Sexta, 29 de Março de 2024
   
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Salmo 75 - A Esperança do Justo Juízo de Deus

 

Em certa aula da faculdade, um professor quis se vangloriar, diante da classe, de certo trabalho que havia feito. Como isso foi dito em um claro tom de arrogância e até de desrespeito pela classe, o professor foi vaiado por vários alunos. Não participei, nem aprovei a vaia, mas não posso dizer que ele não a tenha merecido. O problema é que ele resolveu se vingar da sala toda impedindo que assinássemos a lista de chamada, além de prometer um decréscimo nas notas. Nesse caso, ainda que uma atitude assim não tivesse amparo no regimento da universidade, que podia eu, que de nada participei, fazer para evitar a injustiça? A confusão foi aumentando até que, não sei bem como, estávamos todos na diretoria. O diretor ouviu as partes e chamou o professor até sua sala. Momentos depois, o professor estava na secretaria com a lista para os alunos assinarem presença. Nenhuma palavra nos foi dita, mas percebemos que o diretor, bem mais poderoso que o professor, evitou a injustiça.

O salmista Asafe também se viu diante de injustiças sem podê-las resolver por si mesmo. O Salmo 75, além de conter a esperança de ver um dia o justo julgamento sendo efetivado, seu título diz que ele foi escrito para ser cantado com a melodia “Não destruas”. Ela também é utilizada nos salmos 57, 58 e 59, compostos por Davi e escritos em momentos de sofrimento do salmista por causa da perseguição injusta que sofria, pelo que clamou a Deus por libertação para si e por justa condenação para os ímpios. Parece que nesse mesmo sentido Asafe se vale da melodia para consolar-se com a esperança de um dia certamente ver o acerto de contas promovido pelo supremo juiz de toda a Terra. Assim, mesmo vendo a injustiça presente, o salmo inicia com louvor (v.1): “Rendemos grato louvor a ti, ó Deus. Rendemos grato louvor, pois tu estás perto. Proclamamos os teus feitos maravilhosos” (hôdînû leka ’elohîm hôdînû weqarôv shemeka sifferû nifle’ôteyka). A partir daí, vislumbrando o futuro, Asafe expõe três traços do juízo de Deus sobre o mundo.

O primeiro desses traços é: o julgamento de Deus tem seu tempo determinado. Esse é um ponto fundamental da teologia do salmista, visto que ele louva a Deus antes de ver seu juízo ser efetivado. Isso não acontece porque o salmista é um otimista inconsequente, mas um servo que crê e que tem convicção daquilo que aguarda. E aquilo que ele espera com plena certeza é o momento definido por Deus para julgar o mundo, já que narra os dizeres divinos (v.2): “Quando eu lançar mão da ocasião determinada, eu julgarei com justiça” (kî ’eqqah mô‘ed ’anî mêsharîm ’eshpot). Quando chegar esse momento, o julgamento de Deus se revelará sob dois aspectos diferentes: justiça para o perseguido, injustiçado e oprimido e, também, punição para os ímpios opressores.

O primeiro aspecto é enfatizado no v.3: “Mesmo que a Terra seja abalada com todos os seus habitantes, eu firmarei as suas colunas” (nemogîm ’erets wekol-yoshbeyha ’anokî tikkantî ‘ammûdeyha). Essa é uma imagem de estruturas prestes a desabar diante de um terrível terremoto. Elas não chegam a desmoronar porque alguém coloca escoras suficientes para que mesmo o pior dos tremores seja inútil para destruir as construções. Como o salmista não está falando sobre abalos sísmicos, essa é a mensagem de esperança para os servos de Deus que sabem que não serão abandonados pelo Senhor e que não sucumbirão no final de tudo. O segundo aspecto do julgamento de Deus vem implícito na forma de uma ordem ameaçadora (v.4): “Eu digo aos orgulhosos: ‘Não se orgulhem’, e aos maus: ‘Não ergam seus chifres’” (’amartî lahôlelîm ’al-tahollû welarsha‘îm ’al-tarîmû qaren). Visto que chifres são usados no Antigo Testamento para se referir a força e poder, a ordem de não se levantar contra o povo de Deus e de não se vangloriar da sua força contra ele (v.5) é um aviso de que, caso assim fizerem, serão alvos de dura punição. Se isso é motivo de temor para os ímpios, é também motivo de esperança e louvor para os justos, ainda que sofram no tempo presente.

