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Obadias 15

 

“Pois o dia do Senhor está próximo de vir sobre todas as nações. Conforme aquilo que você fez, assim lhe será feito. O seu pagamento cairá sobre a sua cabeça” (Obadias 15).

A partir desse versículo, uma nova parte do livro e da mensagem começa com um conteúdo que, apesar de breve e resumido, contida em apenas um terço do menor livro do Antigo Testamento, é riquíssimo no que diz respeito à escatologia e ao tema do “dia do Senhor” ― tema que, posteriormente, foi acrescido e desenvolvido por outros profetas. E apesar da profundidade do assunto, sua introdução nas Escrituras, no presente versículo, é simples e direta. O texto começa com uma conjunção que indica causalidade, com sentido de “pois” ou “porque”. Significa que todas as acusações e reprovações, em relação ao modo cruel e injusto com que Edom tratou seus irmãos israelitas, teriam consequências. Esse “pois” explica o motivo pelo qual eles não deviam ter feito o que fizeram e liga claramente a causa ao efeito, ou seja, o pecado à punição.

Exposto sem rodeios, a razão pela qual os edomitas jamais deviam ter agido com crueldade em relação aos habitantes de Judá é “o dia do Senhor”. Com essa expressão, outras duas menções dos versículos anteriores ganham mais sentido. A primeira delas é o dia de Edom, a quem o Senhor diz: “No dia em que você ficou em pé defronte a ela” (v.11) ― o dia de uma vitória militar cruel contra seus irmãos. A segunda, por sua vez, é o dia de Israel, descrito nas expressões “dia do seu irmão”, “dia da sua ruína”, “dia da aflição” e “dia da sua calamidade” (v.12-14) ― ocasião de derrota, sofrimento, ruína e morte. Em contraposição a esses dias, o texto anuncia a vinda futura do dia do Senhor ― que o restante do livro revelará como ocasião de vingança aos perversos e restauração do povo de Deus.

Sobre esse dia é dito que ele “está próximo de vir”. O termo original significa simplesmente perto, mas seu uso no texto não é misterioso. Podemos dizer que “está próximo de chegar” ou que “está se aproximando”. O mistério real tem relação com o quão próximo, em termos de tempo, esse dia está. O fato é que é comum nas Escrituras que anúncios proféticos, dentre eles os escatológicos, sejam anunciados como um evento iminente, mesmo quando só se cumprirão séculos ou milênios mais tarde. Podemos conjeturar que isso se dá pelo fato de Deus não ser limitado pelo tempo, não havendo para ele a mesma demora que para nós. Também podemos supor que ele quis imprimir nessas mensagens um caráter de urgência com aplicações vivenciais. Independente das razões pelas quais Deus não forneceu o intervalo exato de tempo para o cumprimento, a verdade é que, com o passar dos dias, ficamos mais próximos desse dia, cujos efeitos são infinitamente mais duradouros que a espera por ele. Além do mais, não é possível ignorar o tom de ameaça no alerta de que chegará a hora em que as malfeitorias serão devidamente punidas.

Surge, então, uma implicação inesperada, tendo em vista o livro tratar bastante a questão particular do pecado de Edom. O profeta diz que o dia do Senhor virá “sobre todas as nações”. Segundo tais palavras, o julgamento de Deus não se limitaria a Edom. Esse povo certamente seria punido em uma medida justa por sua transgressão, mas “o dia do Senhor” também abrangeria o julgamento das nações.[1] É óbvio que não foram todas as nações que participaram do cerco perverso a Jerusalém, mas a transição presente, ainda que não tenha sido feita de modo claro, revela o fato de que o eterno e santo juiz iria julgar e punir os pecados dos edomitas, mas que também o faria de modo geral por todos os pecados cometidos.

Quando pensamos nesse juízo amplo, nossa mente imediatamente nos remete ao julgamento escatológico. Contudo, a história nos informa que Edom encontrou seu fim, que lhe sobreveio em três etapas, muito tempo atrás, de modo que eles não têm relação direta nem estarão presentes naquele julgamento futuro. Por isso, ao que tudo indica, o Senhor está fornecendo a base pela qual ele puniria e destruiria Edom, demonstrando ter tanta aversão pelo mal que chegará a julgar o mundo todo no futuro. E se fará assim no futuro, quanto mais ao povo de Edom pelo que fez a Israel. Significa que, ao Deus declarar sua sentença à descendência de Esaú, nada podia evitar que ela recebesse a merecida punição que faria cessar sua existência como povo.

