Sexta, 19 de Abril de 2024
   
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Salmo 137 - Resistindo às Pressões do Mundo

 

Um experimento laboratorial constatou algo impressionante sobre os sapos. Como eles não têm uma temperatura corporal definida, mas sim flutuante, conforme o ambiente, eles correm um grande risco. Descobriu-se que um sapo imerso em uma água sendo aquecida a 36 milésimos de grau por segundo, na escala Fahrenheit, não é capaz de notar esse aumento de temperatura. Nessa taxa de aquecimento, o sapo estará em uma água perigosamente quente sem perceber o risco que corre. Quando chega a perceber, já é tarde demais para tentar escapar e ele, inevitavelmente, morre na água fervente. Essa experiência científica há muito serve de ilustração sobre o modo como a tentação e as pressões do mundo atingem os crentes. Longe de sucumbirem às grandes tentações logo de cara, os servos de Deus passam a se acostumar com pequenos desvios, um de cada vez, e vão se tornando insensíveis até o ponto de cometerem loucuras das quais fugiram a princípio.

O Salmo 137 mostra que o povo de Israel foi submetido a uma situação assim quando estava exilado de suas terras. Cativos na Babilônia (v.1), eles foram tentados a esquecer e desprezar sua pátria e as esperanças de vê-la restaurada e reabilitada pela fidelidade de Deus no cumprimento das suas promessas. O tom saudosista do salmo (vv.4,5) indica que ele foi escrito um bom tempo depois do início do exílio (605 a.C.) — alguns comentaristas sugerem que sua composição se deu próximo do final do cativeiro babilônico (539 a.C.). A fim de preservar a fidelidade a Deus, sua identidade nacional e as esperanças de retornar à terra da promessa, vendo se cumprir tudo que o Senhor anteviu, o salmista assume uma postura de resistência às pressões. Para isso, ele leva adiante três ações que o tornaram constante diante da tristeza e da decepção do momento.

A primeira ação foi lamentar a condição adversa (vv.1-3). Em situações ruins, um mecanismo de defesa que as pessoas possuem é a aceitação. Normalmente, é preciso se conformar com as contingências da vida e esperar um futuro melhor. Entretanto, quando as contingências são frutos de erro, aceitar e se conformar com as consequências é o mesmo que aceitar o próprio erro. Esse era o caso dos israelitas, pois estavam exilados por causa do próprio pecado. Eles não podiam culpar ninguém, além deles mesmos. Por isso, olhar para o exílio e não lamentar significava relevar o pecado que cometeram e deixar de buscar a restauração. Mas o salmista e seus pares não agiram desse modo. Eles lamentaram sua condição olhando para a pátria com saudades (v.1): “Ali, ao lado dos rios da Babilônia, nós nos sentamos e choramos ao lembrar de Sião” (‘al naharôt babel sham yashavnû gam-bakînû bezokrenû ’et-tsîyôn). Diante disso, vê-se que para tais judeus a ideia de se tornarem babilônicos não era aceitável, nem aprazível. Seu desejo era nunca ter deixado Israel e o fato de ter acontecido exatamente isso era, para eles, motivo de tristeza.

Surpreendentemente, a iniciativa do povo da Babilônia era no sentido oposto. Em vez de fazerem os judeus sofrer como escravos indesejados em sua terra, os babilônicos os convidavam a se alegrar (v.3): “Pois ali os nossos captores nos pediram para entoar canções e os nossos opressões, para sermos alegres, dizendo: ‘Cantai para nós um dos cânticos de Sião’” (kî sham she’elûnû shôvênû divrê-shir wetôlalênû simhâ lanû mishîr tsîyôn). Isso, obviamente, pode ser visto como uma afronta humilhante da parte dos opressores. Entretanto, a negativa dos israelitas e suas razões (vv.2,4) demonstram que eles não estavam sendo obrigados a isso, mas, sim, incentivados. Parece que a ideia era que eles aceitassem sua condição e se alegrassem nela. “Adaptação” seria a palavra chave nessa situação, principalmente depois de tanto tempo de cativeiro. É como se os babilônicos lhes dissessem: “Não está na hora de se conformar e de tocar a vida? Não está na hora de ser feliz longe da sua terra?”. A sugestão era bastante tentadora, mas o salmista e seus irmãos a rejeitaram. Em vez de cantarem alegremente, eles deixaram de lado seus instrumentos musicais para manter seu lamento (v.2): “Nós penduramos nossas harpas nos salgueiros que há entre eles” (‘al-‘aravîm betôkah talînû kinnorôtênû). Essa ação expressa não apenas o desejo de não se satisfazer com o fruto do erro e do pecado, como também de demonstrar publicamente o lamento e o anseio de retornar à situação original.

