Salmo 31 - Os Olhos Atentos de quem Ora
Uma revista científica, certa vez, citou um acontecimento interessante na vida de Albert Einstein. De acordo com a publicação, desejoso de entender melhor os terremotos, Einstein visitou, na Califórnia (EUA), um famoso professor chamado Geno Gutemberg, chefe da cadeira de Sismologia de uma universidade. Einstein fez ao professor muitas perguntas sobre a ciência dos terremotos enquanto caminhavam pelo campus do California Institute of Technology (Instituto de Tecnologia da Califórnia). A conversa prosseguiu até que outro professor interrompeu os estudiosos e eles perceberam que havia pessoas correndo para longe dos prédios por causa de um forte terremoto. Por incrível que pareça, a conversa sobre as teorias dos terremotos estava tão animada que os cientistas não notaram, sob seus pés, um dos maiores terremotos que já ocorreram em Los Angeles.
Quisera eu dizer que acontecimentos como esse estão apenas nas publicações sobre personalidades. Na verdade, eu mesmo, muitas vezes, deixo passar despercebidas coisas importantes que deveriam ter minha máxima atenção. Muitos de nós, de fato, com os olhos fixados em um gosto, um afeto, uma prioridade, uma situação, uma notícia ou um sofrimento, deixamos de notar fatos gritantes à nossa volta e acabamos por ser penalizados pela desatenção. O que acontece no nosso dia a dia também ocorre, por vezes, nas nossas orações. Prestamos atenção a cada dificuldade que temos a fim de levá-las, em oração, ao Senhor. Mas, diante das respostas divinas, deixamos de notar sua graça e nem sequer agradecemos ao livramento que, com muito amor, nos concede.
Nesse aspecto, um bom exemplo a ser perseguido e imitado é o de Davi. Sua atenção à graça de Deus, exposta no Salmo 31, deve nos ajudar a valorizar as benesses de Deus e louvá-lo sempre pelo bem que nos faz. O salmo em questão parece ser dividido em duas partes. A primeira (vv.1-18), que faz coro com a maioria dos salmos anteriores, trata de pedidos a Deus devido aos problemas enfrentados pelo salmista. Entre eles, Davi pede a Deus proteção contra homens que lhe armam ciladas, contra a tristeza que lhe invadiu o coração e contra o sentimento de ser desprezado pelos homens, incluindo alguns dos seus próprios amigos. Entretanto, apesar de situação tão triste e opressora, os vv.19-24 parecem demonstrar que a oração dos vv.1-18 foi atendida por Deus. O Senhor o ouviu e, agora, o salmista, que notou a mão de Deus agindo, o agradece efusivamente. Desse modo, podemos observar, nos vv.19-24, cinco livramentos do Senhor.
O primeiro livramento é dos opressores. O v.19 é uma virada de tom no salmo. Enquanto na primeira parte Davi está desanimado e preocupado com os rumos da sua vida, esse verso é uma explosão de alegria: “Quão grande é a tua bondade que tu reservaste para os que temem a ti” (mâ rav-tôveka ’asher-tsafanta lîre’eyka). Na sequência, o v.20 não deixa sem explicação tamanha exultação: “Das armadilhas dos homens, tu os ocultas no esconderijo da tua presença; de línguas briguentas, os escondes em um refúgio,” (tastîrem beseter paneyka meruksê ’îsh titspenem besukâ merîv leshonôt). Davi insiste na figura do “esconderijo”. É como se seus perseguidores o procurassem para matar e Deus ocultasse Davi dos olhos deles. Se aplicarmos essa figura ao reino animal, surge-nos a imagem de uma ave escondendo debaixo de suas asas seus filhotinhos indefesos (ver Sl 17.8; 57.1; Mt 23.37). Essa é a comparação do que Deus fez a Davi guardando-o dos opressores, motivo pelo qual o salmista o louva.
