Segunda, 11 de Novembro de 2024
   
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Igrejas Emergentes

Há algum tempo escrevi dois artigos sobre igrejas pós-modernas, dizendo que elas apresentam basicamente quatro marcas: hermenêutica relativista, discurso conciliador, ênfase excessiva na liberdade humana e afrouxamento ético/moral. As quatro marcas das igrejas pós-modernas apresentadas ali, porém, de forma alguma abrangem a totalidade das características dessas igrejas. Sim, há outras manifestações do pensamento pós-moderno no meio evangélico e uma delas que muito tem chamado a atenção nos últimos anos é o movimento denominado “igreja emergente”.

É muito difícil encerrar esse movimento numa definição, pois as diversas igrejas associadas a ele têm diferentes ênfases e variadas maneiras de expressão, todas se apresentando como comunidades cristãs emergentes. Porém, um conceito genérico talvez seja possível nos seguintes termos: igrejas emergentes são igrejas pós-modernas engajadas na busca de formas práticas de funcionamento que sejam aceitáveis e atraentes para os homens de hoje.

A pergunta crucial, pois, do “movimento igreja emergente” é: como a igreja pode se tornar relevante e atraente para a sociedade atual pós-moderna? Uma vez que as respostas a essa questão variam muito, o conceito de igreja emergente tem abrangido diferentes modelos eclesiásticos que vão desde o total abandono de qualquer padrão tradicional ou formal de culto até a adoção de práticas e símbolos intensamente místicos e rigidamente litúrgicos.

Podem-se dividir as igrejas emergentes em quatro classes distintas:

1. Conformistas – As igrejas emergentes conformistas entendem que o homem pós-moderno busca formas mais livres de religiosidade, sentindo aversão por qualquer expressão formal ou tradicional de adoração, posto que liturgias assim, segundo entendem, refletem uma mentalidade estreita e rígida demais. Por isso, os cultos e as atividades das igrejas emergentes conformistas buscam reproduzir formas seculares de entretenimento, especialmente shows musicais, danças e “baladas” nos quais recursos visuais e eletrônicos de ponta são empregados (globos espelhados, gelo seco, canhões de luz, etc.). Os cristãos emergentes conformistas entendem que nenhum descrente permanecerá numa igreja se, ao chegar, encontrar os irmãos em oração ao som suave de um prelúdio. Daí a necessidade de medidas práticas que sejam sensíveis às expectativas do incrédulo pós-moderno. Evidentemente, essa preocupação também se reflete na pregação. Geralmente, os pastores dessas igrejas evitam falar sobre pecado, condenação, cruz e arrependimento em seus discursos. Esses assuntos,no entender deles, espantariam os descrentes da atualidade. 

2. Místicas – As igrejas emergentes místicas se opõem frontalmente às conformistas no que diz respeito ao modo como o culto deve ser. Segundo seus representantes, o homem pós-moderno está cansado de espetáculos e shows com efeitos especiais. Essas coisas, dizem, estão à disposição das pessoas em qualquer lugar e o tempo todo. Por isso, no tocante à religião, o mundo pós-moderno nutre uma expectativa mais espiritual, que deve ser acompanhada de símbolos e práticas místicas. Adotando essa visão, algumas igrejas evangélicas americanas têm usado cruzes, incenso, velas, colunas e altares de oração em seus cultos, produzindo um ambiente sombrio semelhante ao das antigas catedrais católicas. No entender dos líderes dessas igrejas, essas coisas servem como atrativo para o homem pós-moderno que anseia por experiências espirituais intensas.

 3. Pluripartidárias – Esse modelo de igreja emergente focaliza o fato de que, para a mente pós-moderna, há muitas verdades sendo todas igualmente válidas. Transportando esse raciocínio para o funcionamento da igreja, tais instituições oferecem aos seus frequentadores uma espécie de self service teológico. Assim, em suas escolas de ensino doutrinário, há classes para calvinistas, para liberais, para pentecostais e para várias outras vertentes. As igrejas emergentes pluripartidárias dizem não se identificar exclusivamente com nenhum desses modelos, recusando qualquer rótulo. Seus líderes entendem que toda concepção doutrinária é válida e deve ser respeitada. Segundo eles, a visão oposta só serve para criar divisões que atrapalham o crescimento da igreja e a consecução dos seus objetivos.

