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Obadias 7a

 

“Todos os homens com quem você fez aliança o forçarão para fora das fronteiras do país. Os homens com quem você estabeleceu a paz o enganarão e o derrotarão” (Obadias 7a).

Desde o ano 1500 a.C. até 1860 d.C., mais de 8 mil tratados de paz, destinados a permanecer em vigor para sempre, foram encerrados e o tempo médio em que permaneceram em vigor foi de apenas dois anos.[1] Impressionante como as alianças humanas são imperfeitas, passageiras e especialmente enganosas. E essa seria justamente uma das pedras que o Senhor colocaria para tropeço de Edom quando trouxesse à tona seu julgamento. Isso fica claro quando o profeta menciona “todos os homens com quem você fez aliança” (literalmente, “homens da tua aliança”, cujo sentido, em uma única palavra, é o de “aliados”). Alianças já eram uma prática antiga nos dias de Obadias. Edom tinha seus aliados, tendo participado com eles inclusive da invasão a Jerusalém e do morticínio dos judeus, razão pela qual o texto menciona: “No dia em que, estando tu presente, estranhos lhe levaram os bens, e estrangeiros lhe entraram pelas portas e deitaram sortes sobre Jerusalém, tu mesmo eras um deles” (Ob 11).

Ironicamente, Deus usaria os antigos aliados como uma lança para ferir Edom, de modo que tais aliados, diz o texto, “o forçarão para fora das fronteiras do país” ― literalmente, “os levarão até a fronteira”. Há duas possibilidades de interpretação da ação de levar até a fronteira, o que, dependendo da direção (se para dentro ou para fora do país), conduzirá a uma tradução distinta que explique melhor a cena. O primeiro quadro possível pode ser o dos aliados enviando os edomitas “de volta até sua fronteira”, o que quer dizer que eles não receberiam os fugitivos, mas os conduziriam de volta aos limites de Edom para que caíssem nas mãos do inimigo.[2] Sem dúvida, um acontecimento desse tipo seria uma boa paga aos edomitas por terem feito algo semelhante aos fugitivos de Jerusalém, capturando-os nas encruzilhadas a fim de que não escapassem, mas fossem entregues aos invasores e exterminados (Ob 14) ― o que era justamente uma das razões pelas quais Deus os puniria.

Apesar de ser uma proposta interessante, a prática mais comum naqueles dias, da qual o próprio Israel se viu vitimado ao cair diante da Assíria de Sargão II, em 722 a.C., e da Babilônia de Nabucodonosor, em 587 a.C., era o exílio ou desterro. Nesse caso, os antigos aliados, agora inimigos, levariam suas presas fronteira afora, “forçando-os”, como derrotados, a seguir para outras terras onde se tornariam escravos, seriam miscigenados a outros povos, perdendo sua identidade nacional e étnica, e mortos como espetáculo aos conquistadores. Israel também passou por isso e Jeremias usa uma linguagem semelhante na qual descreve antigos aliados que enganaram os judeus e desterraram seus prisioneiros enquanto outros eram mortos no país: “Eis que todas as mulheres que ficaram na casa do rei de Judá serão levadas aos príncipes do rei da Babilônia, e elas mesmas dirão: Os teus bons amigos te enganaram e prevaleceram contra ti; mas, agora que se atolaram os teus pés na lama, voltaram atrás. Assim, a todas as tuas mulheres e a teus filhos levarão aos caldeus, e tu não escaparás das suas mãos; antes, pela mão do rei da Babilônia serás preso; e por tua culpa esta cidade será queimada (Jr 38.22-23). Esse parece ser o quadro mais provável pintado pelo texto de Obadias. O fato é que, independente de qual das duas possibilidades esteja correta, ambas apontam para uma derrota completa de Edom seguida por um tratamento cruel que poria fim aos seus últimos sobreviventes.

De modo paralelo, a segunda frase do versículo repete a primeira, fornecendo cores adicionais. A primeira é mencionar os aliados como “os homens com quem você estabeleceu a paz” ― literalmente, “os homens da tua paz”. Essa expressão se refere a uma aliança político-militar ou um pacto de amizade,[3] de modo que, no texto, os “homens da tua aliança” são os mesmos “homens da tua paz”. Na sequência, é dito, em uma tradução literal, que eles “prevalecerão contra você”, apontando para a derrota que os antigos aliados infligiriam sobre os edomitas. Isso já ficou claro na primeira frase ao apontar o desterro do povo. Contudo, a paleta de cores aumenta quando o autor diz que os antigos aliados não apenas “derrotarão” o povo, mas também o “enganarão”. Certamente, tal plano seria efetivado com a ajuda do tratado de paz entre os povos, fazendo com que Edom confiasse no aliado ao recebê-lo sem reservas, seguido pela quebra do pacto, quando nenhuma defesa seria mais possível.

