Obadias 18
“A casa de Jacó será um fogo e a casa de José, uma chama. Mas a casa de Esaú será como palha. Eles os queimarão e os devorarão e não restará nenhum sobrevivente da casa de Esaú, pois assim disse o Senhor” (Obadias 18).
O versículo anterior apresentou uma virada na situação de Israel que, na primeira parte do livro, não apenas foi vencido, mas massacrado de forma cruel e humilhado para a diversão de seus inimigos. O v.17 prevê o dia em que Israel se levantará como vencedor em vez de derrotado, sendo restaurado pelo Senhor e passando a habitar as terras de sua possessão por direito. O v.18, por sua vez, fala como isso ocorrerá.
A primeira coisa que chama atenção é a anteposição das casas (descendências) de Jacó e de José. Normalmente, seria esperado encontrar uma menção à casa de Jacó e à casa de Israel, como sinônimos, já que são os dois nomes da mesma pessoa. Ou então, casa de Judá e casa de Israel, como complementares, já que assim se chamavam os dois reinos israelitas depois de sua divisão em 931 a.C., duas tribos de um e dez tribos de outro (Os 1.11). Nesse caso, o reino de Israel era chamado muitas vezes de Efraim (filho de José), por ser a tribo mais importante, o que nos faria esperar encontrar uma menção complementar dos dois reinos na forma de casa de Judá e casa de José (Ez 37.19; Zc 10.6). Contudo, são alistados os nomes de Jacó e José.
Mas isso não deve nos surpreender, pois um salmo de Asafe, escrito apenas um século e meio antes, cita a totalidade do povo israelita se valendo da mesma descrição: “Com o teu braço remiste o teu povo, os filhos de Jacó e de José” (Sl 77.15). Profetas de séculos posteriores aparentemente preferiram se referir à totalidade de Israel em outros termos, como Jeremias ao citar “a casa de Israel e a casa de Judá” (Jr 31.31). A lógica do modo mais antigo de se referir a Israel pode ser a de mencionar o nome do patriarca Jacó, de quem todos os israelitas descendem, e o nome do principal dos seus filhos, José, que acolheu toda sua família no Egito e que é representado por duas das maiores tribos de Israel: Efraim e Manassés.
Com isso em mente, Obadias parece ter pretendido se referir a algo que ocorreria com todo o Israel, ou seja, todos os israelitas vivos nos dias do cumprimento da promessa em questão. Nenhum israelita ficará de fora quando tal profecia for cumprida. É possível também que Deus, por meio de Obadias, tenha oferecido a menção distinta da casa de José a fim de trazer à mente do leitor as dez tribos com o propósito de evitar o desenvolvimento, no futuro, da ideia de que as dez tribos não estão excluídas na salvação futura,[1] coisa que outros profetas também enfatizam (Jr 50.4-5; Is 11.12-13; 14.1; Ez 37.16-22; 39.25) e que o Novo Testamento reafirma (Ap 7.4-8).
Tendo em mente os israelitas como um todo, o profeta anuncia que eles serão “um fogo” e “uma chama”, dois sinônimos exatos com a intenção de intensificar a figura e não de dar sentidos diferentes ou complementares para cada menção. A intenção é, entre outras, recordar os israelitas da promessa aos seus inimigos de punição e juízo divino, conceito frequentemente associado a figuras de fogo no Antigo Testamento. No caso específico de a “casa de Jacó” e a “casa de José” serem usadas por Deus como “fogo” e “chama”, essas metáforas têm a intenção de apontar para Israel, em meio a essa virada descrita no versículo anterior, como um povo forte e poderoso, capaz de abater e destruir seus inimigos assim como faz o fogo por onde quer que passe.
Esse é um quadro bem forte quando comparado, na sequência, à “casa de Esaú”, figurada aqui “como palha”. Por si só, a figura da palha já carrega características como fraqueza e incapacidade de resistir a forças externas, mesmo que seja de uma branda brisa. Isso é o prenúncio de que a força de Edom nos dias do profeta em nada se compararia com sua realidade quando chegasse o “dia do Senhor” (v.15). Porém, chamar Edom de palha logo depois de dizer que Israel será como fogo e chama tem uma intenção específica de revelar que o estado de Edom depois de abatido por Israel será como o da palha queimada pelo fogo: incapaz de resistir e totalmente consumido ao final.
Isso ganha cores mais distintas na segunda metade do versículo, como se o profeta desejasse que sua mensagem fosse tanto evidente como impactante e amedrontadora para os cruéis inimigos de Israel. Ele explica que “eles” (os israelitas) “os queimarão e os devorarão”, referindo-se aos edomitas, confirmando o que as menções de “fogo” e “palha” já tinham dado a entender. Contudo, há uma graduação no nível da destruição que ocorrerá, visto informar que, ao final, “não restará nenhum sobrevivente da casa de Esaú”.
Outro sentido possível para a palavra aqui traduzida como “palha” é “restolho”, ou seja, o resto inútil de colheitas que é descartado e fadado a perecer e apodrecer — uma boa definição para a condição dos edomitas após recair sobre eles o castigo pelo que fizeram aos israelitas no dia do seu sofrimento. Por causa da sua maldade e crueldade com um povo que era seu parente, por causa das suas origens nos irmãos Esaú e Jacó, os edomitas desapareceriam completamente sem que nada pudesse evitar tal destino, assim como a palha não pode resistir ao fogo. Trata-se de uma declaração muito forte, mas não haver sobreviventes em Edom será a vindicação pelo tratamento que deram aos sobreviventes de Judá (v.14).[2]
O trecho final, traduzido como “disse o Senhor”, vale-se de um verbo hebraico que aparece em um grau que expressa uma ação intensiva, podendo corretamente ser traduzido como “ordenou o Senhor”. Não se trata apenas de palavras eventuais e sem grandes pretensões, mas de uma séria e dura sentença sobre o povo de Edom e sobre as nações que ele representa aqui de modo tipológico. Deus determinou o resultado do dia do Senhor, no qual os inimigos de Israel, por sua determinação e decreto, serão vencidos, abatidos e destruídos.
Um texto como esse deve ensinar algumas lições bem atuais. Nos incrédulos, inimigos do Senhor e do evangelho de Jesus Cristo, deve causar preocupação e temor ao saber que, mesmo que vivam dias de alegria e tranquilidade no presente, haverá um dia em que Deus ordenou que uma grande virada ocorra, no qual seus inimigos serão abatidos e sofrerão grande juízo. Isso, com certeza, deveria levar tais pessoas com urgência à fé em Jesus e a uma conversão de vida pela transformação do novo nascimento.
Aos servos de Deus, porém, deve fornecer uma perspectiva dupla. A primeira é que o dia dessa virada, chamado de “dia do Senhor”, é algo que ocorrerá em um tempo futuro (se próximo ou distante, não sabemos), mas que agora ainda não chegou, razão pela qual é preciso ter paciência e perseverança enquanto ainda há dores, sofrimentos, injustiças, perseguições e tristezas. Por outro lado, a segunda perspectiva é a certeza de que isso tudo um dia não apenas passará como a balança também será invertida, pesando para o outro lado, no sentido de que o Senhor dará ao seu povo todas as bênçãos que lhes prometeu e preparou. Isso, sem dúvida, deve gerar esperança e coragem no presente para continuar seguindo em fidelidade e serviço ao Senhor Jesus Cristo até que chegue aquele tão esperado dia. Perspectivas assim mudam tudo quando se enfrentam tempos difíceis como os que Israel vivenciou naqueles dias.
Pr. Thomas Tronco