Sexta, 29 de Março de 2024
   
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Salmo 74 - Ignorando os Avisos de Deus

 

Certa vez, aconselhei um paciente a apressar certo tratamento odontológico sob o risco de uma fratura da coroa dental devido a uma cárie nada modesta. Apesar dos avisos, o paciente dizia que eu estava exagerando, visto não haver dor alguma. Tentei alertá-lo da inexatidão da sua análise lembrando-o de que ele não conseguia ver o tamanho real dos danos e que não tinha habilitação profissional para avaliar os dados. Mas nada o fez procurar o tratamento, até que a fratura que eu previ finalmente ocorreu. Então, ele me procurou com “urgência” para um “conserto” – como me disse. Contudo, a fratura atingiu a raiz, condenando definitivamente o dente. Quando o paciente ouviu que teria de extrair o dente, ficou desesperado. Então, lhe perguntei: “Quantas vezes eu o adverti sobre esse risco?”. Ele respondeu: “É que eu não imaginei que o dano seria tão grande”.

Como esse rapaz, o povo de Israel ignorou e brincou com os alertas de Deus. E também enfrentou consequências maiores do que esperava. O Salmo 74 está ambientado em dias nos quais o templo de Jerusalém fora invadido, profanado e destruído por um povo estrangeiro. As semelhanças entre o Salmo 74 e certas realidades expostas nas Lamentações de Jeremias fazem parecer que o salmista viu com seus próprios olhos a invasão e destruição de Jerusalém por mão dos babilônicos em 587 a.C. Apesar de profetas como Isaías, Habacuque e Jeremias terem alertado quanto ao iminente juízo de Deus, o povo de Jerusalém continuava a viver em pecado, achando que a presença do templo na cidade faria Deus, por interesse próprio, impedir qualquer invasão estrangeira. Essa falsa esperança foi denunciada em vão pelo profeta Jeremias: “Não confieis em palavras falsas, dizendo: Templo do Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor é este” (Jr 7.4). Depois de tantos alertas, a punição veio tomando formas que os israelitas nunca imaginaram ou desejaram.

A primeira parte do salmo evidencia três consequências indesejáveis para os israelitas no tocante ao culto e ao templo. A primeira consequência foi a rejeição de Deus (vv.1-3). A pergunta de efeito que inicia o salmo é (v.1): “Ó Deus, por que [nos] rejeitaste definitivamente e se acendeu a tua ira contra o rebanho do teu pasto?” (lamâ ’elohîm zanahta lanetsah ye‘shan ’affeka betso’n mar‘îteka). A ideia de um castigo definitivo ou permanente não revela falta de esperança na restauração – já que o salmista tem em mente a aliança de Deus com Abraão (v.20) –, mas sim a intensidade do juízo. Aquilo que Deus vinha há muito avisando e que o povo ignorou, simplesmente chegou como uma torrente avassaladora e a visão dos observadores é de uma completa rejeição. Apesar de no futuro isso ser revertido, para o momento a realidade é essa. Mesmo tendo Israel já passado por muitos sofrimentos, a sensação de uma rejeição sem volta vem de algo inédito em Israel, a saber, o templo ser entregue aos invasores, de modo que o povo pôde ver (v.3) “toda a calamidade feita pelo inimigo no santuário” (kol-hera‘ ’ôyev baqqodesh).

A segunda consequência foi a corrupção do culto (vv.4-8). O sacrifício com porcos ordenados por Antíoco IV (167 a.C.) e os estandartes romanos introduzidos no templo por Pilatos (26 A.D.) não foram as primeiras profanações que o templo de Jerusalém conheceu. Os primeiros inimigos a invadi-lo quebraram rispidamente a rotina de louvor nos locais santos (v.4): “Os teus inimigos rugiram no interior do teu local de solenidades. Lá puseram suas insígnias e estandartes” (sha’agû tsorerey beqerev mô‘adeka samû ’ôtotam ’otôt). O local do santo culto a Deus virou local de festa, de zombaria e de afronta da horda invasora. Depois de comemorar a vitória contra o Deus de Israel – pelo menos assim parecia ao inimigo – eles profanaram e destruíram o templo, impedindo que o culto verdadeiro a Deus lhe fosse prestado (v.7): “Atearam fogo no teu santuário. Profanaram e derribaram ao chão o local onde habita o teu nome” (shilhû ba’esh miqdasheka la’arets hillelû mishkan-shemeka).

A terceira consequência indesejada foi o silêncio do Senhor (vv.9-11). Diante de tanta afronta, o mínimo que se podia esperar era que o Senhor se levantasse para vingar seu nome e seu povo. Entretanto, era Deus quem trazia essa punição, de modo que, não apenas nada fez para impedir a desgraça que caiu sobre Jerusalém, como também deixou de falar com o povo por intermédio dos profetas (v.9): “Não há mais profeta” (’ên-‘ôd nabî’). Por esse motivo, o povo pecador foi entregue à incerteza e ao medo, sem saber quando cessaria o sofrimento: “E não há ninguém conosco que saiba até quando” (welo’-’ittanû yodeah ‘ad-mâ).

