Salmo 85 - Os Benefícios do Perdão de Deus
Ouvi alguém dizer muito tempo atrás: “Eu não faço declaração de Imposto de Renda, pois ganho meu dinheiro com muito suor e não quero dá-lo ao governo. A corrupção de muitos políticos é tão grande que meu dinheiro sai da minha conta e vai quase direto para as contas deles”. Apesar de parte dessa afirmação refletir certa realidade do nosso país, tentei alertá-lo quanto aos riscos que ele corria e quanto às sanções que sofreria, mas nada o demoveu da sua posição. Até que ele quis fazer um financiamento para abrir um negócio e adquirir um veículo. Um dos primeiros documentos requeridos para esses financiamentos era a Declaração de Renda, a qual, obviamente, ele não tinha. Foi preciso buscar a Receita Federal, entrar em acordo em relação à dívida e buscar um modo de ser perdoado das multas geradas pelas infrações fiscais. Somente quando tudo isso foi resolvido, os benefícios da condição regularizada puderam ser usufruídos.
Esse não é o único benefício da regularização de uma condição corrompida. O Salmo 85, escrito pelos filhos de Corá, foi composto em meio a uma possível opressão nacional por povos inimigos, mas certamente em meio a uma terrível seca. Os males, quaisquer que sejam, que recaíram sobre o povo de Israel são interpretados pelo salmista como consequência de pecados do próprio povo, de modo que deveriam buscar o perdão de Deus. Nesse sentido, o salmista dá o exemplo a fim de que seus irmãos façam o mesmo (v.4). Olhando para a situação de Israel nesse salmo, é possível notar que perdão de Deus é uma bênção fantástica pela qual seus servos devem sempre agradecer. Entretanto, o perdão em si não é o único benefício do arrependimento de pecados. Quando o servo de Deus é perdoado pelo misericordioso Senhor Todo-poderoso, outros benefícios são promovidos e aparecem nesse salmo. Assim, o texto é tanto uma lição sobre a remissão divina como um inigualável encorajamento para o arrependimento verdadeiro e um coração contrito.
O primeiro dos benefícios do perdão de Deus é a percepção da misericórdia no passado (vv.1-3). O salmista se lança ao rogo pelo perdão presente depois de recordar o perdão passado. Nada como uma situação desfavorável para se lembrar de como é bom andar com Deus e ser beneficiário da sua obra redentora. Por isso, com a visão aclarada pelas consequências do pecado, o salmista diz (v.2): “Tu perdoaste a culpa do teu povo, encobriste todos os seus pecados” (nasa’ta ‘aôn ‘ammeka kissîta kol-hatta’tam). Ele diz isso em referência a uma restauração passada de Israel que envolveu o retorno de israelitas capturados pelo inimigo (v.1): “Favoreceste a tua terra, ó Senhor, restauraste os cativos de Jacó” (ratsîta yhwh ’artseka shavta shevût ya‘aqov). Há aqui uma demonstração de conhecimento teológico, pois o escritor associa corretamente a disciplina de Israel com a ira de Deus contra o pecado e, por isso, em meio ao seu clamor está presente a nítida lembrança de que a restauração passada somente se deu pela apaziguação do Deus santo (v.3): “Fizeste cessar toda a tua indignação, reprimiste o furor da tua ira” (’asafta kol-‘evrateka heshîvôta meharôn ’affeka). Nesse caso, a percepção da misericórdia de Deus na história de Israel foi uma bênção indizível para o povo arrependido, trazendo-lhe a correta direção por meio da contrição e, também, a esperança de ser perdoado e restaurado.
O segundo benefício é a validação do verdadeiro arrependimento (vv.4-7). É fato que um arrependimento apenas social – aquele a que nos referimos como “da boca para fora” – não tem validade alguma diante do Deus onisciente que sonda os corações dos homens. Entretanto, o verdadeiro arrependimento encontra no Senhor uma disposição graciosa de perdoar. Por isso, o salmista, pedindo perdão, associa esse ato à restauração que vem de Deus (v.4): “Restaura-nos, ó Deus da nossa salvação, e cancela a tua irritação conosco” (shûvenû ’elohê yish‘enû wehafer ka‘aska ‘immanû). A pergunta do v.5 é retórica, visto que Deus se prontificou, na aliança mosaica, a retribuir a confissão de pecados com o desvio da sua ira e com a renovação das bênçãos (Lv 26.40-45). Por isso, seguindo esse recurso literário, ele completa (v.6): “Tu não voltarás a vivificar-nos para que o teu povo se alegre em ti?” (halo’-’attah tashûv tehayyenû we‘ammeka yismehû-bak). Tendo colocado desse modo, o salmista deixa o estilo rebuscado e faz um pedido claro que condiz com sua mais pura intenção, sabendo que será atendido pela misericórdia e fidelidade de Deus (v.7): “Manifesta a nós o teu amor e conceda-nos a tua salvação” (har’enû yehwâ hasdeka weyesh‘aka titen-lanû).