A segunda ação foi resistir às pressões do mundo (vv.4-6). Diante das sugestões que, aos olhos humanos, pareciam boas e agradáveis, o salmista mantém os princípios da separação do mundo e da santidade do nome do Senhor (v.4): “Como entoaríamos o cântico do Senhor sobre solo estrangeiro?” (‘êk nashîr ’et-shîr-yhwh ‘al ’admat nokar). Assim, os cantos que serviam para cultuar a Deus no Templo, em Jerusalém, jamais seriam tratados com descaso, nem serviriam para promover a desonra do nome do Senhor. É claro que a vida seria bem mais fácil para eles se sucumbissem à pressão de aceitar sua condição e de tirar proveito dela. Mas tal ideia é tão inaceitável que o salmista roga uma maldição sobre si caso se deixe levar pelo mundo colocando de lado a esperança de retornar a Jerusalém (v.5): “Que minha mão direita fique esquecida se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém” (’im-’eshkahek yerûshalaim tishkah yemînî). A mão ficar esquecida é o mesmo que ficar aleijada, sem movimentos, inútil. Não satisfeito, o escritor afirma que sua alegria só poderia vir de Jerusalém e de tudo que a cidade representava em termos de adoração a Deus e de esperança futura (v.6): “Que a minha língua fique presa no céu da boca se eu não me lembrar de ti e se eu não elevar Jerusalém ao patamar de ‘minha alegria suprema’” (tidbaq-leshônî lehikkî ’im-lo’ ’ezkerekî ’im-lo’ ’a‘aleh ’et- yerûshalaim ‘al ro’sh simhatî). Não importa quanto tempo tenha se passado, nem quanto o mundo o tenha convidado a se acomodar em seu meio: os valores do Deus eterno prevalecem para seus servos.

A última ação foi esperar a justiça de Deus (vv.7-9). A última seção do salmo é bastante dura e de natureza imprecatória (para mais informações e aplicações desse tipo de linguagem, consultar o comentário do Salmo 109). O salmista clama por punição para seus captores e para quem os auxiliou e se alegrou com a queda de Jerusalém e da nação. Entretanto, o clamor por punição dos inimigos é, ao mesmo tempo, o rogo pelo restabelecimento de Israel. Assim, a ampla justiça de Deus — juízo do pecador e justificação do servo — é o objetivo do salmista nos versículos finais do salmo. É perceptível sua confiança em Deus para a reversão da situação e para o tratamento do mal. O primeiro alvo do julgamento divino, nas palavras do escritor, é Edom. Os edomitas, descendentes de Esaú e, por isso, aparentados dos israelitas, rebelaram-se e se alegraram com os sofrimentos dos seus parentes desde os dias do profeta Obadias e do rei Jeorão (2Rs 8.20-22; Ob 10). Nos dias da queda de Jerusalém, não foi diferente (v.7): “Lembra-te, ó Senhor, dos filhos de Edom no dia [em que caiu] Jerusalém, quando disseram: ‘Desnudai-a, desnudai-a até [chegar] aos seus fundamentos” (zekor yhwh livnê ’edôm ’et yôm yerûshalaim ha’omrîm ‘arû ‘arû ‘ad haysôd bah).

O outro alvo é a própria Babilônia, cuja queda o salmista considera garantida e iminente (v.8): “Ó filha da Babilônia que está prestes a ser destruída: feliz aquele que retribuir a ti o que tu mereces pelo que fizeste a nós” (bat-babel hashdûdâ ’ashrê sheyshallem-lak ’et-gemûlek sheggamalt lanû). A linguagem usada nesse texto é interessante e traz a ideia de que a Babilônia foi instrumento da punição do pecado de Israel e que, de modo semelhante, provaria do mesmo remédio. Entretanto, sobre ela o escritor prevê cair a mão punitiva do Senhor em um grau avassalador que não pouparia ninguém (v.9): “Feliz aquele que segurar e despedaçar as tuas crianças contra a rocha” (’ashrê sheyyo’hez weniffets ’et-‘olalayik ’el-hassala‘). Apesar das palavras duras, o salmista certamente tem em mente a associação profética entre a punição das nações e a restauração de Israel (Ob 15-17; Jl 3.1-3; Zc 14.1-8), pondo sua esperança no dia da justiça de Deus.

Não é coincidência a grande semelhança entre o clamor da Babilônia aos israelitas cativos e o clamor do mundo àqueles que creem em Cristo. O mundo perdido também convida cada servo de Deus a se adaptar ao mundanismo, a trivializar a adoração divina e a buscar alegria nos caminhos distantes do Senhor. E o pior de tudo é que isso muitas vezes acontece, tornando os servos de Deus muito parecidos com os perdidos. Por isso, nós também temos de lamentar o fato de sermos pecadores e de nos afastarmos dos santos caminhos do Senhor (1Co 5.2; 1Tm 1.15). Somos encorajados a resistir bravamente ao mundo e ao diabo para não tomarmos a forma do que é mau e perverso (Rm 12.1,2; Hb 12.4; Tg 4.7). E somos ensinados, pelas Escrituras, a aguardar a vinda do Senhor para julgar o mundo e nos dar a vida eterna (Dn 12.2; Mt 25.31-46). Algo do que não restam dúvidas é quanto à tristeza presente e ao lamento pelo pecado: eles se tornam alegria na presença do nosso Senhor, o salvador Jesus Cristo: “Afligi-vos, lamentai e chorai. Converta-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria, em tristeza. Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará” (Tg 4.8-10).

Pr. Thomas Tronco

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