Atualmente, parece-me que a igreja tem sofrido as mesmas consequências que os israelitas do sexto século. Certos setores da igreja têm, inadvertidamente, ignorado a Palavra de Deus, rebelado-se contra as ordens divinas, “moldado” Deus conforme seu gosto pessoal e se aproximado do estilo de vida mundano para crescer e para entreter seus frequentadores, colocando o mundo perdido, não redimido, para dentro das suas portas. O amuleto que tem justificado tal podridão não é a existência de um templo, mas o “amor de Deus”, como se, por amor, ele ignorasse tudo que sua justiça ordena e que sua santidade abomina e como se ele salvasse mesmo aqueles que rejeitaram a fé no Senhor Jesus Cristo. Por essa causa, também experimentam a corrupção do culto e o silêncio e a rejeição de Deus. Para corrigir isso, deveriam fazer o que também fez o salmista diante do quadro da profanação do templo na forma de três atitudes.

A primeira atitude é reconhecer Deus como supremo Senhor (vv.12-17). Se a independência e a rebeldia do povo contra Deus foram a causa do juízo, o salmista diz algo no sentido completamente oposto ao pecado de Israel (v.12): “Mas Deus é o meu rei desde os tempos antigos. Ele é quem promove libertações dentro da [nossa] terra” (we’lohîm malkî miqqedem po‘el yeshû‘ôt beqerev ha’arets). Esse é um reconhecimento de quem Deus é – rei soberano (ver vv.13-17) que deve ser obedecido e temido – e o que Deus faz – ele liberta seu povo submisso em graça e amor. Reconhecê-lo é o primeiro passo para voltar a se submeter a ele e ser restaurado.

A segunda atitude é desejar a purificação do culto (v.18,22,23). O salmista diz: “Lembra-te disto: O teu inimigo tem afrontado o Senhor e um povo tolo tem desprezado o teu nome” (zekar-to’t ’ôyev heref yhwh we‘am naval ni’atsû shemka). Ao dizer “lembra-te”, o salmista não imagina que o Senhor se esqueça de algo ou que deixe de ver certos acontecimentos. Ele pede que Deus leve em conta a profanação do culto santo e a afronta ao seu nome e atue revertendo esse processo por meio do castigo aos inimigos. Ao dizer (v.22) “Levanta-te, ó Deus, defenda a tua causa” (qûmâ ’elohîm rîvâ rîveka), o salmista roga que aquilo que o inimigo fez seja vingado e restaurado a fim de mostrar, por meio da restauração do culto desejado pelo Senhor, quão falsas eram as bravatas dos inimigos contra o Deus de Israel.

A última atitude é recorrer às verdadeiras promessas de Deus (vv.19-21). No meio da destruição da cidade, do exílio do povo e da incerteza sobre os acontecimentos futuros, o pedido do salmista a Deus é (v.19): “Não te esqueças definitivamente dos teus aflitos” (‘anîyeyka ’al-tishkah lanetsah). Apesar das circunstâncias, essa não é uma oração sem esperança, pois o conceito da aliança (v.20) está presente na mente do salmista. Quando o salmista se lembra das promessas que Deus fez a Abraão, registradas nas Escrituras, prometendo-lhe uma terra que seria da sua descendência “para sempre” (Gn 13.15), ele olha para o futuro e vislumbra paz e bênçãos na terra prometida para os filhos e filhas do patriarca.

Olhando para os nossos dias, vejo inimigos de Deus entrando com seus estandartes na igreja e zombando do santo nome do Senhor. Aonde eles chegam, tomando o espaço que de direito pertence aos verdadeiros crentes em Cristo, a igreja para de crer na soberania de Deus, deixa de depender da graça para se entregar a métodos de marketing e diminui ou elimina a importância das Escrituras nos cultos e reuniões, fazendo do entretenimento e da diversão seu carro-chefe para encher seus salões – e suas contas correntes. Onde os inimigos do evangelho dominam, a igreja também ignora a disciplina bíblica com a desculpa de que ela tem de ser amorosa – como se fosse falta de amor corrigir um filho desobediente – e, em lugar de atrair incrédulos a Cristo pela fé salvadora, passam a atrair incrédulos endurecidos e ensoberbecidos para dentro da igreja, a qual deveria ser santa habitação do Senhor e não covil de salteadores.

Olhando para isso, eu também me pergunto: “Quem saberá até quando?”. Que bom seria se os verdadeiros crentes se apercebessem do que tem acontecido e, dependentes do Senhor, se curvassem diante do Pai rogando que se lembre das afrontas contra o seu nome e da destruição que tem sido promovida na igreja. Graças ao bom Deus, suas verdadeiras promessas também nos consolam e nos encorajam a seguir em frente, a lutar pela pureza do culto e a promover a verdadeira glorificação do nome de Deus, já que Jesus, falando de sua igreja, garantiu: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16.18).

Pr. Thomas Tronco

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