Sábado, 12 de Outubro de 2024
   
Tamanho do Texto

Pesquisar

Obadias 12

 

“Mas você não devia ter se olhado com prazer o dia do seu irmão, dia da sua desgraça, não devia ter se regozijado sobre os filhos de Judá no dia da sua ruína, e não devia ter se vangloriado no dia da sua aflição” (Obadias 12).

O versículo presente tem algumas repetições marcantes e significativas que, pelo que destacam, parecem ser propositais. Há três cláusulas paralelas que enfatizam a mesma realidade, cada uma delas iniciada com a mesma conjunção hebraica e o mesmo advérbio de negação. Além disso, há três menções sinônimas da disposição interna e externa de Edom diante de três descrições do sofrimento de Israel. Há também quatro aparições da palavra que é traduzida como “no dia” ― utilizada duas vezes no versículo anterior ―, que prepara um contraste para sua aplicação máxima no v.15, quando o assunto será “o dia do Senhor”, valendo-se do mesmo termo.

As repetições que descrevem os feitos dos edomitas no dia da angústia de Israel, associadas às declarações da parte de Deus de que eles não deviam ter agido daquele modo, parecem criar, junto aos versículos 11 e 15, uma tríade de “dias” notáveis: o “dia” de Edom, no qual ele entrou em Jerusalém e despojou a cidade (v.11); o “dia” de Israel, ao ser derrotado e ter sofrido grande angústia na queda da sua capital (v.12); e o “dia” do Senhor, quando ele fará um acerto de contas em uma medida transbordante e avassaladora (v.15). Cada um deles teve ou terá seu próprio “dia” com suas implicações e consequências. Em meio a esse arcabouço literário, é possível compreender a razão de o presente texto enfatizar e repetir tantas vezes a expressão que dirige esse tema.

O paralelismo feito com três cláusulas sinônimas não é muito comum na Bíblia. Normalmente, ele é feito com duas cláusulas apenas, sejam elas sinônimas ou antitéticas ― como se veem incontáveis vezes em Salmos e Provérbios. Nesse versículo, duas bastariam, mas parece que o Senhor escolheu destacar a maldade dos descendentes de Esaú e sua reprovação a eles repetindo a sentença mais uma vez. Cada uma delas dizendo as mesmas coisas: que Judá caiu em grande sofrimento (“desgraça”, “ruína” e “aflição”), que Edom exultou diante dessa situação (tendo “olhado com prazer”, “se regozijado” e “se vangloriado”) e que ele “não devia” ter feito aquelas coisas.

A primeira cláusula inicia com a conjunção que tanto pode ser aditiva como adversativa (“e” ou “mas”). Os dois usos caem bem ao texto, mas sua maior utilidade é promover a ligação íntima entre cada cláusula, fazer crescer o quadro a cada frase e destacar a gravidade do advérbio “não”, que expressa aqui a reprovação do Senhor. A primeira ação que o exército edomita devia ter evitado é “ter olhado com prazer”. No texto original é dito apenas “olhar”, mas essa palavra, muitas vezes, tem o significado de “banquetear os olhos” (cf. v.13),[1] como quem vê algo que lhe agrada e lhe dá prazer, sentido que o contexto imediato favorece. E a razão para tal prazer foi ver “o dia do seu irmão” ― mais uma vez o parentesco entre os povos é posto em relevo. A sequência explica que se tratou do “dia da sua desgraça”, quando uma grande calamidade se abateu sobre o povo de Jerusalém. Normalmente, as pessoas se sensibilizam ao ver catástrofes que causam dor, mesmo em desconhecidos. Mas, nesse caso, a dor do povo aparentado foi vista com bons olhos pelos edomitas, coisa que deveriam ter evitado a todo custo.  

Na segunda cláusula segue uma afirmação semelhante. Dessa vez, o Senhor repreende Edom por “ter se regozijado”, expressão que denota alegria e exultação. Pode até mesmo dar ensejo a uma disposição de comemorar o sofrimento alheio, já que, em certos contextos, essa palavra tem o sentido de “regozijar-se arrogantemente”.[2] Interessante notar que os verbos que expressam as ações de Edom vão passando de uma atitude interna para uma ação exterior.[3] Primeiro, ele olha; agora, se alegra; e, por fim, irá se vangloriar diante dos derrotados. Nesse ponto, o Senhor faz questão de apontar a vítima, dizendo que a alegria cruel daquele povo se deu “sobre os filhos de Judá”, tribo que deu nome ao país do Israel dividido daqueles dias que ocupava o território Sul do antigo reino unido, cuja capital era Jerusalém. Repete-se, então, a descrição do seu sofrimento, agora nos termos “no dia da sua ruína”.

Se o texto parasse por aqui, teríamos um paralelismo comum no Antigo Testamento, cujo objetivo teria sido plenamente atingido. Mas o Senhor quis adicionar uma terceira cláusula sinônima a fim de enfatizar sua mensagem e de produzir temor nos ouvintes, dizendo que Edom “não devia ter se vangloriado”. O trecho hebraico traduzido como “ter se vangloriado” significa, literalmente, “ter alargado sua boca”, ou ― pensando metonimicamente no ato de “falar” como efeito da ação que a “boca” causa ― “ter engrandecido sua fala”. Essas palavras também podem ter o sentido de “zombar”, já que o texto diz que a boca é alargada para falar, mas não explica o que é dito. Mesmo nesse caso, o sentido da vanglória na tradução é bom, pois quem se vangloria não o faz apenas para se engrandecer, mas, concomitantemente, diminuir os demais, algo à que a zombaria se presta. Vangloriar-se e zombar de Israel “no dia da sua aflição” demonstraram extrema maldade e acendeu a ira do Senhor, cujo veredicto foi proferido no livro de Obadias e cuja sentença seria inexoravelmente cumprida sobre os descendentes de Esaú.

Não é possível não tremer um pouco por dentro ao pensar no Deus Todo-poderoso dizendo a alguém as palavras: “Você não devia ter feito isso” ― especialmente se o imaginamos dirigindo tais palavras a nós. O fato é que Deus se importa com o que pensamos e fazemos. Ele quer que as pessoas ajam conforme a justiça e a retidão e não segundo seus impulsos e paixões. Até mesmo os sentimentos internos são levados em conta pelo Senhor, pelo que somos instruídos: “Quando cair o teu inimigo, não te alegres, e não se regozije o teu coração quando ele tropeçar” (Pv 24.17). Se isso vale para sentimentos íntimos, muito mais para ações externas cheias de arrogância, zombaria e maldade: “Não multipliqueis palavras de orgulho, nem saiam coisas arrogantes da vossa boca; porque o SENHOR é o Deus da sabedoria e pesa todos os feitos na balança” (1Sm 2.3). O mesmo raciocínio se aplica a todos os nossos atos, de modo que o servo de Deus, agraciado por seu amor e pela salvação que recebeu por meio de Jesus, deve ter como alvo jamais ouvir seu Senhor lhe dizer: “Você não devia ter feito isso”. Essa deve ser nossa meta e nossa luta diária.

Pr. Thomas Tronco

 Voltar


[1] The NET Bible, First Edition. Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006 [Ob 12, nota 58].

[2] Brown, Francis; Driver, S. R.; Briggs, Charles. Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon. Oak Harbor, WA: Logos Research Systems, 2000, p. 970.

[3] Baker, David W.; Alexander, T. Desmond; Sturz, Richard J. Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias: Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 44.

Este site é melhor visualizado em Mozilla Firefox, Google Chrome ou Opera.
© Copyright 2009, todos os direitos reservados.
Igreja Batista Redenção.