4. Ultrainformais – Igrejas emergentes ultrainformais apegam-se à desconfiança que o homem pós-moderno nutre contra o caráter das instituições em geral. Seus expoentes ensinam que as igrejas nos moldes institucionais criam barreiras para o evangelho ao tentar impor sobre as pessoas a visão de um só indivíduo ou de uma pequena minoria que, aliás, se beneficia da estrutura formal estabelecida. Reagindo a isso, as igrejas emergentes ultrainformais recusam tudo que ameace institucionalizar o grupo. Por isso, por via de regra, defendem a realização de cultos nos lares (nunca em templos ou edifícios religiosos), opõem-se a todo tipo de hierarquia eclesiástica, desprezam formalidades litúrgicas (o culto busca ser uma celebração livre, criativa e artística em que todos participam de forma espontânea), evitam filiar-se a qualquer denominação religiosa e recusam-se até mesmo a criar um rol de membros. Os representantes desses grupos afirmam que seu modelo é o único verdadeiramente neotestamentário e recorrem a textos como Atos 2.46,47 para tentar provar o que dizem.   

É claro que há igrejas emergentes que, na medida do possível, combinam características de duas ou mais das diferentes classes mencionadas. Todas, porém, têm algo em comum: obter sucesso na atração dos descrentes de hoje, propondo formas de religiosidade que lhes satisfaçam as expectativas, jamais se insurgindo contra as raízes de sua cosmovisão secular.

A crítica bíblica aos modelos de igreja emergente aponta três erros básicos presentes na raiz de suas propostas. Esses erros são pilares sobre os quais todo o pensamento emergente é construído. Se tais pilares forem removidos, o edifício inteiro cairá. Ora, essa demolição é muito fácil. Na verdade, um leve sopro da verdade é suficiente para fazer esses pilares de Isopor vir abaixo.

O primeiro erro que subjaz o pensamento dos defensores da chamada igreja emergente é a crença na falácia de que as conversões a Cristo ocorrem como resultado de táticas e artifícios humanos. Os líderes das igrejas emergentes, ainda que digam não estar comprometidos com nenhum “rótulo” doutrinário, na verdade são ferrenhos defensores da teologia arminiana, segundo a qual o homem tem em si a livre capacidade de “tomar uma decisão por Cristo”. A partir dessa concepção, o trabalho desses ministros se transforma na elaboração incessante de estratégias de convencimento. Seus esforços se voltam, assim, para a criação ou descoberta de técnicas que sejam mais eficazes na atração do não crente. O pastor da igreja emergente sonha, portanto, em encontrar métodos que sejam capazes de persuadir o incrédulo a usar seu “livre arbítrio” de modo certo, recepcionando afinal o cristianismo.

Essas noções, contudo, estão muito longe do ensino bíblico. Para começar, é preciso lembrar que, segundo o Novo Testamento, o incrédulo é um cadáver espiritual, insensível às coisas do Senhor e incapaz de desejá-las (Rm 3.10,11). Por isso, a conversão do pecador nunca tem como causa primária a vontade do homem, mas sim a de Deus (Jo 1.13; 6.65; Tg 1.18). Prosseguindo na análise bíblica, descobre-se que, sendo o homem tão insensível às coisas espirituais, somente Deus tem o poder de atraí-lo (Jo 6.44), sendo inútil o uso de táticas humanas para isso.

Aliás, é bom lembrar que o Senhor atrai o pecador perdido, não por intermédio de iscas artificiais, mas pela atuação sobrenatural do Espírito Santo que convence de forma eficaz a mente entorpecida (Jo 16.8; At 16.14). Como o Espírito faz isso? Usando estratégias de marketing? Não! Ele usa a pregação da Palavra, já que Deus determinou que somente por meio dela a salvação fosse operada (Rm 10.17; 1Co 1.21; 1Pe 1.23).

A Bíblia ensina ainda que, dada a condição deplorável do homem, é o próprio Deus quem, afinal, lhe concede a fé. Na verdade, o texto sagrado ressalta que ninguém pode crer em Cristo sem que isso lhe seja concedido pelo Pai (Jo 6.65; At 11.18; Rm 8.30; 9.18; Ef 2.8; Hb 12.2).

Assim, à luz das Escrituras, os diversos pregadores pós-modernos que anelam despertar no incrédulo o desejo por Cristo com atrativos artificiais são como a criança que tenta acordar o cãozinho morto mostrando-lhe o prato de ração. A pobre criança, ao agir assim, mostra que não compreendeu as suas próprias limitações, nem a ineficácia da ração, nem tampouco o estado horrível em que se encontra o cachorrinho.