Os termos desse julgamento estavam claros: “Conforme aquilo que você fez, assim lhe será feito”. Não haveria contradição, protelação, reinterpretação de fatos, justificativas para o mal nem nada assim. O tribunal do Senhor emitiria uma sentença legítima que levasse em conta os atos praticados e a justa retribuição. Por isso, a cláusula final diz que haveria um “pagamento”. A palavra traduzida como “pagamento” pode ter sentido positivo e negativo. Positivamente podem ter os sentidos de recompensa, remuneração, prêmio ou benefícios. Mas, dependendo do contexto, pode ser interpretada com sentidos negativos como castigo, vingança ou represália. O fato é que essa palavra tem o significado de uma recompensa compatível com o merecimento de um ato. No caso de Edom e das nações perversas, o “pagamento” será compatível com seus pecados e a retribuição virá na forma de uma justa e devida vingança por parte do Senhor.

O sentido negativo dessa retribuição vem, a princípio, da cláusula anterior, em que o pagamento teria a mesma natureza do ato, de modo que as ações ruins receberiam punição. A sequência da frase reforça essa ideia ao dizer que a retribuição divina “cairá sobre a sua cabeça”. A imagem produzida por essa figuração não é o recebimento alegre de um prêmio ou um presente, mas de algo ser lançado sobre alguém, atirado sobre sua cabeça, de modo a atingi-lo e causar-lhe um sério ferimento. Essa é a declaração condenatória de Edom: você será merecidamente ferido de morte com uma retribuição que lhe abaterá a cabeça.

A profecia de Obadias é voltada a Edom, prevendo seu castigo pelo modo perverso com que agiu contra Israel. Mas é interessante notar que o juízo pleno de Edom é associado a um evento que “está próximo de vir sobre todas as nações”. Porém, enquanto tais nações perecem sob a mão punitiva do Senhor, é dito sobre Israel que, “no monte Sião, haverá livramento; o monte será santo; e os da casa de Jacó possuirão as suas herdades” (v.17). Desse modo, trata-se também de um dia de vindicação em favor da nação israelita, produzindo sua completa restauração.[2] O profeta fornece mais alguns detalhes, mas não vai muito além. Outros profetas posteriores desenvolveram gradualmente o tema, adicionando novas revelações do Senhor e, a cada novo profeta em ação, mais detalhes foram sendo dados, o que chamamos de revelação progressiva.

Seguindo essa prática utilizada por Deus para nos entregar suas palavras escritas, Joel acrescenta que o dia do Senhor virá em meio a uma assolação comparável a uma severa fome sofrida por Israel (Jl 1.14-15), em um evento classificado como “dia de escuridade e densas trevas, dia de nuvens e negridão!” (Jl 2.2). Virá sobre os israelitas um exército poderoso e destruidor (Jl 2.2-3) de guerreiros determinados que não recuam (Jl 2.8). Curiosamente, é o próprio Senhor quem os trará (Jl 2.11), de modo que o profeta conclama Israel ao arrependimento e à conversão (Jl 2.12-18). Em meio ao anúncio de perdão e restauração, o profeta diz que “naqueles dias” (Jl 2.28-29) o Senhor derramará seu Espírito sobre os homens e que isso precederá eventos cataclísmicos que introduzirão o “grande e terrível dia do Senhor” (Jl 2.31). Joel reafirma a mensagem de Obadias sendo mais específico em relação às nações (Jl 3), concluindo que o dia do Senhor trará punição severa em larga escala que atingirá, em todas as nações, os que não se submeteram a Deus.

No século seguinte, diante da esperança israelita de que o dia do Senhor puniria apenas as outras nações, Amós diz que essa era uma falsa sensação de segurança,[3] visto que a punição recairia também sobre os israelitas rebeldes (Am 5.18). Isaías, por sua vez, dá um enfoque aplicativo do dia do Senhor dizendo que ele vem sobre os soberbos para os abater (Is 2.12), de modo que o único meio de escapar dele é se voltar para Deus e andar “na luz do Senhor” (Is 2.5). Caso contrário, será um “dia cruel, com ira e ardente furor, para converter a terra em assolação e dela destruir os pecadores” (Is 13.9). O livro de Sofonias fala que não será possível fugir das consequências do dia do Senhor (Sf 1.14-16) e que ele recairá sobre todo tipo de gente (Sf 1.7-9).

