Sexta, 29 de Março de 2024
   
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Salmo 71 - As Inseguranças da Idade Avançada

 

Pesquisei, recentemente, planos de saúde para alguém da família. Fiquei espantado como o valor é alto para pessoas com mais idade. Os valores para pacientes da terceira idade, então, são exorbitantes. É claro que, à medida que a juventude fica para trás, mais uso dos cuidados médico-hospitalares a pessoa fará. Entretanto, acredito que os altos valores também sejam reflexos do medo que as pessoas têm de adoecerem na velhice e não terem como pagar os tratamentos. Assim, mesmo que o preço dos planos de saúde para essa faixa etária sejam muito altos – alguns abusivos –, nunca faltarão clientes para as operadoras dos planos.

O salmista, autor do Salmo 71, nunca conheceu hospitais ou planos médicos, mas ele também nutriu medos a respeito da sua velhice. Dá para perceber que esses dias já tinham chegado para ele pelo modo de tratar os dias da mocidade como um tempo distante (vv.5,6,17). Sua oração pelos dias da velhice (vv.9,18) se confunde com os pedidos imediatos, demonstrando que o salmista já sentia o peso da idade acompanhada de seus temores. Ele sabia que as pessoas o olhariam diferente, que suas capacidades pessoais diminuiriam e que ele teria de passar por níveis de dependência que lhe eram desconhecidos – e indesejados – até então. Assim, no Salmo 71 é possível notar três preocupações principais do salmista ligadas ao seu futuro.

A primeira preocupação é ser motivo de desprezo alheio. No versículo 7, o salmista utiliza uma palavra cujo sentido necessita algumas explicações: “Eu sou, para muitos, como um portento” (kemôfet hayîtî leravvîm). A palavra “portento” quer dizer um “sinal”. A julgar pela segunda parte do versículo – “Mas tu és o meu abrigo forte” (we’attâ mahasî-‘oz) – que se contrapõe à primeira, percebe-se que o salmista tem algo em mente relacionado aos ataques dos seus inimigos, ataques dos quais Deus era seu “refúgio seguro”. Segundo parece, seus inimigos diriam que ele é um sinal, ou do juízo de Deus, ou da degradação que a idade traz até aos mais renomados seres humanos. É um tipo de chacota proverbial que soa assim: “Vejam o que o tempo fez até com aquela pessoa!”. Esse desprezo por parte das pessoas era algo que o salmista temia na sua velhice e é algo que muitos idosos temem: serem tratados como pessoas incapazes e risíveis.

A segunda preocupação é sofrer com as limitações do corpo. O salmista prevê que sua força do passado será apenas uma recordação e não uma realidade presente, visto que se refere à velhice (v.9) como dias “quando se esgotarem as minhas forças” (kiklôt kohî). O salmista não vê esse problema como uma contingência irrelevante, mas como um causador de sofrimento, motivo pelo qual ele pede a Deus: “Não me abandone” (’al-ta‘azvenî). É muito comum a busca por Deus surgir diante do vislumbre da limitação humana. É claro que, para isso, é necessária a comunhão com Deus. Talvez, por isso mesmo, o salmista se preocupa em ter Deus ao seu lado, principalmente em sua idade avançada: “Não me lances fora no tempo da velhice” (’al-tashlîkenî le‘et ziqnâ). Perder Deus como apoio seria o fim do idoso que escreveu o salmo.

A terceira preocupação é ser incapaz de cuidar de si. Esse temor do salmista é expresso nos dizeres dos seus inimigos. Eles, que tramavam para destruí-lo (v.10), julgavam que o Senhor não mais o protegia (v.11): “Deus o abandonou” (’elohîm ‘azavô). Certamente, essa opinião não se baseava no conhecimento vindo de Deus da sua ação sobre o salmista. Os inimigos devem ter chegado a essa conclusão simplesmente olhando para o escritor do salmo com as limitações da sua idade. Afinal, ele não era mais o mesmo homem forte e temível que fora no passado, nem tampouco aquele cuja capacidade e destreza eram indiscutíveis. Agora, tratava-se de um homem limitado – como se vê no ponto anterior (v.9) – que não tinha mais condições de se defender como antes. Tal incapacidade amedronta o escritor idoso a ponto de ele temer ser capturado segundo o plano dos inimigos, que era: “Persigam-no e capturem-no, pois não há quem o salve” (ridfû wetifsûhû kî-’ên matsîl).