O segundo equívoco do pensamento emergente é a crença de que o culto cristão deve ser planejado tendo como alvo o homem, posicionando-o no centro de tudo. A Bíblia se insurge contra essa falácia. Em Mateus 4.10, Jesus aponta o Senhor Deus como o único personagem em torno do qual o culto deve se desenvolver. Cristo ensina ainda que a verdadeira adoração não é a que se preocupa com aspectos cultuais exteriores a fim de satisfazer as expectativas das pessoas (Jo 4.20,21). Segundo ele, a adoração genuína é aquela em que o homem fixa seu coração exclusivamente no Pai, ansiando cultuá-lo de forma sincera, num louvor que emana da sua própria alma (Jo 4.23,24). Ora, um adorador assim não se ocupa de agradar incrédulos ou quem quer que seja. Seu alvo exclusivo durante o culto é honrar e enaltecer o Senhor.

Ademais, o autor de Hebreus ensina que, enquanto cultua, a alma do crente deve estar mergulhada em reverência e santo temor (Hb 12.28,29). Isso significa que a mente do cristão deve se voltar totalmente para Deus durante o culto, lembrando-se da sua grandeza, santidade e justiça e preocupando-se, assim, em evitar qualquer coisa que o desonre ou desagrade. Esta e somente esta deve ser a preocupação do crente enquanto adora.

Por isso, se de um lado o cristão emergente pergunta “Será que os irmãos estão gostando do culto? Será que os incrédulos estão entusiasmados? Será que os visitantes estão satisfeitos e pretendem voltar?”, de outro, o cristão bíblico faz as seguintes indagações: “Será que o Senhor está se agradando do que estamos fazendo aqui? Será que a nossa adoração está sendo sincera e reverente? Será que o que estamos dizendo nos cânticos, nas orações e na pregação correspondem à mensagem que Deus ordenou que protegêssemos e proclamássemos?”  E esse segundo conjunto de perguntas reflete quem tem que ser o singular e verdadeiro foco de qualquer gesto cultual.

Intimamente relacionado ao segundo desvio das igrejas emergentes está o seu terceiro erro. Este consiste de acreditar que a adoração a Deus pode ser realizada conforme bem entendem os adoradores. Movidos por essa crença, as igrejas emergentes dão ao culto o formato que acham mais conveniente, atrelando-lhe práticas estranhas, nascidas a partir das percepções de seus líderes ou criadas segundo o bel prazer dos responsáveis pelo planejamento de suas reuniões.  

Esse erro decorre da falta de conhecimento daquilo que, em teologia, é tecnicamente chamado de Princípio Regulador do Culto, segundo o qual somente Deus pode determinar o modo como deve ser adorado. Ora, esse princípio parte da verdade de que Deus revelou na Bíblia como quer que o adorem, tendo feito isso para evitar que os homens caíssem no erro de prestar-lhe um culto maculado por práticas nascidas na mente corrompida.

O amparo bíblico para o Princípio Regulador do Culto pode ser visto tanto no Antigo como no Novo Testamento. Nos tempos da Antiga Aliança, todas as prescrições fixadas pelo Senhor acerca da forma como deveria ser o culto no Tabernáculo e, posteriormente, no Templo, deixam claro que somente Deus detém o direito de definir como deve ser o culto que lhe é devido (Dt 12.13,14). No Novo Testamento, o culto aceitável ao Senhor abrange orações (At 13.1-3), louvor cantado (Ef 5.19), celebração das ordenanças, comunhão (At 2.42,46), exercício dos dons (1Co 14.26), leitura e exposição das Escrituras (1Tm 4.13).

Nem sempre um só culto incluirá todos esses fatores, mas deve-se reconhecer que é lícito – e necessário – incluí-los na liturgia, sempre primando pela decência e pela ordem (1Co 14.40). Por outro lado, cerimônias de homenagem a este ou aquele indivíduo, decisões administrativas, apresentações de coreografia ou dança, práticas de entretenimento, uso de objetos religiosos, momentos de trato com demônios e outras invenções devem ser afastadas do culto público na busca de moldá-lo àquilo que o Senhor requer e não ao que as pessoas anseiam por ver ou fazer.

 Os três erros básicos aqui apontados nos textos anteriores são cometidos pelos diferentes tipos de igreja emergente já alistados: as conformistas, as místicas, as pluripartidárias e as ultrainformais. No entanto, duas palavrinhas ainda precisam ser ditas sobre o desvio das místicas e das ultrainformais.

Conforme dito, as igrejas emergentes místicas são aquelas que, em suas reuniões, usam cruzes, velas, incenso, cortinas escuras e vários objetos cultuais, tudo com o propósito de criar um ambiente lúgubre que, segundo dizem, é capaz de satisfazer o anelo religioso do homem pós-moderno.