No período pós-exílico, Zacarias completa o quadro explicando que Jerusalém, antes da sua restauração, será alvo do juízo de Deus pelas mãos de “todas as nações”, sofrendo grande opressão e vendo parte do povo ser preso e exilado. A adição importante desse profeta é dizer que o Senhor lutará contra as nações e as vencerá para proteger seu povo, colocando-se em pé, ele mesmo, sobre o monte das Oliveiras (Zc 14.1-4) ― trata-se de um claro prenúncio da volta corporal de Jesus da mesma forma e na mesma região de onde partiu, cumprindo também a palavra dos anjos (Lc 24.50-53; At 1.11). Como se vê, a expressão dia do Senhor é usada por vários profetas no Antigo Testamento. Mas expressões correlatas também são utilizadas, como “aquele dia”, “o dia” ou “o grande dia”, que surgem mais de setenta vezes,[4] “últimos dias”, por treze vezes, e “naquele dia”, em mais de cem ocasiões com sentido escatológico.[5]

A conclusão é que o dia do Senhor é um evento punitivo no qual Deus lançará sobre os pecadores seu juízo contra a iniquidade. Esse julgamento especial ― apesar de Deus executar várias punições de grande porte ao longo de toda a história, tanto sobre nações como sobre Israel ― terá seu cumprimento pleno no futuro, quando Deus julgará todos os povos, não antes de julgar Israel por meio da guerra e do cativeiro. Isso ocorrerá até que ele venha pessoalmente libertar seu remanescente fiel a fim de abençoar tal povo em seu reino, que ele poderosamente instaurará. Esse “grande e terrível dia do Senhor” é identificado no Novo Testamento como o grandioso desfecho da “grande tribulação” (Mt 24.21,29-31).[6]

Essa mensagem nos coloca diante de dois chamados urgentes. O primeiro, de caráter eterno, convida as pessoas a estar prontas para comparecer diante do tribunal do Deus santo. Cada impuro, incrédulo e perverso perecerá naquele dia. E só há um modo de não ser condenado nessa corte: por meio da fé em Jesus. Ele, por puro amor e graça, sofreu na cruz a condenação que nos era devida e pode, por essa razão, perdoar nossa culpa e nos tornar justos diante do Senhor, não pela nossa justiça pessoal, mas pela dele. A Bíblia diz que podemos ser salvos pela “graça, mediante a fé” em Jesus (Ef 2.8), de modo que “nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1). Diz também que, aos que se entregaram a Jesus como seu único e suficiente salvador, é lhes dado “o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome (Jo 1.12). Mas a Palavra de Deus alerta para a urgência desse chamado tão doce, antes que se encerre o tempo em que ele pode ser atendido, clamando: “Buscai o Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto. Deixe o perverso o seu caminho, o iníquo, os seus pensamentos; converta-se ao Senhor, que se compadecerá dele, e volte-se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar” (Is 55.6-7). Você já está pronto para aquele dia?

Se a resposta à pergunta anterior é sim, há outro chamado urgente que a mensagem de Obadias brada — esse de natureza imediata e vivencial. O texto nos mostra que Deus leva muito a sério o pecado e a necessidade de fazer purificação, seja pelo perdão ou pela punição. Nossos dias tendem, inclusive em igrejas cristãs, a racionalizar o mal, criar desculpas para o pecado e criar a ideia de que o Senhor não os leva mais em conta como no passado. Assim, erros, desvios, maldades e imoralidades não têm mais recebido correção, nem são tratados a fim de levar ao arrependimento e conversão. Em vez disso, recebem aceitação, compreensão, medicação e até motivação para que cresçam munidos de uma consciência que não mais acusa o pecador. Entretanto, o juiz do tribunal celeste não mudou, nem mudará, de modo que somos chamados, diante da seriedade com que ele vê e trata a maldade humana, a buscar constantemente o arrependimento, a restauração e a santificação. Afinal, nesse tribunal santo sempre será melhor fazer parte do grupo dos jurados do que estar entre os réus.

Pr. Thomas Tronco


[1] The NET Bible, First Edition. Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006 [Ob 15, nota 76].

[2] Santos, Thomas T. Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Mundo Cristão, 2014, p. 87.

[3] Hubbard, David Allan. Joel e Amós: Introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 198.

[4] Pentecoste, J. Dwight. Manual de escatologia: Uma análise detalhada dos eventos futuros. São Paulo: Vida, 2002, p. 254.

[5] Ryrie, Charles C. Teologia básica: Ao alcance de todos. São Paulo: Mundo Cristão, 2004, p. 566.

[6] Santos, Thomas T. Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Mundo Cristão, 2014, p. 91.

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