Para não sucumbir diante dessas três inseguranças, o salmista toma três atitudes que mudam seu modo de encarar os dias e os problemas da velhice. A primeira atitude é recorrer a Deus em oração. O Salmo 71 é enfaticamente uma oração. Isso fica claro desde o início, já que o v.2 contém quatro clamores seguidos e paralelos: “Defenda-me pela tua justiça e me livra. Inclina a mim os teus ouvidos e me salva” (betsidqateka tatsîlenî ûtefalletenî hatteh-’elay ’ozneka wehôshî‘enî). A oração é um reflexo da confiança que o salmista tem tanto no poder de Deus para salvá-lo como na sua bondade e, por isso, chama o Senhor (v.3) de “minha rocha e minha fortaleza” (sal‘î ûmetsûdatî). Tendo em vista sua situação peculiar, o final do salmo também é marcado pelo clamor do salmista (v.18): “E não me abandone nem quando chegar a velhice e os cabelos grisalhos, ó Deus” (wegam ‘ad-ziqnâ wesêvâ ’elohîm ’al-ta‘azvenî). Para os que seguem a Deus, os temores andam de mãos dadas com as orações confiantes por proteção.

A segunda atitude é recordar o cuidado de Deus no passado. A confiança do servo no Senhor não é sem razão. Ela se baseia nas promessas e no caráter de Deus expressos nas Escrituras, mas também se apoia na experiência pessoal. Normalmente, quem recorre a Deus já o fez antes e foi socorrido de maneiras maravilhosas por seu Senhor. Assim, ele tem na mente um conjunto de recordações do cuidado de Deus que o encorajam a esperar por atuações semelhantes no futuro. As inseguranças do futuro fazem esse salmista recordar que Deus é sua esperança, sua confiança (v.5) e seu professor (v.17) “desde a minha juventude” (minne‘ûray). Deus lhe tem sido um apoio (v.6) “desde o ventre, desde a barriga da minha mãe” (mivveten mimme‘ê ’ammî). Por isso, sua atitude é recordar e anunciar, em primeiro lugar, quem é Deus (v.16): “Eu contarei da tua justiça, a tua somente” (’azkîr tsidqateka levaddeka). Finalmente, ele recorda o conforto que recebeu no passado esperando que isso se repita (v.21): “Consola-me novamente” (tissov tenahamenî). Esquecer-se do socorro de Deus no passado é um caminho certo para o desespero quanto ao futuro.

Finalmente, a terceira atitude é regozijar-se na glória de Deus. Na contramão das preocupações e incertezas quanto ao futuro, o salmista parece estar seguro do seu papel como adorador. Assim, ele não foge do dever de adorar a Deus, mas o cultua do mesmo modo como o faria se nada o afligisse (v.22): “Eu também celebrarei com harpa a tua fidelidade, ó meu Deus. Cantarei louvores a ti com cítara, ó Santo de Israel” (gam-’anî ’ôdeka biklî-nevel ’amitteka ’elohay ’azammerâ leka bekinnôr qedôsh yisra’el). Ao celebrar o nome do Senhor, o salmista não o faz mecanicamente, nem como uma forma de barganhar a solução dos problemas. Antes, ele empenha todo seu ser para glorificar o Senhor (v.23): “Meus lábios exultarão” (terannennâ sefatay); e completa: “Também a minha alma” (wenafshî). Esse louvor, por mais que pareça improvável em meio a uma crise, não sofre interrupções, mas prossegue sempre (v.24): “Minha língua também recitará a tua justiça o dia todo” (gam-leshônî kol-hayyôm tehgeh tsidqateka). Pelo jeito, o salmista percebeu que Deus não merece louvor apenas quando estamos tranquilos, mas em todo tempo, visto que continuamente é Deus eterno, perfeito, soberano e glorioso.

O salmo é antigo, mas a lição é bem atual. Ainda hoje os idosos passam por problemas difíceis e por temores bem reais – e ninguém deve minimizar ou simplificar tais conflitos. Mas a Palavra de Deus fornece as chaves para a esperança, o consolo e a confiança em Deus a fim de encarar tais lutas. Por isso, as incertezas e temores da idade avançada não devem produzir, entre os crentes, velhos “reclamões” e “rabujentos”. Ao contrário, devem dar origem a senhores e senhoras experientes, dependentes de Deus, sábios, comedidos, esperançosos, gentis e cooperadores da igreja. Afinal, todos devemos chegar ao final dessa vida podendo dizer com honra e alegria: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé” (2Tm 4.7).

Pr. Thomas Tronco

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