Ainda que aleguem que o uso desses recursos seja bíblico, o fato é que é simplesmente impossível encontrá-los nos cultos realizados pelas igrejas locais do Novo Testamento. Aliás, a atmosfera cultual lúgubre presente nos cultos da Idade Média, atmosfera que essas igrejas pretendem reproduzir, jamais resultou da análise de textos bíblicos, sendo, na verdade, o desdobramento da corrompida teologia escolástica que marcou a época e também da pessimista visão de mundo que permeou a mente dos homens daqueles séculos.

De fato, segundo a teologia escolástica, na missa, o sacrifício de Cristo acontecia literalmente, sendo a catedral (aliás, construída em forma de cruz), o lugar sagrado em que esse sangrento holocausto se repetia vez após vez. Daí a atmosfera melancólica e sombria daqueles imensos edifícios que, como túmulos medonhos, abrigavam dentro de si o “corpo eucarístico” de Cristo. Além disso, deve-se considerar que os séculos 11 a 13, período em que se ergueram as grandes catedrais europeias, o mundo estava imerso num ambiente geral fúnebre, estando a realidade da morte presente de forma contínua na mente das pessoas. As guerras, a fome e a miséria decorrentes dessas mesmas guerras, a queima pública de hereges, as epidemias de peste bubônica e outras doenças, tudo isso fazia com que o homem medieval tivesse uma visão lutuosa da vida, o que se manifestava no culto cristão, sempre sombrio e repleto de imagens e símbolos tenebrosos.

Ora, a realidade evangélica atual não compartilha nada disso. Nossa teologia (pelo menos “oficialmente”) não adota nada da concepção escolástica e o ambiente histórico-cultural em que as igrejas emergentes se desenvolvem não tem nada de lúgubre, estando mais voltado para a diversão e o entretenimento numa intensidade jamais vista em qualquer outra fase da história humana.

Assim, o ambiente criado pelas igrejas emergentes místicas é apenas um arremedo da liturgia medieval, uma reprodução teatral grosseira do culto escolástico, a montagem de um cenário repleto de componentes artificiais que não traduzem nem o ensino bíblico, nem a teologia evangélica, nem o momento histórico em que vivemos. Ao que parece, trata-se de apenas mais uma estratégia de marketing religioso destinada a causar impacto em jovens fascinados pela temática fúnebre ou atraídos por qualquer coisa que tenha coloração mística.

Considerem-se agora, especificamente, as igrejas emergentes ultrainformais. Conforme se viu, os proponentes desse modelo entendem que qualquer grau de institucionalização deve ser evitado na igreja, a fim de que o formato neotestamentário seja preservado.

A pergunta que a análise crítica dessa proposta levanta é a seguinte: qual é exatamente o formato eclesiástico presente no Novo Testamento que essas igrejas pretendem preservar? Sim, pois, desde o evento de Pentecostes (c. 30 AD) até a composição do Livro de Apocalipse (c. 90 AD), ou seja, ao longo de um período de aproximadamente sessenta anos, a igreja primitiva desenvolveu uma estrutura de funcionamento que passou de um alto grau de informalidade para a fixação de um modelo institucional comparativamente complexo, criado a partir das necessidades que as circunstâncias foram impondo com o passar do tempo.

Assim, se no ano 30 AD tudo que havia era a liderança dos apóstolos, dedicados somente à oração e ao ministério da Palavra (At 6.4), naquele mesmo tempo surgiu um grupo eleito pela comunidade cuja responsabilidade era cuidar das mesas das viúvas (At 6.1-6). Já a partir daqui pode-se ver o germe da institucionalização, com a prática do voto por parte dos membros (At 6.3,5) e a criação de um grupo autorizado para a realização de funções distintas (At 6.6). Em termos de organização, portanto, a igreja de Atos 6 é diferente da igreja de Atos 2!

E as mudanças continuaram. Ao fim da Primeira Viagem Missionária (c. 47 AD), as igrejas fundadas por Paulo e Barnabé assumiram um formato diferente daquele inicialmente visto em Jerusalém. Com efeito, nas novas comunidades, o povo também aparece votando, dessa vez, porém, para escolher presbíteros (At 14.23).

