Segunda, 09 de Dezembro de 2024
   
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Salmo 96 - O Louvor a Deus pela Possibilidade de Louvá-lo

 

O sacerdote e historiador israelita Flávio Josefo escreveu a respeito da conquista de Jerusalém por Antíoco IV, chamado Epifânio, em 167 a.C.: “Mandou construir um altar no Templo e ordenou que lá se sacrificassem porcos, o que é uma das coisas mais contrárias à nossa religião. Obrigou então os judeus a renunciar ao culto do verdadeiro Deus e a adorar os seus ídolos [...]. Proibiu também aos judeus, sob graves penas, circuncidar os filhos e nomeou fiscais para saber se eles estavam observando as suas determinações e as leis que ele impunha e obrigá-los a isso, caso recusassem obedecer” (História dos Hebreus, São Paulo: CPAD, 2004. p. 562).

O texto acima mostra que nem sempre o povo de Deus pode adorá-lo e prestar-lhe culto livremente – o Antigo Testamento apresenta outras ocasiões semelhantes. Mas, também, nem sempre foram impedidos de fazê-lo. Uma das restaurações do culto israelita se deu quando Davi trouxe a Jerusalém a arca da aliança que foi tomada, em 1104 a.C., pelos filisteus na ocasião da morte de Eli e de seus filhos (1Sm 4) e que, depois de devolvida, ficou alojada por várias décadas em Quiriate-Jearim, região sul de Judá, na casa de Abinadabe (1Sm 7.1), a quem Josefo qualificou como um “piedoso levita” (Op. cit., p. 281). Depois de sete anos reinando em Hebrom, Davi estabeleceu a sede do reinado israelita em Jerusalém (1004 a.C.), onde também fixou sua morada, construindo para si um tipo de palácio. Para trazer a arca a Jerusalém, Davi mandou fazer outro tabernáculo, já que o feito por Moisés estava em Gibeão e permaneceu lá até que Salomão construiu o Templo – no início do seu reinado, Salomão foi a Gibeão adorar a Deus e pedir sabedoria (1Rs 3.3-9).

A chegada da arca em Jerusalém foi marcada pela alegria coletiva e Davi ordenou que se cantassem salmos de louvor: “Naquele dia, foi que Davi encarregou, pela primeira vez, a Asafe e a seus irmãos de celebrarem com hinos o Senhor” (1Cr 16.22). O interessante é que a sequência desse texto (1Co 16.23-36) contém o do Salmo 96 com algumas pequenas diferenças. Por esse motivo, sabemos a ocasião da composição do salmo e podemos imaginar que tenha sido escrito por Asafe ou pelo próprio rei Davi – a Septuaginta traz o seguinte título para o salmo: “Quando o tabernáculo foi construído depois do cativeiro [da arca], um cântico de Davi”. Como tema, o salmo convida o povo a prestar as devidas homenagens a Deus, agradecendo pela possibilidade de cultuá-lo e de ter novamente a arca no devido local de sacrifícios e cultos. Nesse sentido, o salmista apresenta quatro elementos da adoração grata ao Deus que permite seu povo lhe tributar louvores.

O primeiro elemento da adoração grata é o cântico de louvor a Deus (vv.1,2). O salmo inicia conclamando todos à adoração de Deus por meio de um veículo típico dos cultos, o louvor cantado (v.1): “Cantai ao Senhor um cântico novo, cantai ao Senhor toda a Terra” (shîrû layhwh shîr hadash shîrû layhwh kol-ha’arets). Dois fatores notáveis se encontram nessa frase. Em primeiro, a proposta de cantar a Deus um “cântico novo”. Com isso, o salmista pede ao povo a revigoração da sua vida religiosa e sua comunhão com Deus, o que seria proclamado em uma nova composição musical. Isso representa o retorno à dedicação e compromisso para com o Senhor. Em segundo lugar, o chamado é universal, dirigido a “toda a Terra”, mostrando que o Senhor não era Deus e criador apenas de Israel, mas de todos os povos, pelo que todos lhe deviam submissão e adoração. O texto prossegue e cria alguns parâmetros para a atividade cultual (v.2): “Cantai ao Senhor. Bendizei o seu nome. Proclamai diariamente a sua salvação” (shîrû layhwh barakû shemô basserû mîyôm-leyôm yeshû‘atô). O salmista introduz a ideia de que os adoradores deveriam sempre anunciar os feitos do Senhor em benefício deles, o que deveria ser feito até mesmo por meio de músicas cantadas por todos – essa é uma ótima maneira de se transmitir e de memorizar os feitos divinos.

