Sexta, 29 de Março de 2024
   
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Salmo 101 - Os Votos e os Propósitos do Servo de Deus

 

No mundo antigo, o Egito sempre se destacou como potência política e militar. Entre seus temíveis exércitos, houve um grupo de destaque na cidade de Tebas, chamada no Antigo Testamento pelo seu nome egípcio Nô-Amom (Jr 46.25; Ez 30.14-16; Na 3.8). Esse grupo, formado por 3 mil soldados, aterrorizava qualquer inimigo que tivesse de enfrentá-lo. A razão disso é que esses soldados fizeram um juramento de amizade perpétua que previa que eles permaneceriam juntos, em uma batalha, até que a última gota de sangue fosse derramada em terra. Ninguém fugia, nem abandonava seus companheiros. Isso fazia toda diferença em tempos quando a guerra era corporal e na qual a coragem, a determinação e a fidelidade eram armas tão importantes quanto espadas e escudos. A devoção desses homens por seu país e a fidelidade que mantinham uns pelos outros lhes renderam o título de “o batalhão sagrado”.

O Salmo 101 também trata de um voto que transforma quem o faz em uma pessoa melhor e em alguém confiável e fiel. Seu título deixa clara a autoria: “Cântico de Davi” (ledawid mizmôr). O que não fica clara é a ocasião em que o salmo foi composto, apesar de ser nítido que seu compositor já vivia na função de rei – o salmista demonstra ter poder para executar juízo (vv.5,8) e ter gente a seu serviço (v.6). Outra indicação é que o local do trono parece ser Jerusalém e não Hebrom – é muito forte essa sugestão a partir da menção da “cidade do Senhor” (v.8). O início do reinado de Davi em Jerusalém (1004 a.C.) – depois de reinar sete anos em Hebrom – parece ser uma data compatível com a mensagem desse salmo, já que nele aparecem os propósitos e os votos do salmista de agir como um líder fiel a Deus na sua inteira dependência. Desse modo, o rei Davi, desejoso de servir o Senhor, faz-lhe seis votos.

O primeiro voto de Davi ao Senhor é encarecer a retidão do caráter divino (v.1). Ele inicia seu canto com uma frase que é possível traduzir interpretando os verbos no tempo futuro – seguindo a Septuaginta. Entretanto, seria injusto com o salmista imaginá-lo fazendo afirmações arrogantes sobre um futuro que ele não controla – já que não é assim que ele coloca a questão. Usando, no início do salmo, um modo verbal chamado “coortativo” – que tem a função de um imperativo da primeira pessoa –, ele demonstra seus propósitos, ou seja, aquilo que ele deseja fazer e que, diante de Deus, assume como objetivo a ser buscado: “Que eu cante a lealdade e a fidelidade! Que eu faça músicas para ti, ó Senhor!” (hesed-ûmishpat ’ashîrâ leka yehwâ ’azammerâ). O que parece, a princípio, apenas um ato de louvor, assume um novo caráter quando exposto ao restante do salmo. A primeira palavra, “lealdade” ou “amor leal” (hesed), aponta para a fidelidade de Deus para o compromisso assumido com seus servos, com quem entrou em aliança, e com seu povo que escolheu e lhe designou o futuro. A segunda palavra, “juízo” ou “decisão justa” (mishpat), expressa o desalinho de Deus com tudo o que é mau, além da sua iniciativa de punir o erro e promover o bem. Como era exatamente esse o modo de proceder que Davi queria, cantar tais valores do caráter divino era mantê-los diante de si para que os imitasse, além de transmitir e ensiná-los ao povo de Israel.

O segundo voto de Davi é seguir o caminho da perfeição (v.2). O rei coloca diante de Deus mais um propósito: “Que eu preste atenção ao caminho da integridade” (’askîlâ bederek tamîd). “Integridade” ou “inteireza” contêm a ideia de ser cheio do bem e de buscar a perfeição. É claro que Davi não se via como uma pessoa perfeita. Por esse motivo, introduz uma frase parentética na qual expressa sua dependência de Deus para tanto: “Quando tu virás a mim?” (matay tavô’ ’elay). Essa pergunta equivale a dizer “por favor, dá-me forças para isso”. Com tal dependência em mente, Davi muda o modo dos seus verbos do coortativo para o tempo futuro e, confiado no auxílio divino e sem parecer arrogante, diz: “Procederei com coração reto no interior da minha casa” (’ethallek betam-levavî beqerev bêtî). O que ele tinha em mente não era um modo público de proceder a fim de mostrar algo aos outros. A perfeição que tinha em mente começava em sua vida particular, dentro da própria casa, onde o público não o via.

