Quinta, 05 de Dezembro de 2024
   
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Obadias 16

 

“Pois do mesmo modo que vocês beberam sobre meu monte santo, todas as nações beberão continuamente. Elas beberão, sorverão e se tornarão como se nunca tivessem existido” (Obadias 16).

Após anunciar a vinda futura do dia do Senhor não apenas sobre Edom, mas sobre todas as nações, o presente versículo torna a mensagem ainda mais temível por meio de uma figura irônica, mas ameaçadora. A introdução “pois do mesmo modo” ― ou “pois conforme” ― mais uma vez pinta o quadro de uma retribuição. Nessa retribuição, aquilo que foi feito de mal reverteria sobre os que fizeram a maldade, como é enfatizado no v.15: “Conforme aquilo que você fez, assim lhe será feito”.

A diferença dessa retribuição do v.16 em comparação com a do v.15 é que, neste, a maldade a ser paga é mais bem-delineada ao declarar: “Vocês beberam sobre meu monte santo”. A respeito da localização desse “monte santo” não pairam dúvidas, pois trata-se de uma referência ao monte Sião, o qual, muitas vezes, é citado para designar a cidade como um todo, Jerusalém, a qual foi invadida pelo exército multinacional que Edom integrou. O grande problema está no sujeito da ação. Quando o texto diz “vocês beberam”, o fato de ser um verbo no plural divide comentaristas e exegetas quanto à identidade do sujeito. Motivados pela comparação com um tipo de “taça de ira” bebido pelas nações, presente na segunda metade do texto, há quem opte por identificar o sujeito do início da frase como sendo os israelitas.

Segundo tal proposta, Deus, por meio do profeta, parou de se dirigir aos edomitas e se voltou aos judeus, dizendo-lhes algo semelhante a “vocês beberam um cálice de ira em Jerusalém quando os inimigos os invadiram e os mataram”. Na sequência, o Senhor lhes garante que os inimigos beberiam do mesmo cálice, mas que os efeitos seriam muito piores para eles. O grande problema é que não há nenhuma indicação dessa transição entre os ouvintes a quem Deus dirige suas palavras, nem há alguma construção que favoreça uma mudança de interlocutor. Na verdade, seria uma transição tão abrupta que torna tal proposta improvável pela resultante falta de clareza e de fluidez do texto. É claro que construções desse tipo, com as mesmas dificuldades, realmente existem em algumas passagens bíblicas, servindo de argumento em favor de tal transição. Contudo, essa conclusão é desnecessária nesse texto.

A opção preferível é interpretar o sujeito da ação como sendo o próprio Edom, a quem o Senhor já tem se dirigido desde o início, e as demais nações da conflagração que derrotou e invadiu Jerusalém. Tal entendimento torna a leitura e compreensão do texto mais fluente e natural. Afinal, o Senhor já tem falado a Edom ao longo do livro e já fez menção às nações no versículo anterior. Além disso, o v.1 informa que o mensageiro, cuja mensagem atinge frontalmente os edomitas, foi enviado não somente a Edom, mas também às “nações” (v.1). Desse modo, a melhor compreensão expõe o Senhor se dirigindo ao exército que invadiu Jerusalém e matou tão cruelmente seus moradores, dizendo-lhes algo do tipo: “Do mesmo modo que vocês ― Edom e seus aliados militares ― beberam no meu monte santo, assim e assim ocorrerá a vocês...”. Trata-se da sequência natural do julgamento e da sentença divina contra os perversos que feriram seu povo.

A ironia ameaçadora é introduzida ao dizer que “todas as nações beberão”. Aqui há um contraste com a primeira parte, na qual Edom e as demais nações “beberam sobre meu monte santo”, o que indica que seus exércitos comemoraram com bebidas a derrota de Jerusalém enquanto lhe saqueava os bens e exterminava um grande número de moradores locais. Contrapor isso à menção de que as “nações beberão”, levando em conta o presente contexto de juízo e vingança pelo mal cometido, é introduzir a figura de outra bebida, cujo cálice, em lugar de trazer alegria, contém ira e destruição vindas de Deus. Em outras palavras, o julgamento divino é comparado aqui a um vinho inebriante que as nações são forçadas a beber, fazendo com que aqueles que o ingerem fiquem desorientados, cambaleiem e sofram as consequências da bebedeira.[1]

