Quinta, 05 de Dezembro de 2024
   
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Salmo 15 - Quem Está do Meu Lado?

 

Sempre gostei de história e ainda gosto. Quando tenho algum tempo livre ou quando preciso desligar minha mente da rotina e das dificuldades do cotidiano, gosto de ler sobre história. Recentemente,dediquei-me a conhecer um pouco de uma época triste da história brasileira: a ditadura militar. Quando digo triste, não penso unilateralmente. Refiro-me, por um lado, a assaltos, assassinatos e atitudes terroristas em nome de uma liberdade negada pelos próprios atos dos seus reclamantes e, por outro lado, os maus tratos e morte de centenas de pessoas em nome da ordem nacional até que a tortura, meio de extrair informações, passasse a uma finalidade sádica sem qualquer outra razão.

No meio dessa luta entre resistência e repressão, muitas foram as pessoas que tiveram de sair do País sem poder voltar até que ocorresse a famosa anistia, muito comentada ainda hoje. É dessa época a frase “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Em resumo, a presença em território nacional não era realmente um direito de todos, mas daqueles que se enquadrassem nos interesses da liderança ditatorial do País. Assim, se alguém fosse um questionador do governo e das leis autoritárias, um líder de alguma entidade pró liberdade política e de expressão, um artista engajado na resistência ao governo ou até um intelectual contestador, esse era um franco candidato a perder o direito de habitar no seu país natal, o Brasil.

Davi também teve experiências de exílio, tanto no último terço do reinado de Saul como nos dias do golpe de Estado de Absalão. O Salmo 15 parece ter sido escrito exatamente durante um exílio. Não um exílio qualquer, mas sim da cidade de Jerusalém – o que coloca o golpe de Estado de Absalão como a época de escolha para a composição do salmo. O motivo para tal suposição é a pergunta que Davi faz: “Senhor, quem residirá com o teu tabernáculo? Quem habitará no teu santo monte?” (yehwâ mî-yagûr be’ahaleka mî-yishkon behar qadsheka).

Apesar de eu já ter ouvido várias vezes se tratar a expressão de uma “habitação celestial”, é muito provável que Davi fizesse referência a algo bem mais específico e próprio da sua experiência: a habitação em Jerusalém. Nessa cidade, conquistada e tornada sede do reino pelo próprio rei Davi (2Sm 5), estava o “tabernáculo” que ele erigiu para trazer a arca da aliança de seu exílio desde os dias do sumo sacerdote Eli (1Sm 4) e estava, também, o monte Sião, frequentemente denominado “monte santo” (Sl 2.6; 48.2; Jl 2.1; 3.17; Ob 17; Zc 8.3). O problema de Davi, no Salmo 15, parece ser: quem tem direito a habitar em Jerusalém, no monte santo de Deus e próximo ao tabernáculo do Senhor? As duas respostas naturais envolvem o próprio Davi e seus servos leais em contraposição a usurpadores dos seus direitos, possivelmente Absalão e os conspiradores que o acompanhavam.

De modo muito interessante, Davi não perde tempo defendendo seu direito real, mas oferece o caráter de Deus como fator de separação entre os homens bons e os maus e como causa da habitação daqueles a quem ele escolhe segundo sua vontade santa, a qual defende os que lhe pertencem. O que o salmista afirma é que, nessa disputa por Jerusalém e pelos fatores ligados a essa habitação, Deus faria vencer aquele cujo caráter se adequasse ao daqueles que o servem e o buscam. Desse modo, Davi oferece cinco características do verdadeiro servo do Senhor, todas elas ligadas ao seu caráter.

Assim, aquele que é beneficiário do Senhor é “o que anda honradamente” (hôlek tamîm). Uma outra designação para o próprio termo que traz um sentido mais amplo do que Davi quer transmitir é “aquele que anda irrepreensivelmente”. Isso faz com que ele “aja com justiça” e “fale a verdade em seu coração”. É uma pessoa de bem que não deixa que a malícia o conduza.

Ele também “não difama com sua língua” (lo’-ragal ‘al-leshonô) no sentido de não ser como aquelas pessoas que, por meio de fofocas, mentiras e afirmações dúbias, mancham a reputação de outras pessoas. É como alguém dizer: “Tal pessoa me preocupa muito” e, interrogado pelos ouvintes sobre o motivo da preocupação, responder: “Não pergunte, pois não quero dizer nada que falte com a ética”, como se ética fosse levantar nuvens injustificadas sobre a reputação de alguém.

A terceira característica do beneficiário de Deus é dupla: Ele “despreza com seus olhos o réprobo e honra os que temem ao Senhor” (nivzeh be‘ênayw nim’as we’et-yir’ê yehwâ yekavved). Ele não bajula os que agem mal, mesmo que outros interesses estejam em jogo. O relacionamento das pessoas com Deus é o que define o seu relacionamento com elas. Enquanto ele se afasta dos iníquos, suas palavras a respeito dos justos são de aprovação e apoio. Em resumo, ele está do lado dos que seguem a Deus e não dos pecadores, bajuladores e hipócritas.

Tal homem também “jura para o seu próximo e não muda” (nishba‘ lehara‘ welo’ yamir). Sua palavra é confiável e não depende das circunstâncias. Em uma expressão moderna, tal homem não “dança conforme a música”. Ele empenha sua palavra e, ainda que leve prejuízo, ele a cumpre. Seus amigos têm nele um ponto de apoio com a certeza de que sabem quais serão suas atitudes mesmo quando a situação for difícil. Ele tem crédito quando diz algo.

Finalmente, esse homem “não empresta seu dinheiro com ganância, nem recebe suborno contra o inocente” (kaspô lo’-natan beneshek weshohad ‘al-naqî lo’ laqah). O dinheiro para ele não é tudo e não é capaz de fazê-lo agir de forma questionável como explorar uma pessoa que passa por dificuldades. Nem tampouco tomar partido de alguém, não porque esteja certo, mas porque tem dinheiro e pode beneficiá-lo. Na verdade, esse homem não tem atitudes diferentes para com ricos e pobres.

Segundo Davi, esse homem honrado, não maldizente, a favor dos bons, confiável e não ganancioso, “nunca será abalado” (lo’ yimmôt le‘ôlam). É claro que essas características não são o motivo da graça divina, mas resultado da ação de Deus sobre os seus. O fato é que Davi vê nos beneficiários de Deus, seus servos, pessoas que têm características compatíveis com seu Senhor. Esses, diante das perseguições e das injustiças, têm a certeza de contarem com o Senhor e terem-no ao seu lado para os defender.

Portanto, a descrição do servo de Deus é útil para cada um avaliar sua própria condição espiritual e perceber se é ou não um beneficiário do Senhor. E, claro, saber que o único modo de sê-lo é pela fé no Senhor Jesus Cristo (Jo 1.12; 3.16; At 4.12). Aos que já lhe pertencem, contudo, cabe-lhes agora amoldarem-se ao seu caráter sabendo que o Senhor lhes é favorável e sempre o será por toda a eternidade, onde terão, de fato, uma habitação celestial com aquele que os salvou e permanece hoje ao seu lado.

Pr. Thomas Tronco

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