Quinta, 28 de Março de 2024
   
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Ageu 1.12-15 - Como Reagir a uma Exortação

 

A repreensão de Ageu ao povo de Jerusalém foi severa, não por causa de palavras duras, mas em decorrência da dura realidade que eles estavam enfrentando ao serem disciplinados por Deus com seca e carestia. Entretanto, não é sempre que a consequências de um erro são suficientes para desencorajar seu abandono. Nesse caso, felizmente, as consequências negativas, interpretadas pelas palavras do profeta, foram o bastante e uma mudança diametral se deu no meio de Judá. Essa seção se inicia com uma frase que pode surpreender os leitores do Antigo Testamento tão acostumados com as respostas negativas às palavras de Deus e dos seus profetas (v.12): “Então, Zorobabel, filho de Sealtiel, e o sumo sacerdote Josué, filho de Jeozadaque, e todo o restante do povo deram ouvidos à voz do Senhor, seu Deus, e às palavras do profeta Ageu conforme lhe ordenou o Senhor, seu Deus. Assim, o povo temeu diante do Senhor”. Apesar de simples, essa frase contém muitos significados importantes.

O primeiro deles é que a palavra hebraica para “restante” (she’erît) é usada de pelos profetas como designação teológica dos sobreviventes de Israel que continuam a história depois de o Senhor os ter abatido por meio da Assíria e da Babilônia,[1] um povo de número bastante reduzido se comparado com o que havia antes do exílio e com a população trasladada para a Mesopotâmia.[2] Assim, o texto não aponta apenas a totalidade de uma população, mas para um grupo personalizado, com sua história marcada por sofrimento, mortes e exílio, que tinha agora uma nova chance de fazer o que era certo perante seu Deus. Por isso, pode-se perceber que essa reação unânime foi mais que o efeito a um comando eficaz. Tratou-se da decisão coletiva de pessoas arrependidas de seus erros e desejosas que viver as bênçãos vindas do Senhor amoroso que os dirigia. O segundo é a repetição da expressão “seu Deus” ou “o Deus deles” (’elohêhem) — duas vezes no v.12 e uma vez no v.14. Apesar de parecer uma referência óbvia para a Israel, os israelitas rebeldes do passado, desejosos de seguir seus próprios caminhos e não os do Senhor, negaram-se a se arrepender e o Senhor os nomeou Lo-Ami (Os 1.9) — “não é meu povo” —, e anunciou sua rejeição irrevogável que redundaria em juízo e exílio (Jr 15.1). A repetição aqui de “seu Deus” marca indubitavelmente o sentido oposto do tratamento passado do Senhor para com o povo.

Feitas essas observações, é possível notar três atitudes positivas, dignas de servos verdadeiros, presentes na reação dos judeus à exortação de Ageu. A primeira é descrita na ação “deram ouvidos”. O sentido disso é mais que a ação de apenas escutar uma pessoa dizer algo, mas de desenvolver uma verdadeira obediência que, nesse caso, é marcada pela unanimidade: “todo o restante do povo”. O texto também não deixa dúvidas sobre quem eles obedeceram, dizendo claramente: “à voz do Senhor”. E isso não é tudo, pois eles também deram ouvidos “às palavras do profeta Ageu”. Em outras ocasiões, os profetas eram ouvidos e recebiam aprovação apenas de um pequeno grupo dentre a nação, enquanto eram rejeitados e perseguidos pelos demais. Entretanto, a sujeição obediente dos judeus ao Senhor foi tão marcante e sincera que vemos o profeta Ageu receber reconhecimento de todos como um enviado do Senhor.[3] A segunda reação à exortação encerra o v.12 e é descrita como temor: “o povo temeu diante do Senhor”. Apesar de parecer se tratar de uma consequência natural à atitude obediente — ou sua própria causadora, por medo de o juízo prosseguir —, ela traz uma ideia solene e reverente de adoração ao Deus supremo e soberano. Isso fica claro ao fazerem-no na presença de Deus ou “diante do Senhor”. O povo entendeu seu erro e seu afastamento de Deus e corrigiu completa e profundamente o que o desagradava.