Para aclarar essa ideia, Jeremias, mais tarde, fez uso da mesma figura na profecia que dirige a Edom a respeito do seu julgamento e condenação. Ele explica melhor a relação entre o derramar da ira de Deus e essa bebida que os perversos sorverão, declarando: “Porque assim diz o Senhor: Eis que os que não estavam condenados a beber o cálice totalmente o beberão, e tu serias de todo inocentado? Não serás tido por inocente, mas certamente o beberás” (Jr 49.12). Para piorar o quadro, esse juízo será bebido pelas nações “continuamente”, o que aponta para consequências definitivas, criando um contraste entre Judá e seus inimigos, pois, enquanto a calamidade de Judá seria temporária (v.17), as nações inimigas nunca recuperariam sua posição anterior (v.18,19).[2]

Se o versículo terminasse nesse ponto, a mensagem seria suficientemente clara e significativa. Porém, o autor escolheu reforçá-la de modo dramático, insistindo na figura do beber a ira de Deus. Segundo ele, quando chegar o dia do Senhor, as nações “beberão” e “sorverão”. O verbo beber aparece pela terceira vez no versículo seguido, agora, de um termo análogo, algo que se faz quando a intenção é reforçar uma ideia. O verbo hebraico traduzido como “sorverão” tem um significado sinônimo de beber, podendo ser compreendido no sentido de “engolir”, “beber ruidosamente” ou “beber às goladas”. Como tem mais força que o simples ato de beber, ele pode, inclusive, ser usado para descrever uma tortura de ter de beber algo sem parar.[3]

A sequência e associação desses dois verbos sinônimos, que ressaltam e fortalecem a ação, justificariam uma tradução que destacasse a continuidade do ato, como “beberão e continuarão a beber” ou “beberão e beberão ainda mais”. É o quadro de um beberrão que esvazia muitas garrafas e, mesmo assim, não para de beber até cair ou lhe acontecer coisa pior. Por isso, o versículo conclui dizendo que, como consequência, eles “serão como se nunca tivessem existido” ― literalmente, “serão como se não tivessem sido”. É o mesmo que dizer que, após o Senhor executar seu juízo sobre as nações, não restarão rastros ou sequer a lembrança delas, pois serão completamente aniquiladas. Será uma bebida bem forte e amarga a ser servida aos inimigos incrédulos do criador do universo.

A lição que nos salta aos olhos, advinda da ironia que o texto propõe, é que Deus pode corrigir e punir as pessoas justamente por meio daquilo que elas desejam e praticam. A bebida na qual aquelas nações se deleitaram em Jerusalém, enquanto tinham as mãos e as espadas cheias de sangue israelita, é a mesma bebida que lhes será servida no dia do Senhor e que elas terão de beber até a última gota. Do mesmo modo, o Senhor pode punir seus inimigos atuais dando-lhes justamente o que eles buscam, como descrito por Paulo em Romanos 1.18-32, em que, por desprezarem o Senhor, os ímpios são entregues por Deus a uma condição reprovável para se desonrarem entre si e quanto mais fazem isso, mais o Senhor os pune por meio de uma condição moral e espiritual ainda pior. Isso não deixa de conter a ironia temível do texto de Obadias, pois os perversos buscam, trabalham e lutam pelas coisas que os destruirão.

O mesmo pode ocorrer, em grau menor, aos próprios filhos de Deus. Estes podem, também, em desobediência ao seu Senhor, amar as coisas que há no mundo e buscá-las desenfreadamente, contrariando a Palavra de Deus e os irmãos que os exortam. Nesses casos, o Pai amoroso, mas igualmente santo e rigoroso, pode dar exatamente o que tais pessoas buscam simplesmente para as disciplinar e lhes corrigir os erros, não sem que a dor do processo deixe suas tristes marcas. Quando nosso Pai age assim, ele não faz para destruir eternamente seus filhos como fará às nações rebeldes. Entretanto, mesmo sendo um ato de amor, o autor de Hebreus nos alerta: “Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça” (Hb 12.11). Portanto, escolha aprender as lições de Deus e lhe obedecer às palavras de pronto, por meio do ensino das Escrituras e pela exortação amorosa dos irmãos. Caso contrário, é possível que o Senhor sirva uma bebida amarga cujo gosto será bem difícil de esquecer.

Pr. Thomas Tronco


[1] The NET Bible, First Edition. Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006 [Ob 16, nota 80].

[2] Jamieson, Robert; Fausset, A. R.; Brown, David. Commentary Critical and Explanatory on the Whole Bible, vol. 1. Oak Harbor, WA: Logos Research Systems, 1997, p. 681.

[3] Smith, Billy K.; Page, Franklin S. Amos, Obadiah, Jonah, vol. 19B, The New American Commentary. Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1995, p. 198.

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