Terça, 23 de Abril de 2024
   
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Salmo 22 - Quando o Rei se Faz Servo

 

Recentemente, assisti ao filme 300, que conta a história real de uma parte da resistência grega à invasão medo-persa na Segunda Guerra Médica (século 5 a.C.). Por mais que o filme contenha cenas exageradas, a história é real. Em meados do ano 480 a.C., Leônidas I, rei de Esparta, liderou cerca de 7 mil soldados gregos, dos quais apenas trezentos eram espartanos, contra o inumerável exército de Xerxes I, também conhecido como Artaxerxes no livro de Esdras – apesar de alguns estudiosos o identificarem com o Assuero do livro de Ester. Não obstante o sucesso em repelir os ataques iniciais dos persas, a descoberta de um caminho que possibilitou ao exército de Xerxes cercar os gregos fez restar, na resistência final, apenas o rei Leônidas, seus trezentos soldados espartanos e alguns tebanos e tespienses que se recusaram a se retirar. O morticínio, obviamente, foi completo.

Mesmo com a derrota, essa história é um marco inspirador na história grega e – por que não? – na história da humanidade. O compromisso daqueles homens com seu país e sua obediência às leis foram tão impressionantes que fizeram jus aos dizeres do poeta Simônides de Ceos grafados em um monumento em homenagem aos trezentos: “Estrangeiro, vá contar aos espartanos que jazemos aqui em obediência às suas normas”. Entretanto, o que mais me impressiona é o fato de um rei, sem quaisquer chances reais de vitória, ter lutado e se sacrificado como um soldado comum. Não é sempre que vemos reis à frente dos seus soldados. Não é sempre que vemos reis servindo seu povo até o último suspiro de vida.

Felizmente, esse não é o único exemplo de um rei que se fez servo e deu a vida para defender seu povo. O Salmo 22 prenunciou atitudes reais de outro rei que se fez servo. Não me refiro a Davi, autor do salmo. É certo que ele escreveu a respeito da sua realidade no salmo em questão. Assim como em outros cânticos que compôs, ele apresenta a Deus sua situação de desespero (vv.1,2), sua confiança no Senhor (vv.3-5), a consciência da sua condição humana limitada (vv.6-8), sua dependência de Deus (vv.9-11), sua queixa contra a perseguição dos inimigos (vv.12-18), o clamor a Deus por livramento (vv.19-21) e a exaltação do Libertador (vv.22-31). Contudo, o Espírito Santo de Deus, autor último das Escrituras (2Tm 3.16; 2Pe 1.21), parece ter revelado, por meio de Davi, no seu salmo de clamor por socorro, realidades da vida e da obra de outro rei. O Novo Testamento mostra que tal rei, o Messias, mais ainda que o rei de Esparta, agiria como um servo para seu povo.

O salmo inicia com o primeiro traço da obra do Messias contido no texto que é o fato de que ele foi alvo do juízo divino em lugar dos pecadores. O v.1 diz: “Meu Deus, meu Deus, por que tu me abandonaste?” (’elî ’elî lamâ ‘azavtanî). Essas palavras foram ditas na cruz por Jesus, o Messias, por volta das três horas da tarde, ou seja, poucos minutos antes de morrer (Mt 27.46; Mc 15.34). A Bíblia explica que sua morte não foi um acidente de percurso ou um efeito colateral de um plano maltraçado. Jesus deliberadamente deu sua vida (Jo 10.18). O motivo foi salvar aqueles que creem em seu nome (Jo 3.16; 1Jo 3.16). Para isso, teve de trocar de lugar com aqueles que ia salvar assumindo sua condenação (1Pe 3.18 cf. Gl 3.13,14). Ele serviu seus amados dando a vida por eles e se tornando o objeto do juízo de Deus sobre os pecados dos eleitos. O v.16 completa: “Como faz um leão, perfuraram minhas mãos e meus pés” (ka’arî yaday weraglay). Diante de uma frase como essa, não é possível esquecer do que disse Isaías: “Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades” (Is 53.5).

