Quinta, 28 de Março de 2024
   
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Ageu 2.1-5 - Perseverança em Tempos de Desânimo

 

O segundo capítulo de Ageu nos coloca diante de um quadro bem diferente do início do livro, no qual os moradores de Judá, movidos por um egoísmo materialista e uma inércia de uma década e meia, não viam problemas em permanecer sem o templo do Senhor e a glória que ele representava. Entretanto, depois de exortados, eles se voltaram a Deus e reiniciaram a obra. O capítulo 2 surge quase um mês depois de os judeus se porem ao trabalho (v.1): “No vigésimo primeiro dia do sétimo mês, veio a palavra do Senhor por meio do profeta Ageu, dizendo”. Esse dia, o vigésimo primeiro de Tishri, coincidia com o sétimo dia da festa dos tabernáculos (Nm 29.12,32-34) e com o aniversário de 440 anos do término da primeira construção do templo pelo rei Salomão[1] — ele começou a reinar em 971 a.C. e iniciou as obras do templo no quarto ano do seu reinado (1Rs 6.1), em 967 a.C., levando 7 anos para concluí-lo, em 960 a.C., o undécimo ano de governo (1Rs 6.38).

Assim, o dia descrito no v.1, que no calendário moderno é 17 de outubro de 520 a.C., deveria ser um dia muito alegre e festivo, mas não foi. Ao contrário, foi ocasião de lembranças difíceis de encarar, de carestia em tempos que deveriam ser marcados pela abundância e da sensação de incapacidade e desânimo que poderiam novamente jogá-los na inércia na qual estiveram imersos nos últimos quinze anos. Os prospectos negativos dos anciões de Jerusalém com respeito ao resultado final da obra em comparação com o templo antigo (v.3) e a pouca comida que tinham a oferecer e com que se alegrar na festa que celebrava a colheita devem ter sido motivos de grande desânimo para o povo. O futuro parecia bastante difícil. As incertezas e temores se espalharam pelo coração do povo que teria pela frente uma jornada dura e longa. Talvez até já houvesse começado comentários como “nunca conseguiremos terminar essa obra com tão pouca gente”, “de que adiante construir um templo que não será nada comparado ao de Salomão?” ou “nós aqui nos esforçando e investindo nossos recursos enquanto nossos celeiros estão vazios”.

Por essa razão, o Senhor mais uma vez se dirigiu ao povo por meio de Ageu (v.2): “Fala agora a Zorobabel, filho de Sealtiel, governador de Judá, e ao sumo sacerdote Josué, filho de Jeozadaque, e ao restante do povo, dizendo”. Esse texto demonstra que a mensagem foi endereçada ao povo de Judá como um todo. Entretanto, há partes da mensagem que atingem melhor certos grupos. O teor desse discurso visava ao encorajamento diante do desânimo gerado por condições adversas durante o trabalho, diferente do primeiro que trazia repreensão erro, vergonha pelo fracasso e a necessidade de uma transformação total. Com a intenção de encorajar, o Senhor se dirige a dois grupos: os velhos demais para trabalhar, mas cujas palavras agiam tanto quanto os braços dos operários, e os mais jovens que tinham as condições e a responsabilidade de trabalhar diretamente na edificação do templo, mas que estavam passando por um momento de dificuldade e desânimo.

Assim, o primeiro grupo é o de anciões, os quais eram velhos demais para trabalhar por já estarem vivos antes de o templo ser destruído pelo exército de Nabucodonosor 67 anos antes. Tais homens tinham pelo menos algo em torno de 70 anos de idade. O grande problema é que, apesar de a maioria desses homens não estar envolvida diretamente na construção, suas palavras desanimadoras e pessimistas estavam abalando todo o grupo de trabalhadores. A eles Deus diz (v.3): “Quem há dentre vós, o remanescente, que viu esta casa em sua primeira glória? Como ela lhes parece agora? Acaso não é como se fosse nada diante dos vossos olhos?”. “Primeira glória” pode também ser traduzido e interpretado como “antiga glória”. A palavra traduzida como “nada” tem o sentido triste de uma nulidade como se não houvesse na construção qualquer traço de glória. É claro que não havia glória em uma construção abandonada ao nível dos seus alicerces, mas não é essa a questão. Desde que as fundações foram lançadas, os antigos moradores de Jerusalém — o grupo a quem é dirigido o v.3 —, que viram o templo construído por Salomão, já haviam se lançado ao choro antevendo o resultado final da obra, mostrando que sua tristeza não se devia ao presente, mas ao futuro.

