O Pecado do Eufemismo
Porém, abandonando meu preconceito com o vestuário dos nossos dias, parece que a cultura do eufemismo adentrou os círculos evangélicos sem muito esforço. De um lado, vale lembrar que a Bíblia utiliza expressões desse tipo quando se refere à morte de alguém (1Co 11.30) ou mesmo à relação sexual (Gn 4.1 — “conheceu”, nas versões mais antigas). Ou seja, não há nada intrinsecamente errado nesse recurso linguístico. Entretanto, o modo como o povo de Deus tem aplicado eufemismos para lidar com seus pecados é assustador e perigoso. Faço, portanto, três considerações a respeito do assunto.
Em primeiro lugar, é fundamental entender que a Escritura nunca ameniza a carga densa do pecado quando se refere a ele. Aliás, por vezes, até acentua sua malignidade e grau de depravação (Ez 23). Pecar, portanto, não é simplesmente “cair” ou “ter cedido”, como muitos jovens têm falado ao relatar seu envolvimento recorrente com pornografia. Não se trata de um “acidente” ou um “lapso”: é uma ofensa direta a Deus, o qual é totalmente santo e, em seu justo caráter, não pode tolerar o pecado (Is 6.3-5).
Assim, quando o crente utiliza eufemismos para descrever sua conduta pecaminosa, diminui a malignidade do seu ato, barateia a santidade e a graça de Deus, baixa sua guarda na luta contra a iniquidade e provoca uma simpatia vitimista em quem o escuta. A curto prazo, o efeito disso é a cauterização da consciência e a entrega cada vez mais intensa à devassidão.
Em segundo lugar, a psicologia tem prestado um desserviço à fé cristã há décadas, desde quando, deliberadamente, passou a chamar pecados de “distúrbios”. Gula passou a ser tratada como “distúrbio alimentar”; vício em jogos eletrônicos passou a ser chamado de “distúrbio de games”; roubo assumiu a forma de “cleptomania”. Assim, todas as possíveis expressões de falta de domínio próprio receberam um termo clínico com o único objetivo de levar os obstinados a buscar por “tratamento” e não por “arrependimento”.
Com isso, o trabalho pastoral, a educação de filhos e a própria autoridade e relevância da Escritura são colocados sob ameaça dos eufemismos sociais. Trata-se de uma forma sutil de, pela linguagem, reprogramar a mente das pessoas a fim de retirar a realidade ofensiva do pecado e vitimizar o obstinado. Além disso, os púlpitos pastorais se veem sempre “pisando ovos”, tendo receio de ofender qualquer “doente” com as claras exortações da Bíblia. Por isso, os pregadores precisam de ousadia profética e conhecimento bíblico.
Em terceiro lugar, os eufemismos pecaminosos da geração presente destroem os alicerces morais das próximas gerações. Atribui-se a John Wesley (1703-1791) a seguinte frase: “O que uma geração tolera, a próxima irá abraçar”. Não é difícil perceber a veracidade disso. Quando o adultério passou a ser chamado de simples “caso extraconjugal”, “pular a cerca” ou “aventura sexual”, a visão matrimonial das próximas gerações foi extremamente comprometida.
Além das piadas feitas com o assunto pela Internet, existem também sites que auxiliam o adúltero em seu pecado. Muitas mulheres já veem como “normal” que os homens tenham relações extraconjugais e a própria mídia dá ao tema cores de comédia, suspense e naturalidade. É claro que a questão vai muito além de eufemismos. O fato é que a linguagem sempre foi (e ainda é) uma ferramenta poderosa para a mudança social.
Assim, ao olhar para a terminologia bíblica e para os efeitos terríveis do que foi tratado acima, o crente jamais deve retocar as negras matizes do pecado com o giz de cera do eufemismo. Isso constitui negligência e omissão na tarefa de pregar o puro evangelho, caracteriza-se como ofensa à absoluta santidade de Deus e compromete a consciência cristã, dando espaço para uma vida obstinada e libertina.
Portanto, quando o assunto é pecado, a postura correta é mostrar o quão feio, absurdo, irracional e maligno é a rebeldia contra Deus. Não se trata de algo “diferente”, mas sim de algo absolutamente reprovável. O problema, porém, é que esta fala, certamente, nunca estará “na moda”.
Pr. Níckolas Ramos
Coram Deo