Sábado, 12 de Outubro de 2024
   
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Salmo 103 - As Qualidades Louváveis de Deus

 

Os homens têm capacidade de fazer coisas incríveis. A inteligência e as habilidades humanas são muitas vezes responsáveis por obras e feitos que marcam a história. Leonardo da Vinci tinha um talento artístico ímpar na pintura, na escultura, na arquitetura e em tantas outras áreas que chega a ser difícil alistar. Wolfgang Amadeus Mozart apresentava um talento musical tão destacado que começou a compor com cinco anos de idade. Isaac Newton, por suas obras e estudos, foi considerado pela Royal Society como o cientista que causou maior impacto na história da ciência. Entre os talentos ímpares exibidos por certos homens, o Brasil conheceu um gênio do futebol chamado Edson Arantes do Nascimento, o “Pelé”. Ele é assim considerado não por ter sido apenas um grande goleador – encerrou sua carreira com 1.281 gols. Basta assistir a algum documentário sobre o assunto para ver que ele dominava muitas técnicas e se destacava em várias áreas – era bom no drible, no cabeceio, no posicionamento em campo, na visão de jogo, no passe, na cobrança de faltas, no domínio de bola, na “matada no peito” e, é claro, na finalização. Ser bom em tantas áreas lhe rendeu o título de “rei do futebol”. Ele é amado por isso, reconhecido em todo mundo e homenageado onde quer que vá.

O Salmo 103 também louva alguém de muitas qualidades e feitos impressionantes. Contudo, não se trata de um homem famoso, mas do Rei eterno. O escritor é o rei Davi, autor de tantos outros salmos. Contudo, diferente do habitual, Davi não escreve ao se deparar com alguma circunstância específica como de perseguição, de pecado ou de consolo. O assunto abordado é bem amplo e se focaliza em Deus e nas suas atuações gerais, não apenas suas intervenções na vida do salmista. Assim, o louvor também deve ser amplo e irrestrito, pelo que Davi conclama a si mesmo e, por tabela, aos seus leitores (v.1): “Que a minha alma bendiga ao Senhor e que tudo que há no meu íntimo [bendiga] o seu santo nome” (barakî nafshî ’et-yhwh wekol-qeravay ’et-shem qodshô). A razão do louvor também é ampla (v.2): “Que a minha alma bendiga ao Senhor e que ela não se esqueça de todos os seus favores” (barakî nafshî ’et-yhwh we’al-tishkehî kol-gemûlayw). Nada podia passar despercebido pelos adoradores de Deus. Nenhum feito divino podia ser omitido, visto serem frutos do caráter perfeito do Senhor. Assim, Davi louva a Deus sem reservas devido a quatro qualidades divinas.

A primeira qualidade divina digna de todo louvor é a misericórdia. Essa é, disparado, a qualidade mais enfatizada no salmo (v.4): “[Deus é] aquele que resgata a tua vida da cova e que te coroa com amor e compaixão” (haggô’el mishahat hayyaykî ham‘atterekî hesed werahamîm) – pelo uso de pronomes femininos ao longo do salmo, tudo indica que Davi está usando um modo de se referir a si mesmo se dirigindo à sua própria alma (cf. vv.1,2) como beneficiária da ação de Deus (cf. Sl 16.10). A figura da “coroação” deve ser compreendida aqui como uma “concessão”. Significa que o homem não merece a misericórdia que recebe de Deus, mas a recebe assim mesmo porque o Senhor escolheu manter sentimentos positivos, expressos pelas palavras “amor” e “compaixão”, a fim de atuar na vida dos servos. Os efeitos da misericórdia divina são muitos. Deus concede-lhes o que necessitam, atenuando o peso dos dias maus que fazem o sofredor envelhecer antes da hora (v.5): “[Deus é] aquele que satisfaz os teus anelos com coisas boas [fazendo] a tua juventude renovar-se como a águia” (hammasbîa‘ battôv ‘orgek tithaddesh kannesher ne‘ûraykî) – apesar de não termos notícia do conhecimento popular da época sobre um suposto rejuvenescimento das águias, fica clara a ideia da preservação da juventude dos servos aliviando-lhes, por meio da provisão, as preocupações excessivas.

A misericórdia de Deus faz com que ele seja, também, tardio em se irar contra seus servos e pronto a lhes render seu amor (v.8), sendo descrito como “paciente e misericordioso” (’erek ’affayim werav-hased). Sem paciência, certamente seu tratamento traria punição tão logo o homem pecasse, mas, em lugar disso, sua misericordiosa paciente retém o castigo e oferece um tratamento benigno (v.10): “Ele não age para conosco conforme os nossos pecados e não nos retribui conforme a nossa culpa” (lo’ kahata’ênû ‘asâ lanû welo’ ka‘aônotênû gamal ‘alênû). Essa misericórdia se dilata de modo espantoso diante dos olhos humanos acostumados a ser mesquinhos com seus próximos (v.11): “Pois, como os céus são elevados sobre a terra, o seu amor se sobrepõe sobre os que o temem” (kî kigvoah shamayim ‘al-ha’arets gavar hasdô ‘al-yere’ayw). Por fim, a misericórdia de Deus faz com que ele trate seus servos de maneira paternal, rendendo-lhes tanto os sentimentos como os cuidados de um relacionamento desse tipo (v.13): “Assim como um pai se compadece dos filhos, o Senhor se compadece dos que o temem” (kerahem ’av ‘al-banîm riham yhwh ‘al-yere’ayw).

