Terça, 30 de Abril de 2024
   
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A Teologia do Espaço

Pastoral

O título deste artigo pode sugerir que vou falar sobre a hipótese de Deus ter criado vida inteligente em outros planetas. Não se enganem. Nem de longe quero escrever sobre isso. Pra mim esse é um assunto bobo – uma espécie de superstição com ares futuristas, sem o cheiro da roça que geralmente distingue as superstições comuns. Além disso, quando vejo um “ufólogo” falando na TV penso que não existe muita vida inteligente nem mesmo neste planeta. Pra que, então, perder tempo com essas coisas?

Quando uso a expressão “teologia do espaço” refiro-me à relação entre Deus e o campo tridimensional (altura, largura e profundidade) em que vivemos. Assim, o título deste artigo designa um grupo de verdades ligadas ao modo como Deus lida com a extensão que nos rodeia e na qual toda a criação está inserida. É, pois, uma “teologia do lugar”, sobre a qual li pela primeira vez num livro de N. T. Wright e que despertou meu interesse, embora o modo como Wright a apresenta não tenha me convencido totalmente.

A meu ver, a construção de uma teologia sob esse título deve partir da afirmação de que Deus é o criador do espaço e, por isso, é também senhor dele. Temos, pois, de lembrar que não somente a matéria veio à existência por um ato criador divino (Hb 11.3), mas também, e necessariamente, o espaço que essa matéria ocupa em suas variadas formas.

Ora, uma teologia do espaço que parte da noção de Deus como seu criador tem notáveis implicações práticas e é sob essa perspectiva que quero prosseguir neste texto. De fato, se o espaço foi criado por Deus e a ele pertence, algumas questões práticas podem ser levantadas. Por exemplo: sendo Deus o senhor do espaço, como o crente deve preenchê-lo? Outra questão: se o Criador é dono não somente das coisas, mas do espaço que as coisas ocupam, que grau de apego o cristão deve ter ao lugar que possui e em que vive? E mais: se o espaço é parte da criação e um dia a criação será redimida, como o crente pode hoje mesmo resgatar o espaço, fazendo o Reino vindouro ser percebido desde já também nesse aspecto?

Deixem-me sugerir algumas respostas. No tocante à primeira pergunta, creio que o crente deve santificar todo espaço a que tem acesso e sobre o qual tem algum grau de autoridade ou influência. Por favor, entendam bem! Isso não significa dizer “tá amarrado” toda vez que a gente chega num lugar. Tampouco significa fazer orações ou cultos para consagrar casas, salas ou igrejas. Tudo isso não passa de superstição evangélica! Quando falo sobre santificar o espaço, refiro-me a usá-lo de modo agradável a Deus, deixando-o livre de tudo que o desonre e fazendo de cada lugar que ocupamos ou possuímos um ambiente em que Cristo seja glorificado.

Está fora de dúvida que, sendo Deus o senhor do espaço, o crente não pode permitir que o ambiente que ocupa — e sobre o qual tem alguma parcela de poder — seja usado como abrigo de malfeitores ou mesmo como sede de apoio para a prática da impureza, da mentira, da fraude, da desonestidade e da intriga. Antes, o lugar confiado pelo Senhor ao crente deve ser um espaço no qual ele é obedecido, inclusive por ser seu verdadeiro dono.

Quanto à segunda pergunta, creio que, entre outras coisas, a resposta adequada a ela livra o crente do patriotismo manipulador e escravizante que os poderes deste mundo, na busca de seus interesses malignos, fazem o povo engolir goela abaixo. Sim, pois a noção de que todo o espaço pertence ao Senhor faz o cristão perceber que, por onde quer que vá, está sob o domínio de um só e mesmo Rei, nada tendo a temer nem se deixando desfazer em angustiosa saudade.

Basílio, o Grande, um dos maiores teólogos da igreja antiga, compreendeu isso. Sendo defensor da cristologia ortodoxa, ele recebeu ordens vindas do imperador Valente para adotar a visão herética dos teólogos arianos. Basílio, é claro, não obedeceu. Então, o prefeito pretoriano de Cesareia o ameaçou com várias punições, entre elas o exílio. Diante disso, o grande bispo respondeu: “Você não pode me exilar, pois, para onde quer que me envie, ali serei hóspede de Deus”. A correta teologia do espaço livrou Basílio do chauvinismo ingênuo, do medo da expatriação e até o encheu de ousadia diante de um magistrado poderoso que, afinal, teve de ceder.

A resposta à terceira pergunta é a que mais me empolga. De fato, a Bíblia ensina que a criação um dia será redimida da corrupção do pecado (Rm 8.18-22). Sem dúvida, isso abrange o espaço. Basta olhar ao redor para perceber como o pecado afetou não somente o que (as coisas), mas também o onde. Por toda parte veem-se a feiúra, a desorganização, a sujeira, a desolação e o mau gosto. E isso não se percebe somente em favelas e becos. A própria arquitetura e a arte contemporânea parecem ter perdido a noção de beleza, de ordem e de estética, na medida em que o homem foi se afastando da visão de que Deus é o criador e o senhor de tudo.

Um dia, porém, conforme ensina a Escritura, quando o Reino milenar de Cristo finalmente se estabelecer neste mundo, todo espaço será redimido dos efeitos do pecado e haverá completa beleza permeando tudo. Toda a realidade criada: matéria, tempo e espaço estarão livres do cativeiro da corrupção e o conhecimento de Deus encherá toda a Terra, “como as águas cobrem o mar” (Is 11.6-9).

Ora, o Novo Testamento convida os cristãos a, na medida do possível, trabalhar para que as bênçãos futuras do Reino de Cristo se realizem em alguma medida desde já (Rm 13.11-14; Hb 12.28). Por isso, o crente, que espera a redenção do espaço, atua de modo a tornar parcialmente real, aqui e agora, aquilo que será plenamente real quando Cristo voltar. Assim, esse crente vai se preocupar em tornar bonito e bem cuidado todo espaço que o cerca, seja dentro de sua casa, seja em seu quintal, seja na empresa em que trabalha, seja na igreja em que congrega.

O crente, pois, que aguarda o Reino e sabe que é seu dever antecipar seus efeitos até onde a realidade presente permite, eliminará dos espaços que tem sob seus cuidados toda feiúra, toda desolação, toda sujeira e toda desordem. Assim, as pessoas verão, nos lugares em que os cristãos vivem e convivem, verdadeiras partículas do Reino vindouro e poderão enxergar uma “pontinha” de como será todo o espaço redimido quando, afinal, tudo estiver sob o cetro adorável do Senhor.

Gostaria de escrever mais sobre esse tema, especialmente analisando suas implicações para a liturgia cristã. Contudo, as bases bíblicas para o assunto são muito escassas, tornando ousada a construção de proposições objetivas. Além disso, acho que já escrevi bastante... Acabou o espaço!

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

 

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