O segundo livramento é do desespero. O v.21 fala da ação de Deus para com Davi “em uma cidade sitiada” (be‘îr matsôr). Essa é uma ocorrência difícil de reconhecer na história de Davi, pois não há relatos que apontem nessa direção. Enquanto alguns estudiosos propõem se tratar do ataque amalequita a Ziclague, cidade refúgio de Davi quando Saul ainda era rei, outros sugerem a cidade de Maanaim, para onde Davi fugiu de Absalão – lembramos que Davi não estava em Ziclague quando foi atacada (1Sm 30.1-3) e que a batalha de Maanaim se deu no campo, sem que a cidade fosse cercada (2Sm 17.24-26; 18.6-8). De qualquer modo, tendo experimentado Davi um cerco ou não – talvez, ele apenas compare sua situação à de uma cidade sitiada –, a ideia do cerco está presente e nos transmite os sentimentos de quem está dentro dele. Uma cidade sitiada era um lugar de onde ninguém saía e em que não chegavam alimentos, água ou reforços; ali, as pessoas que estavam refugiadas aguardavam a morte pelas espadas do exército invasor ou pela inanição quando acabavam os alimentos. Era uma situação desesperadora. As pessoas costumavam perder a esperança e fazer coisas terríveis como matar e comer seus próprios filhos (2Rs 6.24-30) ou tirar suas vidas. Diante de uma situação desesperadora como essa, Davi afirma: “Ele engrandeceu a sua misericórdia para comigo” (hiflî’ hasdô lîî). Independente de que circunstâncias retumbem na memória do salmista, ele, quando esteve sem esperanças, viu a mão misericordiosa do Senhor o consolar, fazer-lhe suportar a dor e dar-lhe paciência até que viesse o alívio do sofrimento.
Em terceiro lugar, Deus livrou Davi do engano. Houve um tempo em que Davi, diante de tantos problemas e sem refletir muito (v.22), chegou a uma conclusão errada: “E, na minha precipitação, eu disse: fui excluído de diante dos teus olhos” (wa’nî ’amartî behaftî nigraztî minneged ‘êneyka). Essa é, de fato, uma conclusão equivocada que é fruto da precipitação muito comum dos momentos de crise. Frequentemente, nesses casos, tiramos conclusões erradas. Entretanto, Deus trouxe à tona a realidade a fim de tranquilizar Davi, não o deixando perecer diante do que nem sequer existia. Assim, depois de relatar sua conclusão temerária, Davi revela: “Certamente ouviste a minha voz suplicante durante meu grito a ti por socorro” (’aken shama‘ta qôl tahanûnay beshû‘î ’eleyka). Essa é a demonstração de que Deus nem tinha abandonado Davi, nem ignorava suas orações, nem tampouco desejava que ele guardasse tal sentimento.
O quarto livramento é da injustiça. O sofrimento de Davi, ao ser perseguido, era intenso. Porém, havia uma característica dessa perseguição que a tornava ainda pior: o fato de ela ser injusta, ou seja, sem que Davi tivesse feito nada que merecesse ser perseguido. O ciúme de Saul e a ganância de Absalão foram as causas de Davi ter de fugir do seu próprio povo, das próprias pessoas a quem ele amava. Receber ataques imerecidos é algo que nos entristece e nos deixa indignados. Entretanto, o salmista parece ter percebido que havia um juiz maior que os homens que traria à luz a verdade e puniria o que realmente era mal, sem dar ouvidos a acusações infundadas e falsas. Por isso, Davi descansa ao dizer (v.23): “O Senhor protege os fiéis, mas retribui com juros os que agem soberbamente” (’emûnîm no‘er yehwâ ûmeshallem ‘al-yeter ‘oseh ga’awâ). Portanto, ainda que os ímpios nesse mundo acabem por tirar vantagem dos outros e oprimir os aflitos, o Senhor não permitirá que tal situação seja permanente.
Finalmente, o Senhor livra seus servos do desânimo. Algo sempre presente em situações problemáticas é o cansaço. Para algumas pessoas ele vem logo, enquanto, para outras, demora um pouco mais. Contudo, cedo ou tarde, todos os que são perseguidos, que passam por lutas e que se veem desamparados, acabam por sentir um forte desânimo e o desejo de desistir da luta. Entretanto, a esperança em Deus age como um revigorante. Seu amor sustenta seus filhos e lhes dá um novo ânimo que é estranho aos que andam longe do Senhor. Davi deve ter sentido tal ação vinda do alto e a proclama aos que estão ao seu redor, dizendo (v.24): “Fortalecei-vos e animai o vosso coração” (hizqû weya’amets levavkem). Essa ação está além dos conselhos dos livros de auto-ajuda, pois é dito a um grupo bem definido: “Todos os que confiam no Senhor” (kol-hamyahalîm layhwâ). As mãos do Senhor são as promotoras desse livramento.
Que lição para nós! Em meio a tantos problemas e a tanto sofrimento, Davi conseguiu ver a mão de Deus agindo a seu favor e o livrando do mal. Seus olhos estavam atentos a isso porque seu coração estava ligado ao Senhor. Ele orava a Deus e permanecia atento às respostas do seu Senhor. Que o nosso mais profundo anseio seja o de sempre notar a atuação e a bondade do nosso Deus, ainda que os “terremotos” da vida estejam sob nossos pés! E que, fruto dessa visão, sejamos fortalecidos e consolados por andarmos sob as asas daquele que é o Senhor do universo e o protetor dos que o buscam!
Pr. Thomas Tronco