O terceiro é a comunhão plena com o Senhor (vv.8-10). Nesse três versículos, há um grande acúmulo de substantivos que expressam atuações de Deus entre seu povo quando há uma boa manutenção do relacionamento, ou seja, quando há comunhão entre Deus e seus servos. O primeiro desses benefícios é a “paz” (v.8): “Eu ouvirei o que falar Deus, o Senhor, pois falará de paz ao seu povo” (’shme‘â mah-yedavver ha’el yhwh kî yedavver shalôm ’el-‘ammô). Em seguida, o salmista alista a “salvação” e a “glória” de Deus no meio do povo, seja atuando gloriosamente, seja sendo glorificado pelos seus (v.9): “Certamente, a salvação está próxima dos que o temem para habitar a glória em nossa terra” (’ak qarôv lîre’ayw yish‘ô lîshkon kavôd be’artsenû). Por fim, surge a menção ao “amor” de onde provêm a lealdade, a “fidelidade”, a “justiça” e novamente a “paz”, todos eles benefícios da restauração da comunhão com Deus (v.10): “Amor leal e fidelidade se encontraram, justiça e paz se beijaram” (hesed-we’emet nifgashû tsedeq weshalôm nashaqû). A figura das qualidades positivas do caráter de Deus e da obediência do homem “se encontrando” e “se beijando” aponta para uma restauração plena tanto da submissão humana como da comunhão divina, obviamente, por meio do perdão.
O último benefício é o desfrute de bênçãos vindas de Deus (vv.11-13). A transição da ideia anterior com o final do salmo é muito interessante. O salmista, lançando mão das qualidades advindas da comunhão, mescla-as ao efeito físico que terão na agricultura de Israel (v.11): “A fidelidade brotará da terra e a justiça dirigirá o olhar desde os céus” (’emet me’erets titsmâ wetedeq mishamayim nishqaf). Na verdade, o que brota literalmente da terra é o fruto do plantio que alimenta o povo e o que baixa do céu é a chuva que rega a plantação – “dirigir o olhar” é um modo de o salmista se referir ao retorno da chuva, como se antes ela tivesse “desviado seu olhar” da terra dos pecadores. Entretanto, o salmista associa o desfrute dessas bênçãos ao retorno da comunhão pelo perdão dos pecados. Feita essa conexão de ideias, o escritor diz às claras qual será o resultado agrário, mostrando, por meio da palavra “também” (gam), a íntima ligação que há entre o perdão e o retorno da provisão divina (v.12): “Também o Senhor dará o que é bom, de modo que a nossa terra dará sua colheita” (gam-yhwh yitten hattôv we’artsenû titten yevûlah). Esse não seria o único benefício a ser desfrutado pelos arrependidos. O Senhor restabeleceria sua caminhada junto com o povo como um desbravador que abre um caminho seguro, do mesmo modo que fez no deserto ao guiar a multidão até Canaã (v.13): “A justiça irá à sua frente e suas pegadas abrirão caminho” (tsedeq lefanayw yehallek weyasem lederek pe‘amayw). Essa afirmação pode, também, significar que Deus traria de volta os israelitas cativos – e daria um sentido mais amplo ao v.1. O fato é que o perdão de pecados, mediante o verdadeiro arrependimento, traria aos contritos o desfrute das bênçãos que eles tanto ansiavam.
A vida presente, em quase todos os sentidos, é bem diferente da dos dias desse salmista e da aflição aqui refletida. Entretanto, o Senhor é o mesmo e o pecado produz a mesma repugnância no Deus santo. Eis a razão pela qual a igreja, muitas vezes, deixa de desfrutar plenamente de bênçãos como paz, alegria, esperança, segurança, consolo, direcionamento e coragem. O desinteresse pela Palavra de Deus, o desenvolvimento de uma religião de egoísmo e entretenimento, o afrouxamento dos padrões morais e o namoro com o mundo perdido têm tirado muitos crentes do caminho seguro aberto por Deus e os lançado nos perigosos pântanos do pecado. Deus, obviamente, não permanece inerte diante do desvio, mas “corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe” (Hb 12.6). Em lugar disso, os crentes deveriam experimentar em todas as suas dimensões o que significa “eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10.10). Já decidiu o que é melhor?
Pr. Thomas Tronco