Cronologicamente, o v.12 é seguido dos vv.14,15, de modo que o v.13 é uma digressão ou uma prévia do que virá no capítulo seguinte. Apesar de não haver qualquer prejuízo em se aguardar alguns versículos para registrar seu segundo discurso, parece que Ageu não quis, contudo, deixar escapar a pronta resposta de Deus diante do arrependimento e da resposta positiva do povo à exortação (v.13): “Então, Ageu, o enviado do Senhor, transmitiu ao povo a mensagem do Senhor: ‘Eu estou convosco’, declara o Senhor”. Esse resumo da segunda mensagem do profeta (Ag 2.1-9) está contido em Ag 2.4 e foi pronunciado três semanas após o reinício das obras (vv.14,15 cf. 2.1) — não se pode descartar, contudo, a possibilidade de ser esse, apesar de curto, o segundo pronunciamento de Ageu, enquanto o de Ag 2.1-9 seria o terceiro, o que não é muito defendido. Independente da data do discurso, o fato é que o Senhor se agradou da obediência e do temor demonstrado pelo povo e voltou a se relacionar com eles sendo “seu Deus”, depois de sarcasticamente os chamar de “este povo” quando os repreendeu no início do livro (v.2).[4]

O v.14 traz mais uma das reações dos judeus de Jerusalém à exortação de Ageu, mas não sem antes apresentar um vislumbre da soberania graciosa de Deus por trás dos atos corretos e honrados dos seus servos (v.14): “Assim, o Senhor impeliu o espírito de Zorobabel, filho de Sealtiel, governador de Judá, e o espírito do sumo sacerdote Josué, filho de Jeozadaque, e o espírito de todo o restante do povo, de modo que eles vieram e se dedicaram ao trabalho na casa do Senhor dos exércitos, seu Deus”. A atuação silenciosa do Senhor de impelir o espírito do povo todo,[5] desde os líderes até os menores da nação, surge como fator transformador do coração e do “espírito” daqueles homens. Entretanto, de um modo comovente, Deus não tira o valor das ações dos servos, ainda que ele mesmo as tenha impelido. Ao contrário, ele se mostra satisfeito e disposto a abençoá-los (v.13) por sua obediência e temor (v.12) e pela terceira reação diante da exortação, o trabalho, já que é dito que “eles vieram e se dedicaram ao trabalho”. A apatia e o comodismo dentro dos lares confortáveis foram abandonadas e as pessoas foram ao templo, pondo-se a trabalhar com empenho e convicção. A repetição da formula que engloba todo o povo e da expressão “seu Deus” põe em evidência o tamanho do movimento iniciado em Jerusalém e até o ânimo decidido e unânime dos participantes da obra da casa do Senhor dos exércitos.

O último versículo do capítulo registra a data do reinício da construção do templo (v.15): “No vigésimo quarto dia do sexto mês do segundo ano do rei Dario”. Como o primeiro discurso de Ageu teve lugar 23 dias antes da retomada da obra, há quem considere esse prazo um tempo alongado que eventualmente refletiria a incerteza do povo em mudar de atitude e em se envolver no trabalho. Contudo, dado os enormes planejamentos, preparativos e organização logística para um empreendimento desse porte, principalmente quando era justamente a época da colheita,[6] tais dias devem ser encarados como um período breve que demonstra determinação, prontidão, compromisso e abnegação. Eles poderiam ter adiado a retomada da obra ou encontrado desculpas — algumas certamente muito boas — para continuar sem um templo. O fato de não o fazerem revela que a obediência, o temor e o trabalho não eram fruto de interesses pessoais, mas de uma grande contrição e transformação impelida pelo próprio Deus soberano e glorioso.

A igreja de hoje precisa, sob a graça e a atuação do soberano Senhor, imitar as reações dos judeus dos dias de Ageu diante das exortações bíblicas. Em lugar disso, o que se testemunha são ações como desobediência e desvalorização das Escrituras, abertura para filosofias, doutrinas e práticas agradáveis aos perdidos e àqueles que se enamoram do sistema mundano, relutância diante do dever de exercer a disciplina eclesiástica, amor ao dinheiro, status e poder, perda da identidade de um povo santo e separado ao Senhor e rejeição e rotulação de pastores e líderes bíblicos que exortam segundo o Senhor ordena. Talvez também precisemos da repreensão de Deus como dada a Judá seguida da ação de impelir o nosso espírito. Como tais atitudes cabem à exclusiva vontade, plano e domínio de Deus, a parte que cabe à igreja de Cristo é, com coração contrito e sincero, ouvir as palavras do Senhor e se dedicar a obedecer, temer e trabalhar para o “seu Deus”.

Pr. Thomas Tronco


[1] Schökel, Luiz Alonso. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo: Paulus, 1997, p. 652 (Is 46.3; Jr 42.15; Mq 4.7; 7.18; Am 5.15; Sf 2.7; Zc 8.6).

[2] Williams, P. Opening up Haggai. Opening Up Commentary. Leominster: Day One Publications, 2008, p. 36-37.

[3] Taylor, R. A.; Clendenen, E. R. 2004. Haggai, Malachi. The New American Commentary. Vol. 21A. Nashville: Broadman & Holman Publishers, 2004, p. 138.

[4] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 780.

[5] Baldwin, J. G. Ageu, Zacarias e Malaquias: Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 33.

[6] Clark, D. J.; Hatton, H. A Handbook on Haggai. UBS Handbook Series. Nova York: United Bible Societies, 2002, p. 31.

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