mesmos dos salmos 42 e 43. Neles, o escritor se encontra exilado no Extremo Norte do território israelita e anseia por retornar a Jerusalém a fim de voltar a servir nos cultos a Deus. Para ele, o local da habitação divina entre os israelitas era algo de valor pessoal (v.1): “Quão desejável é a tua morada, ó Senhor dos exércitos!” (mah-yedîdôt mishkenôteyka yehwâ tseva’ôt). Apesar de a palavra “morada” aparecer no texto hebraico na forma plural, trata-se de uma referência ao Templo, talvez em uma menção aos seus vários cômodos – conforme diz na sequência (v.2): “Pelos átrios do Senhor” (lehatsrôt yehwâ). Diante de tal anseio, o autor considera o privilégio das aves que fizeram ninho nos recônditos do Templo, protegidos ali por Deus e repousados na sua presença (v.3): “Até mesmo as aves encontraram casa e a andorinha ninho para si, no qual põe seus filhotes junto aos teus altares, ó Senhor dos exércitos, meu rei e meu Deus” (gam-tsiffôr mots’â bayit ûderôr qen lah ’asher-shatâ ’efroheyha ’et-mizbehôteyka yhwh tseva’ôt malkî we’lohay).

O desejo de ter o privilégio como o das aves que fizeram suas casas no Templo combina com seu anseio expresso no Salmo 42, em que compara seu desejo da presença de Deus à sede das corças por água (Sl 42.1). Desse modo, o salmista expressa sua vontade de voltar à sua terra e à sua função no serviço do Senhor. A diferença desse salmo para o 42 e o 43 não se dá nas circunstâncias, mas no ânimo do salmista. Enquanto ele se apresenta lamurioso nos salmos precedentes, mostrando sua desventura, nesse ele minimiza seu sofrimento em função de meditar na “felicidade” de quem serve a Deus, já que repete três vezes (vv.4,5,12) a palavra “felizes” ou “bem-aventurados” (’ashrê). Desse modo, ele propõe três razões da felicidade plena e permanente, à qual ele almeja para si.

A primeira razão da felicidade para o salmista é andar continuamente com Deus. De um modo muito especial, o salmista sabe o valor desse bem. Afastado da sua terra e das suas funções religiosas, ele vê como são bem-aventurados os que têm a oportunidade que ele não desfruta no momento (v.4): “Felizes são os que habitam na tua casa” (’ashrê yôshevê bêteka). A questão nem é o local, apesar de um ponto geográfico ser muito bem definido: o Templo localizado em Jerusalém (cf. Sl 43.3 – “teu monte santo”, ou seja, o monte Sião).

O que o salmista vê como algo de valor incomparável é a atividade feita naquele local. O Templo não era apenas o local da representativa habitação de Deus em Israel, mas era também onde se realizavam seus cultos e para onde os israelitas traziam suas ofertas. Estar em Jerusalém significava poder louvar a Deus pela sua grandeza e glória, atividade almejada por todos os que o servem: “Eles te louvam continuamente” (‘ôd yehallûka). Lá, não havia somente a possibilidade de adorar o Altíssimo, mas de fazê-lo sempre, sem nenhum impedimento, de modo a transformar a vida do adorador e colocá-la no rumo que o Senhor ordenou, sendo essa a maior felicidade que o salmista almeja.

A segunda razão é ser fortalecido pelo Senhor. O maior problema do escritor do salmo não é desejar estar no Templo, mas não ter condições de cumprir seu desejo. Ao que tudo indica, ele estava detido contra sua vontade e desejar retornar não era suficiente para consegui-lo. Sua incapacidade diante de forças poderosas era a razão da sua desventura. Em lugar de ficar deprimido, o salmista olha para a força do próprio Deus como motivação da felicidade dos seus servos e razão de uma inalienável esperança (v.5): “Felizes são aqueles cuja força está em ti” (’ashrê ’adam ‘ôz-lô bak).

Esse é um sentimento que, apesar de parecer contraditório, encontra um paralelo na experiência neotestamentária do apóstolo Paulo que, oprimido por algo que ele designou como “espinho na carne” (2Co 12.7) e tendo ouvido que em sua fraqueza se aperfeiçoaria do poder que vinha de Deus (2Co 12.9), disse: “Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte” (2Co 12.10). O salmista, munido de tal sentimento, vê a força do Senhor como agente de transformação do caminho árido em terra fértil (v.6), permitindo assim uma viagem que seria impossível sem sua intervenção. O próprio Senhor fortalece dia a dia os viajantes que “andam de força em força” (yelekû mehayil ’el-hayil). Seu destino final é inexoravelmente alcançado: “Cada um deles comparece perante Deus em Sião” (yera’eh ’el-’elohîm betsîyôn).

A última razão da felicidade é confiar plenamente em Deus. Apesar dos revezes, o salmista demonstra tal confiança (v.12): “Ó Senhor dos exércitos, felizes são aqueles que confiam em ti” (yehwâ tseva’ôt ’ashrê ’adam boteah bak). Essa confiança não é uma declaração vazia escrita em um pergaminho antigo, mas algo que é vivo e visível na vida do próprio escritor na forma de um confiante clamor àquele em quem põe sua total confiança (v.8): “Ó Senhor, Deus dos exércitos, ouve a minha oração, dá ouvidos, ó Deus de Jacó” (yehwâ ’elohîm tseva’ôt).

Se a primeira parte da oração envolve metaforicamente o ouvido, a segunda usa a figura do olho (v.9): “Vê o nosso escudo, ó Deus, e olha a face do teu ungido” (maginnenû re’eh ’elohîm wehavvet penê meshîheka). As expressões “nosso escudo” e “teu ungido” apontam para o rei, o qual necessita do auxílio divino, evidenciando que a crise pessoal do salmista coincide com a crise nacional israelita. Para entender a natureza dessa crise, é bom notar como o salmista compara (v.10) a alegria de estar nos átrios e na porta do Templo de Deus com a tragédia de “habitar nas tendas do ímpio” (dûr be’oholê-resha‘). Entretanto, apesar do bem que é andar e viver com Deus, sua confiança se baseia no caráter divino e no seu modo de proceder para com os seus (v.11): “O Senhor concede graça e honra. Não nega o bem aos que andam com integridade” (hen wekavôd yitten yehwâ lo’ yimna‘-tôv laholekîm betamîm). Dessa certeza provém uma felicidade que não é abalada nem mesmo em momentos difíceis como o que atravessou o escritor do salmo.

O Salmo 84 parece responder a uma pergunta muito atual levantada no seio da igreja do século 21: “É mesmo possível ser feliz em meio às crises e ao sofrimento?”. O salmista pode responder com propriedade essa questão, pois não foi alguém imune ao sofrimento – vejam-se os salmos 42 e 43 – e não pode ser acusado de tratar um assunto que não conhece. Por outro lado, o fato de não ter desmoronado diante da crise, nem ter sucumbido por falta de esperança, é uma lição preciosa de que os servos de Deus têm, em meio às lutas, dois tipos de felicidade. Uma delas vem de saber quem é Deus, como ele age com os que lhe pertencem e o valor imensurável de poder louvar aquele que é tudo sobre todos. A outra vem de saber que, independente de quantas voltas dê o mundo, o destino final dos que creram no Senhor e lhe entregaram suas vidas pela fé em Jesus Cristo é exatamente aquele descrito no salmo: “Cada um deles comparece perante Deus”. Essa é uma felicidade que nenhuma circunstância adversa pode nos roubar. Você tem essa felicidade?

Pr. Thomas Tronco

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