O pessimismo não vinha do fato do o templo ainda não estar construído, mas de os anciões do povo acharem ser impossível fazer uma construção do mesmo tamanho, de não poderem contratar trabalhadores especializados de fora de Israel, nem tampouco forrar o interior do tempo com ouro (1Rs 6.21,22).[2] Por isso, apesar de o início de uma edificação trazer alegria e ânimo, os anciões de Judá acharam que seria impossível restabelecer a glória da primeira construção e, por isso, passaram a desprezar a segunda. Deve-se lembrar que quando esse sentimento surgiu uma década e meia antes, a obra foi abandonada e isso poderia se repetir agora. Uma nova onda de reclamações, lamentos e críticas contra a construção seria um grande risco à sua continuidade. Assim, tendo chamado a atenção de tais homens desanimados e desanimadores do povo — o fato de dizer que eles tinham o novo templo como “nada” era em si uma reprimenda convincente —, o Senhor lhes muda o ânimo por meio de promessas (vv.6-9) para lhes dar esperança e impedir que atrapalhassem a obra.

O segundo grupo que recebe a atenção e o encorajamento de Deus são os trabalhadores, desde os organizadores até os operários. A eles a ordem é bem clara: “Sê forte!” (v.4a): “Mas agora, sê forte, ó Zorobabel — declara o Senhor. E sê forte, ó sumo sacerdote Josué, filho de Jeozadaque. E sê forte, ó todo povo da terra — declara o Senhor”. Essa mesma ordem se repete no Antigo Testamento em circunstâncias em que o tamanho da obra supera a força do servo. Exemplos disso são Josué, na missão de substituir Moisés e introduzir Israel na terra da promessa (Dt 31.23; Js 1.6,9), e Salomão, na função real de dirigir a nação e de construir o templo (1Cr 22.13; 28.20). Os judeus tinham um novo desafio tão difícil quanto dos servos do passado com a diferença de contarem com muito menos gente que Josué e Salomão. Certamente, Deus sabia que eles precisavam desse encorajamento para serem fortes e não lhes negou isso.

Algo interessante de se notar nas ordens de ser forte ao longo do Antigo Testamento é que sua tônica nunca é “sê forte, pois tu és capaz”, mas “sê forte, pois o Senhor está contigo”. Aqui não é diferente (v.4b): “E trabalhai, pois eu estou convosco — declara o Senhor dos exércitos”. A presença de Deus com os judeus era a razão de se manterem fortes. Por isso, faz sentido a ordem de se empenharem no trabalho, o qual não é especificado literalmente, mas subentende-se ser especificamente o trabalho da reconstrução do templo.[3] Sem a ação soberana de Deus guiando, capacitando, provendo e protegendo, tais orientações teriam o mesmo peso de técnicas de autoajuda ou de discursos meramente retóricos. Longe disso, a certeza da presença e do auxílio de Deus vinha de duas fontes (v.5): “Esta é a aliança que fiz convosco quando saístes do Egito e o meu Espírito permanece entre vós. Não temais!’”. O v.5 contém um texto de difícil tradução, mas duas coisas ficam patentes: a aliança feita por Deus no passado e sua presença entre o povo no presente. Na aliança feita no Sinai e repetida na Transjordânia depois de quatro décadas, o Senhor se comprometeu a habitar no meio do povo e guiá-lo. Assim, a garantia da presença contínua do Senhor e seu espírito com eles era o cumprimento do pacto feito com a nação no êxodo.[4] Como a palavra que o Senhor empenha não falha e sua presença declarada por Ageu comprovava isso, o povo podia se fortalecer, se dedicar ao trabalho e abandonar os temores.

A igreja também conhece esse encorajamento produzido pela presença do nosso Senhor. Em situações aterrorizantes como uma tempestade se abatendo sobre um barquinho, a presença de Jesus conferiu coragem e determinação e, ao mesmo tempo, reduziu o medo, simplesmente dizendo: “Coragem! Sou eu! Não tenham medo!” (Mc 6.50).[5] Fora do barquinho galileu, Jesus Cristo diz à igreja: “E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mt 28.20b). É claro que para essa verdade nos tocar tão profundamente quanto é necessário, é preciso que os desanimadores do povo de Deus se calem. Não me refiro a gente de fora da igreja, mas de dentro. Murmuradores, pessimistas e críticos mal-humorados tiram a coragem do restante do corpo de Cristo e os ajuda e se tornarem letárgicos. Não obstante, Jesus, além de garantir sua presença para nos encorajar, também anunciou a presença do Espírito de Deus entre os seus: “Quando vier o Conselheiro, que eu enviarei a vocês da parte do Pai, o Espírito da verdade que provém do Pai, ele testemunhará a meu respeito. E vocês também testemunharão, pois estão comigo desde o princípio” (Jo 15.26,27). Quão importante e significativa é a presença do Senhor amoroso e soberano conosco! Por isso, também podemos hoje, em tempos de dificuldades e desânimo, atender à ordem: “Sê forte e trabalhai, pois eu estou convosco”.

Pr. Thomas Tronco


[1] The NET Bible. First Edition. Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006 [Ag 2.1].

[2] Baldwin, J. G. Ageu, Zacarias e Malaquias: Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 36.

[3] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Haggai. UBS Handbook Series. Nova York: United Bible Societies, 2002, p. 35.

[4] Kirkpatrick, A. F. The Doctrine of the Prophets. Londres: MacMillan and Co., 1909, p. 423.

[5] Baldwin, J. G., p. 37.

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