O segundo traço da obra servil do Messias é que ele foi um homem de condição humilde e destituída de glória. O v.6 pinta um quadro nada glamoroso ao dizer: “Vergonha da humanidade e desprezado do povo” (herpat ’adam ûbezûy ‘am). O profeta Isaías, ao falar do Messias, a quem costuma chamar de “servo de Deus”, escreve, em um dos capítulos mais conhecidos do seu livro: “Não tinha aparência nem formosura; olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse. Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso” (Is 53.2,3). Ao contrário do que todos poderiam esperar, Jesus não exibiu externamente em seu corpo a glória da sua divindade. Foi um trabalhador braçal – um carpinteiro – até o início do seu ministério. As pessoas o olhavam e viam apenas uma pessoa simples, sem nada a ser honrado ou admirado.

Em terceiro lugar, ele foi zombado e tratado com desprezo. O v.7 traz uma cena que entristece nosso coração ao lembrar o que Jesus passou enquanto, pregado à cruz, aguardava a morte. O salmista escreveu: “Todos aqueles que me veem caçoam de mim” (kol-ro‘ay yali‘gû lî). É o retrato de uma turba zombando e se mostrando ao desprezado. O texto continua: “Eles meneiam a cabeça” (yanî‘û ro’sh). Trata-se não apenas de uma atitude irreverente e desrespeitosa, mas de uma demonstração maldosa de desprezo com a intenção de causar sofrimento e vergonha. O v.8 completa o quadro: “Recorra ao Senhor! Ele o livrará! Ele o salvará, pois se compraz nele!” (gol ’el-yehwâ yepalletehû yattsîlehû kî hapets bô). Longe de serem palavras de encorajamento, trata-se de pura zombaria contra alguém aparentemente indefeso. O que foi dito nos vv.7,8 se cumpriu literalmente, em meio a gargalhadas, durante a permanência de Jesus na cruz (Mt 27.39,43).

Em quarto lugar, Jesus foi perseguido na sua infância. Herodes, rei de Israel, ao saber do nascimento de Jesus, ordenou a morte de todas as crianças com menos de dois anos que viviam na cidade de Belém (Mt 2.1-12,16-18). Jesus teria sido vítima de tamanha crueldade se Deus, por meio de um anjo que apareceu a José, não tivesse tirado Jesus de Belém a tempo, enviando-o para a terra do Egito (Mt 2.13-15), o que o fez sofrer, ainda infante, o exílio da sua terra natal. Tal acontecimento se deixa prever nas palavras do salmista (v.9): “Conduziu-me em segurança no colo da minha mãe” (mavtîhî ‘al-shedê ’immî).

O quinto traço da obra de Jesus é que ele foi espoliado e seus bens foram repartidos. No v.18, escreve o salmista: “Eles repartem as minhas vestes entre si e jogam pela a minha túnica” (yehalleqû begaday lahem we‘al-lebûshî yaffîlû gôral), mais uma peculiaridade cumprida perfeitamente na crucificação por meio dos soldados romanos que, tomando as roupas de Jesus – os condenados eram crucificados nus –, fizeram exatamente o que o Salmo 22, escrito mais de mil anos antes, descreveu (Jo 19.23,24).

Jesus, Deus eterno (Jo 1.1), sabia que cada um desses fatores era necessário para o cumprimento do propósito de salvar seu povo, sua igreja. E assim o fez, com a atitude real de um servo – ou, com a atitude servil de um rei. Um rei que assumiu uma carga que não exigiu de seus súditos. Um rei que, apesar da glória, morreu para salvar e proteger seu povo de quem, mesmo ultrajado na cruz, não se envergonhou. Um rei que, em lugar de ser servido, serviu aos que ama.

Diante de tão grande desprendimento do rei Jesus, cabe agora à igreja, beneficiada por sua morte, manter viva a proclamação da mensagem do rei eterno, salvador dos que nele creem e confiam. Cabe também a ela manter o testemunho de vida compatível com a grandeza e a santidade do seu soberano, sem nunca se envergonhar dele ou do seu evangelho. E se o mundo, com sua falsa sabedoria e tola arrogância, quiser tirar da igreja suas convicções e responsabilidades, os súditos daquele que os salvou devem se unir e, com a coragem e a ousadia dadas pelo Espírito Santo, devem bradar o mesmo que está escrito sob uma estátua de Leônidas I, na Grécia, que é o registro em pedra do que respondeu ele à ordem persa de entregar suas armas: “Venham tomá-las!”.

Pr. Thomas Tronco

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