A segunda qualidade divina é a disposição de perdoar. Apesar de a misericórdia ser a razão do perdão, o ato de perdoar em si é tão pontual e seu efeito é tão importante que ele merece ser descrito de modo particular. Assim, o rei Davi, conhecedor dessa qualidade especial de Deus, diz (v.3): “[Deus é] aquele que perdoa toda a tua culpa, aquele que cura toda a tua enfermidade” (hassoleah lekol-‘aônekî harofe’ lekol-tahalu’oykî). “Enfermidade”, nesse texto, não visa a apontar desordens físicas, mas a doença espiritual promovida pelo pecado – essa mesma metáfora é utilizada pelo profeta Isaías ao chamar de “enfermidades” as “iniquidades” pelo qual o “Servo do Senhor” foi traspassado e moído (Is 53.4,5). Mesmo quando o Senhor não desvia sua ira disciplinadora dos seus servos, a disposição divina de perdoar faz com que a punição dure certo tempo e depois ceda espaço para a restauração (v.9): “Ele não repreende continuamente, nem guarda rancor para sempre” (lo’-lanetsah yarîv welo’ le‘ôlam yittôr). Na verdade, o Senhor trabalha por uma restauração plena dos seus servos, perdoando-lhes totalmente os pecados a fim de que, sem bloqueio algum, sejam aceitos por ele (v.12): “Assim como o extremo leste fica afastado do extremo oeste, ele afasta de nós as nossas transgressões” (kirhoq mizrâ mimma‘arav hirhîq mimmennû ’et-pesha‘ênû).

A terceira qualidade louvável é a justiça. Em primeiro lugar, Deus age como um juiz reto (v.6): “O Senhor promove justiça e decisões justas para todos os oprimidos” (‘oseh tsedaqôt yhwh ûmishpatîm lekol-‘ashûqîm). “Justiça” e “decisões justas” – ou “juízo” – foi o que Deus ordenou aos israelitas e eles falharam em cumprir (Is 5.7). O Senhor, por sua vez, não falha em agir como protetor dos desvalidos e como punidor dos injustos. É interessante notar que, apesar de as palavras “justiça” e “juízo” caberem no contexto na forma singular, ambas surgem no plural combinando com os objetos da ação de Deus: os “oprimidos”. Não há como olhar para isso sem perceber como o Senhor se importa com cada pessoa em particular e, longe de tratar o povo como números estatísticos, se incomoda com a injustiça feita a cada pessoa. Em segundo lugar, ele atua como um legislador sábio, santo e reto (v.7): “Ele revelou os seus caminhos a Moisés e os seus feitos aos filhos de Israel” (yôdîa‘ derakayw lemosheh livnê yisra’el ‘alîlôtayw). Esse texto é difícil de interpretar, pois parece desconectado dos textos contíguos, a não ser que olhemos para ele como desdobramento prático da afirmação anterior. Desse modo, a “justiça” e o “juízo” promovidos por Deus foram revelados em sua lei, dada a Moisés no Sinai, e exemplificados na salvação e proteção de Israel das mãos dos egípcios, dos amalequitas, dos moabitas e dos midianitas quando se dirigia à terra de Canaã.

A última qualidade digna de todo louvor é a grandeza. Em primeiro lugar, Deus é apresentado como grande e ilimitado por conhecer todas as coisas, incluindo os mistérios da condição humana ligada à sua criação e transitoriedade (v.14): “Pois ele conhece a nossa condição, sabedor de que nós somos pó” (kî-hû’ yada’ yitsrenû zakûr kî-‘afar ’anahnû). Em segundo lugar, Deus é grande e ilimitado por viver eternamente (vv.15-18). Esse trecho afirma (v.17) que o “amor do Senhor é de eternidade a eternidade” (hesed yehwâ me‘ôlam we‘ad-‘ôlam). Apesar da ênfase no “amor”, o texto contrasta a realidade divina com a transitoriedade do homem (vv.14-16) mostrando que Deus dura para sempre e, por causa disso, também os seus atributos. Em terceiro lugar, Deus é grande e ilimitado por controlar tudo que existe (vv.19-22). Ele não é o rei apenas de Israel, mas o regente de todos os povos (v.19). Além disso, seu governo se estende às esferas angelicais, tendo para si um exército de poderosos anjos que lhe obedecem o comando (v.20). O v.21 parece ser continuidade do anterior, chamando os anjos de “seus exércitos” (tseva’ayw) e de “seus ministros” (meshortayw). Contudo, como os vv.19-22 apresentam a soberania de Deus de um modo crescente, é possível que o v.21 faça menção a exércitos e servos de Deus em todas as esferas a fim de se referir ao seu comando pleno do universo. Por fim, o v.22 conclama toda a criação em toda parte a bendizer o Deus grandioso e supremo.

Diante de motivos tão importantes para se louvar a Deus e da intensidade da adoração mantida por Davi, surge um grande contraste em relação ao que vemos hoje em dia sob o título de “louvor”. Os “adoradores” modernos parecem mais preocupados em buscar satisfação pessoal que em louvar o soberano pelas óbvias razões que devem nos conduzir a uma dedicada e intensa adoração, a qual deve ser dirigida e filtrada pela orientação de Deus nas Escrituras. Que esse salmo nos conduza ao tipo e à qualidade da adoração sem reservas e digna de Deus que cabe aos seus servos apresentar.

Pr. Thomas Tronco

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