É claro que podemos olhar para Edom, nesse caso, como uma vítima injustiçada. Mas sua derrocada se devia, também, à arrogância e soberba que se apoiavam na geografia do país (lugares altos e quase inexpugnáveis), nas alianças militares e nos famosos “sábios” dentre os edomitas (cf. v.8; Jr 49.7). O fato é que seus homens sábios deviam saber que a confiança irrestrita nos parceiros comerciais e militares era perigosa. Não era uma novidade para eles. A quebra de acordos e tratados quando conveniente ou benéfico é bem atestada no mundo antigo. Os exemplos incluem a falha do Egito em fornecer as tropas necessárias aos reis cananeus durante o período de Amarna, além do rei da Babilônia, Nabonido, quebrar seu tratado com os medos para fazer um com os persas, a quem ele considerava uma ameaça maior.[4] Desse modo, apesar dos sábios de Edom, a tolice da confiança irrestrita foi o que lhes causou grande ruína. O tom de justiça irônica, presente em Obadias 7, é que Edom, conhecida por seus sábios, seria totalmente ignorante a respeito do esquema enganoso de seus aliados. A queda mencionada aqui pode ter ocorrido no final do 6º ou início do 5º século a.C., quando os nabateus foram aos edomitas, convidados por estes a participar de um banquete. Uma vez recebidos no território edomita, os nabateus se voltaram contra seu aliado e o atacaram.[5]

Apesar do caráter específico do juízo nesse texto, é certo que esse tipo de desventura não foi exclusiva daquele povo. Davi sentiu o mesmo fardo de ter amigos e aliados que traiçoeiramente se levantaram contra ele para lhe intentarem o mal: “Até o meu amigo íntimo, em quem eu confiava, que comia do meu pão, levantou contra mim o calcanhar” (Sl 41.9). O próprio Jesus citou esse versículo e o aplicou a si para se referir a Judas e à traição que este lhe impôs (Jo 13.18,26,27). A diferença é que Jesus conhecia de antemão seu traidor enquanto pessoas como Davi e como nós temos de nos valer da sabedoria que Deus nos dá por sua ação graciosa de nos ensinar e guiar. Por isso somos instruídos, como servos do Senhor, a sermos não apenas “símplices como as pombas”, mas também “prudentes como as serpentes” (Mt 10.16). Tal prudência inclui saber com quem andamos, sem estabelecer alianças estreitas com ímpios: “Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos; porquanto que sociedade pode haver entre a justiça e a iniquidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas? Que harmonia, entre Cristo e o Maligno? Ou que união, do crente com o incrédulo?” (2Co 6.14-15).

Se um dos riscos de alianças indevidas é a traição, o Novo Testamento aponta um perigo adicional que difere dos atos externos decorrentes de uma traição, na forma de perseguições, difamação ou ações maldosas. A ameaça adicional de confiar irrestritamente em pessoas que não servem a Deus está naquilo que isso causa dentro dos servos de Jesus, pelo que Paulo alerta: “Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes. Tornai-vos à sobriedade, como é justo, e não pequeis; porque alguns ainda não têm conhecimento de Deus; isto digo para vergonha vossa” (1Co 15.33-34). Não é possível não ouvir a mensagem presente nas Escrituras. Ela grita a nós: “Não sejam tolos. Não caiam na armadilha de Edom”.

Pr. Thomas Tronco


[1] Tan, Paul Lee. Encylopedia of 7,700 Illustrations: Signs of the Times (electronic ed.). Bible Communications, 1996, p. 991.

[2] Keil, C. F.; Delitzsch, F. Commentary on the Old Testament (electronic ed.). Peabody, MA: Hendrickson, 1996, vol. 10, p. 239.

[3] The NET Bible, First Edition. Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006 [Ob 7, nota 33].

[4] Matthews, V. H.; Chavalas, M. W.; Walton, J. H. The IVP Bible Background Commentary: Old Testament (electronic ed.). Downers Grove: InterVarsity Press, 2000, Ob 7.

[5] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B. The Bible Knowledge Commentary: Old Testament. Vol. 1. Colorado Springs: David C. Cook, 1983, p. 1456.

 

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