O segundo elemento é o anúncio da glória divina (vv.3-6). O culto a Deus tem, definitivamente, um caráter proclamatório (v.3): “Proclamai entre as nações a sua glória e entre todos os povos os seus feitos maravilhosos” (safferû baggôyim kevôdô bekol-ha‘ammîm nifle’ôtayw). Deve-se notar que a proclamação da glória de Deus começa no seu culto, mas visa a atingir todos os povos ao redor do mundo. Isso acontece porque o Senhor não é apenas o Deus dos judeus ou o Deus dos cristãos, mas o Deus criador de tudo que existe e que está acima de todas as pessoas. Por isso, parte do anúncio envolve testemunhar a supremacia do Deus verdadeiro (v.4): “Pois o Senhor é grande e muito louvável. Ele é temível, acima de todos os deuses” (kî gadôl ûmehullal me’od nôra’ hû’ ‘al-kol-’elohîm). Esse é um recado para as nações vizinhas dizendo que a confiança que tinham em seus falsos deuses era vã, pois o Deus grandioso devia ser temido por eles, por ser capaz de destruí-los e submetê-los. Esse anúncio é frisado de modo mais claro e incisivo no versículo seguinte (v.5): “Pois todos os deuses dos povos são ídolos inúteis, enquanto o Senhor criou os céus” (kî kol-’elohê ha‘ammîm ’elîlîm wayhwh shamayim ‘asâ). Demonstrada a falsidade e inexistência dos ídolos, o salmista retorna ao anúncio da glória divina, agora não mesclada com a ideia errada da glória de falsos deuses (v.6): “Esplendor e majestade estão diante dele, poder e glória no seu santuário” (hôd-wehadar lefanayw ‘oz wetif’eret bemiqdashô). Há implícito nessa afirmação a glória de Deus demonstrada na incapacidade dos filisteus e dos seus falsos deuses de reterem a arca cativa em suas cidades, a qual, pelo poder de Deus, retornou ao lugar de origem. Para os israelitas, a glória de Israel, o Deus Altíssimo, estava de volta ao santuário, no lugar que determinou habitar.

O terceiro elemento da adoração grata é a entrega do que é devido ao Senhor (vv.7-9). O louvor do criador e mantenedor de tudo que existe envolve desprendimento para lhe entregar o que lhe é de direito. Por isso, o salmista inicia a próxima seção com uma palavra que significa “dar” ou “pagar”. Em primeiro lugar, o que é devido a Deus é o reconhecimento do seu caráter (v.7): “Dai ao Senhor, ó famílias dos povos, dai ao Senhor glória e poder” (havû layhwâ mishpehôt ‘ammîm havû layhwâ kavôd wa‘oz). Além de darem atenção e o devido crédito à glória divina, cabe-lhes também ofertar-lhe presentes dentre seus bens, os quais, segundo o ensino da lei mosaica, deviam ser levados ao tabernáculo e serviriam para honrar o Senhor e dar suporte ao trabalho contínuo diante de Deus, servindo de paga e sustento aos oficiantes do culto (v.8): “Dai ao Senhor a glória do seu nome. Trazei ofertas e entrai nos seus átrios” (havû layhwâ kavôd shemô se’û-minhâ ûbo’û lehatsrôtayw). Por fim, o povo ainda lhe devia submissão e temor dignos de um Deus incomparável, pelo que não podiam faltar com nenhum dos seus deveres (v.9): “Prostrai-vos diante do Senhor no átrio do santuário. Tremei diante dele toda a Terra” (hishtahawû layhwh behadrat-qodesh hîlû miffanayw kol-ha’arets). Isso indica que a entrada da arca no tabernáculo foi vista como a entrada de um rei magnífico e poderoso no seu palácio para se assentar de forma esplêndida em seu trono de glória.

O quarto elemento é a grata esperança no juiz eterno (vv.10-13). Os últimos séculos da história israelita tinham sido marcados por pecados, rebeldia e injustiça, tanto no período dos juízes como no reinado de Saul. A paz e prosperidade, além da libertação de opressores conhecidos, que o povo começava a vislumbrar no reinado de Davi, eram um modesto modelo do que eles esperavam de Deus (v.10): “Dizei entre as nações: o Senhor reina. O mundo certamente está firmado, ele não se abala. Ele julga os povos com retidão” (’imrû baggôyim yehwâ malak ’af-tikkôn tevel bal-timmôt yadîn ‘ammîm bemêsharîm). A esperança do salmista não é modesta. Ele tem em mente uma ação de Deus tão ampla na promoção da justiça que resolve expô-la por meio da personificação de toda a natureza, como se ela fosse gente como nós e pudesse se alegrar e exultar na mesma esperança (vv.11,12). É claro que esse é um convite a homens para que exultem — homens de toda a Terra. O salmo termina com a santa esperança escatológica de ver, no futuro, tudo plenamente submetido a Deus e alvo da sua justiça (v.13): “Pois ele vem para julgar a Terra. Julgará o mundo com justiça e os povos com a sua retidão” (kî ba’ lishpot ha’arets yishpot-tevel betsedeq we‘ammîm be’emûnatô).

Apesar de a arca ter sido colocada naquele tabernáculo e o povo convocado à adoração tanto tempo atrás, o chamado permanece ainda hoje. Certamente, o local e o modo da adoração são outros, mas a honra, a glória, a dignidade, a majestade e o poder de Deus são os mesmos. Se Israel se alegrou tanto assim por ver finda a privação de ter a arca em seu meio e poder louvar a Deus do modo prescrito, quanto mais nós, hoje em dia, que temos a possibilidade de adorá-lo sem impedimentos! É certo que ainda há lugares no mundo em que os adoradores do Deus verdadeiro são proibidos de lhe prestar culto e são perseguidos quando o fazem. Isso faz com que nós, que não temos impedimentos para o culto do Senhor, sejamos ainda mais gratos e responsáveis com essa adoração. Infelizmente, é possível notar que onde maiores privilégios se têm nesse sentido, mais preguiçosos e desinteressados são os adoradores. Mas isso não está certo! Que tenhamos plena consciência do nosso dever e do privilégio que temos e rendamos ao Senhor tudo que ele merece, sem reservas, sem descaso, sem ingratidão!

Pr. Thomas Tronco

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