Logo em seguida, em cerca de 48 AD, a liderança eclesiástica apostólica, tão ligada ao modelo informal da igreja recém-inaugurada, começou a dar sinais de declínio. A supremacia da voz do bispo Tiago, pondo fim aos debates do Concílio de Jerusalém (At 15.1-29), talvez marque o início do fim da primazia dos apóstolos como chefes absolutos da igreja local. Essa percepção parece ser válida porque no Concílio de Jerusalém estavam presentes Pedro (até então o líder máximo da comunidade cristã em Jerusalém) e Paulo, ambos apóstolos. No entanto, o destaque da narrativa de Atos recai sobre a participação de Tiago (At 15.13-21), um pastor cujo parecer foi acatado na íntegra pela assembleia, que novamente participou das decisões por meio do voto (At 15.22).

Vê-se assim a ascensão da figura do bispo. Recorde-se ainda que, cerca de dez anos depois, quando viajava para Jerusalém, Paulo dirigiu-se aos presbíteros de Éfeso (um grupo também denominado “presbitério”, cf. 1Tm 4.14), apontando-os como os líderes legítimos da igreja (At 20.17,28). Ora, a convocação de um concílio, a promoção de eleições em assembleia e a formação de presbitérios nas igrejas locais dão sinais óbvios da lenta institucionalização da igreja, menos de trinta anos depois da sua fundação.

Componentes que marcam a igreja do Novo Testamento como uma instituição bem organizada podem ser encontrados também nas epístolas. Por exemplo, Filipenses 1.1 mostra que o grupo que, por volta de 30 AD, foi eleito para servir as mesas das viúvas (At 6.1-6), em cerca de 61 AD, transformou-se num conselho de oficiais da igreja, ao lado dos bispos e distinto da comunidade como um todo.

Torna-se, assim, evidente que aquela equipe voltada apenas para o trabalho assistencial, num período aproximado de trinta anos, galgou uma posição eclesiástica mais elevada. Aliás, os “diáconos”, como passaram a ser chamados, começaram a exercer um papel tão sério como líderes que, em cerca de 66 AD, Paulo escreveu a Timóteo dizendo que os mesmos requisitos impostos a quem desejasse ser bispo deveriam também ser exigidos dos que quisessem ser diáconos. A única exceção parece ter sido a aptidão para ensinar (1Tm 3.8-13).

Ademais, é impossível fazer alusão às Epístolas Pastorais (1 e 2 Timóteo e Tito), sem lembrar que essas cartas, escritas em meados da década de 60, não somente mostram uma liderança institucional na igreja (1Tm 3.1-13; 5.22; Tt 1.5-9), como também revelam a fixação de uma liturgia (1Tm 2.1; 4.13-14), além de regras de funcionamento que os crentes deveriam observar a fim de que se comportassem adequadamente na “Casa de Deus” (1Tm 3.14-15). Na organização mais complexa que já havia por volta de 66 AD há até uma ordem de viúvas, na qual as participantes só podiam ser inscritas se preenchessem certos requisitos enumerados pelo apóstolo (1Tm 5.9-12). As mulheres inscritas nessa ordem receberiam provisão material da igreja.

Quanto ao modelo de liderança eclesiástica centralizado na figura de um só pastor, padrão tão comum em nossos dias, é possível vislumbrar seu embrião já nos tempos do Novo Testamento. De fato, a figura do “bispo monárquico”, que tanto marcou a igreja a partir do século 2, pode encontrar suas raízes nos pastores das sete igrejas do Apocalipse (caps. 2-3), cada um atuando como líder máximo de uma comunidade cristã específica (Ap 1.20).

Quão diferentes são, portanto, as igrejas do Novo Testamento quando observados os diferentes estágios em que se encontram no seu lento processo de organização. Realmente, a igreja de Jerusalém, sob a liderança de Pedro, é marcada por quase completa informalidade. A de Éfeso, porém, debaixo da autoridade de Timóteo, tem todos os traços de uma instituição religiosa madura, com um presbitério, um conselho de diáconos, um processo fixo para a formação e investidura de líderes, um conjunto de regras objetivas de funcionamento, normas relativas ao culto e uma associação formalmente organizada de mulheres carentes.

Assim, é vazia a crítica das igrejas emergentes ultrainformais, não havendo nada de antibíblico no modelo de funcionamento de igreja como instituição. Além disso, ao que parece (e a experiência aponta nessa direção), os defensores da plena informalidade não estão realmente interessados em reconstruir o modelo neotestamentário. Tudo indica que o que verdadeiramente almejam é evitar associar-se a uma igreja num grau maior de compromisso, livrando-se, inclusive, dos incômodos de viver sob a autoridade eclesiástica instituída pelo próprio Deus. O fato é que a busca da informalidade pode ser, na verdade, a fuga da responsabilidade.

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

 

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