O segundo traço é: o julgamento de Deus é feito com poder irresistível. Visto que uma das acusações divinas no salmo são o orgulho e a altivez daqueles que não o temem, segue um claro aviso de que suas forças não podem resistir diante de Deus e não há em nenhuma parte do mundo quem os socorra quando o Senhor os trouxer a juízo (v.6): “Pois não é do oriente, nem do ocidente, nem é do deserto que virá alguém que os levante” (kî lo’ mimmôtsar ûmimma‘arav welo’ mimmidbar harîm). Se, diante dessa afirmação, fica a dúvida de “por que alguém precisaria ser levantado?”, o versículo seguinte explica (v.7): “Pois Deus é o juiz; ele derrubará este e levantará aquele” (kî-’elohîm shofet zeh yashpîl wezeh yarîm). Somente Deus pode levantar do chão e exaltar o que caiu. Porém, àquele que Deus fizer cair, condenando seu pecado, ninguém o pode levantar ou livrar da mão do poderoso juiz. Seu julgamento é irresistível e final.

O poder de Deus como juiz não fica patente apenas no fato de não haver quem o impeça, mas também no modo como aplica a pena. A condenação do perdido e a ira de Deus contra os pecadores são várias vezes expostas na Bíblia por meio da figura de uma taça. Aqui não é diferente (v.8): “Pois na mão do Senhor está uma taça de vinho espumante, cheio de mistura, que ele derramará. Certamente, todos os ímpios da Terra sorverão e beberão sua borra até o fim” (kî kôs beyad-yehwâ weyayin hamar male’ mesek wayyagger mizzeh ’ak-shemareyha yimtsû yishtû kol rish‘ê-’arets). A ideia que o salmista promove com essa figura é que, além do sabor terrível que tem a pena impetrada pelo supremo juiz, ela é irreversível e inevitável. Ninguém pode fugir dela, abrandá-la, atrasá-la ou mesmo cancelá-la. Essa é uma taça de fel que será sorvida até a última gota pelos que agora se ensoberbecem diante de Deus. Apesar de ser algo que ocorrerá plenamente no futuro, essa certeza já traz segurança para os que agora são abatidos e aguardam pela justiça do Senhor.

O terceiro traço é: o julgamento de Deus promove louvor no seu povo. O salmista, que inicia o salmo olhando para o julgamento futuro de Deus, certamente por ver no presente a injustiça se espalhando, desde já glorifica o Deus soberano (v.9): “Mas eu anunciarei [os teus feitos] continuamente. Farei canções ao Deus de Jacó” (wa’anî ’agîd le‘olam ’azammerâ le’lohê ya‘aqov). Normalmente, os servos de Deus louvam seu Senhor por dois motivos: por quem Deus é e pelo que Deus faz – ou fez. Entretanto, Asafe mostra que há mais um motivo de louvor ao juiz de toda a Terra: aquilo que ele fará. Nesse caso, o Salmo 75 fala daquilo que Deus fará em relação à justiça e ao juízo (v.10): “Pois eu arrancarei todos os chifres dos ímpios e exaltarei os chifres dos justos” (wekol-qarnê resha‘îm ’agaddea‘ terômamnâ qarnôt tsaddîq). Lembrando o significado da figura do chifre (cf. v.4), o salmista louva a Deus por ele inverter a situação presente no futuro, a saber, dar força ao abatido e tirar a força dos maus. É impressionante como a certeza do futuro consegue dar novas cores ao presente e tirar louvor até mesmo dentre os gemidos!

Pessoalmente, encontro grande consolo nesse salmo. Quando vejo os desmandos no mundo na forma de corrupção de políticos que nunca são punidos, de criminosos que afrontam e zombam das autoridades e da sociedade como um todo e de grupos que trabalham ativamente para impor ao mundo seu estilo de vida perverso, eu sinto grande desânimo. Mas, ao lembrar que há um momento determinado no qual Deus reverterá isso tudo e trará justiça e juízo por completo, não apenas me sobrevém o ânimo, como também um desejo muito grande de, desde já, agradecer pelo que ele fará. Outro efeito positivo que essa esperança tem sobre minha vida é que ela contém a minha revolta. Um pessoa revoltada age de maneira destrutiva e vingativa que, ainda que apontando contra o mal, nunca leva a um final feliz, nem à edificação de vida ou ao bom testemunho. Porém, com a plena certeza de que Deus em pessoa tratará todo o mal punindo quem o promove, agora tenho a possibilidade de ser paciente e de dar bom testemunho, mesmo quando isso parece loucura e perda de tempo. Afinal, loucura mesmo é viver achando que Deus não trará juízo ao mundo (Sl 14.1) ou que essa vida é tudo que existe para nós (1Co 15.19).

Pr. Thomas Tronco

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