Seu terceiro voto é manter a separação daquilo que é mau (vv.3,4). Os votos do rei não eram palavras vazias, mas propósitos que teriam implicações práticas (v.3): “Não porei diante dos meus olhos coisa alguma que seja perversa” (lo’-’ashît leneged ‘ênay devar-belîya‘al). Esse é um voto de ser criterioso e de não fazer “vistas grossas” a coisas que são ruins ou cuja maldade é camuflada por desculpas ou racionalizações ilegítimas. Ele não se beneficiaria de nenhum fruto de injustiças. Também não aprovaria aqueles que agem assim, nem se associaria com eles: “Eu odeio o agir dos perversos. Isso não terá ligação comigo” (‘asoh-setîm sane’tî lo’ yidbaq bî). Gramaticalmente, não é fácil definir se Davi está falando da ligação com os perversos, ou com o agir dos perversos. Na prática, o efeito é o mesmo: ele não compactuaria nem participaria da maldade dos homens vis. Essa era a razão pela qual as pessoas que agissem de modo injusto e indecente se afastariam dele (v.4): “[A pessoa de] coração depravado se desviará de mim. Eu não conviverei com o mal” (levav ‘iqqesh yasûr mimmennî ra‘ lo’ ’eda‘).

O quarto voto é atuar na supressão da injustiça (v.5). A perfeição não seria buscada apenas na vida privada de Davi, mas também naquilo que estava a seu alcance e que era da sua responsabilidade. Como rei, uma das suas obrigações era conter o mal. Por isso, ele diz: “Eu farei calar aquele que ocultamente calunia o seu próximo” (melashnî bassater re‘ehû ’ôtô ’atsmît). Acusações mentirosas não seriam acolhidas nem validadas no tribunal dirigido pelo rei. Antes, Davi trabalharia para calar tais difamações mostrando que ações assim não teriam lugar em Israel. Diferente das cortes reais do resto do mundo, ele também não abriria espaço para soberba e arrogância: “Eu não tolerarei olhos altivos, nem coração arrogante” (gevah-‘ênayim ûrehav levav ’otô lo’ ’ûkal). Deve-se notar que essa intenção não visa somente a controlar o modo de os homens se portarem ou de verem a si mesmos, mas as atuações decorrentes disso – a quem arrogantemente se acha melhor que os outros, concede-se o direito de subjugar e explorar os mais fracos. O voto do rei previa a supressão de todo tipo de injustiça.

O quinto voto é buscar a convivência com pessoas justas. É normal que um rei seja cercado por muita gente, mas Davi seria criterioso também em suas companhias (v.6): “[Dirigirei] os meus olhos aos fiéis da terra para que habitem comigo. Aqueles que andam no caminho da integridade estarão a meu serviço” (‘ênay bene’emnê-’erets lashevet ‘immadî holek bederek tamîm hû’ yeshortenî). Motivos torpes não seriam o critério de contratação dos seus servos, nem na escolha dos seus amigos. Ele procuraria conviver com gente que fosse compatível com sua fé no Senhor e com seu desejo de buscar um caráter fiel. Pela mesma razão, as más companhias seriam repelidas (v.7): “O que pratica a trapaça não permanecerá no interior da minha casa. O que diz falsidades não permanecerá diante dos meus olhos” (lo’-yeshev beqerev bêtî ‘oseh remîyâ dover sheqarîm lo’-yikkôn leneged ‘ênay). A importância desse voto é que é muito fácil se deixar levar por pessoas com quem convivemos muito tempo e que nos fazem admirá-las, mesmo sem ser por causa das suas qualidades. A convivência íntima com homens injustos poderia afetar a busca da perfeição por parte do rei de Israel, além de fazê-lo condescender com o que é errado e repreensível.

O último voto do rei a Deus é perseverar no cumprimento dos seus propósitos. O versículo final renova a intenção de perseguir e suprimir a injustiça. Contudo, um novo elemento é introduzido gerando a ideia de continuidade da ação e da perseverança dos propósitos (v.8): “A cada manhã eu reprimirei todos os ímpios da terra a fim de arrancar da cidade do Senhor todos os que praticam a iniquidade” (lavveqarîm ’atsmît kol-rish‘ê-arets lehakrît me‘îr-yehwâ kol-po‘alê ’awen). A expressão “a cada manhã” expressa a intenção de manter uma luta constante, sem se deixar desanimar nem mesmo nos momentos mais difíceis em que haja um custo alto por ser fiel a Deus. Nem tampouco mudar de propósitos durante a vida buscando adaptação a situações mais vantajosas em que a honestidade e o bom caráter sejam empecilhos. Manhã após manhã todos esses votos deviam ser relembrados e renovados a fim de tornar Davi – e qualquer outro que queira servir ao Deus santo – um servo digno do seu Senhor.

Acredito que nós, igreja de Deus do século 21, precisamos relembrar e renovar nossos votos a Deus. Se nunca os fizemos, devemos, então, formulá-los e expô-los ao nosso Deus de modo a buscar o bem, a justiça, a perfeição e o bom testemunho do nome do nosso Senhor Jesus Cristo. Chega de compactuar com o sistema mundano! Chega de tolerar o pecado! Basta de desculpas para não nos afastarmos do estilo de vida corrompido da atualidade! Nossa fidelidade deve ser dirigida ao nosso Senhor e não aos nossos impulsos carnais. Nosso caráter deve ser moldado por aquele que tem o caráter perfeito e reto. E nossa luta deve ser a cada dia nos parecermos mais com nosso Redentor. Sigamos o exemplo do rei que, na dependência de Deus, fez votos de fidelidade e obediência. Que essa seja nossa oração em cada manhã, completada pela declaração de submissão e de clamor por auxílio: “Quando tu virás a nós?”.

Pr. Thomas Tronco

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