Segunda, 09 de Dezembro de 2024
   
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O Pintor e o Feiticeiro

Pastoral

“Ó gálatas insensatos! Quem vos fascinou a vós outros, ante cujos olhos foi Jesus Cristo exposto como crucificado” (Gl 3.1).

O apóstolo Paulo estava indignado! Fazia tão pouco tempo que ele fundara as igrejas da Galácia e, mal se despedira, elas já estavam acolhendo as lorotas dos falsos mestres. Estes, legalistas como eram, ensinavam que, para ser salvo, o homem tinha de se circuncidar e observar os preceitos da Lei de Moisés, especialmente a guarda rigorosa de certos dias “santos”.

Inconformado com esse estado de coisas, o zeloso apóstolo escreveu a Carta aos Gálatas, por volta do ano 48, tendo em vista as igrejas de Icônio, Listra, Derbe e, talvez, Antioquia da Pisídia. Essa foi, provavelmente, a primeira epístola de Paulo, sendo repleta de doutrinas essenciais e emoções fortes.

Emoções fortes são fáceis de ser percebidas no versículo em destaque. Paulo está tão irritado com o erro dos gálatas que chega a chamá-los de “insensatos”, um termo forte que, no sentido original, descreve a pessoa estúpida, que não tem nada na cabeça. E o apóstolo não para por aí. Ele também diz que os gálatas tinham sido “enfeitiçados”. Isso mesmo! A palavra que ele usa nesse ponto, o verbo baskaíno, significa “exercer má influência”, mas seu sentido dominante é “enfeitiçar”.

Note bem: isso não quer dizer que os falsos mestres tinham feito uma “macumbinha” para os gálatas ou usado alguma forma de hipnose no trato com eles. O que Paulo está dizendo é que os tais falsos mestres tinham exercido uma influência tão forte sobre aqueles crentes que eles ficaram encantados, com a mente anestesiada, seguindo boquiabertos e sem pensar nas bobagens ensinadas pelos pastores mentirosos.

Paulo prossegue e, ainda nervoso, afirma que os gálatas eram pessoas “ante cujos olhos foi Jesus Cristo exposto como crucificado”. Os termos gregos usados pelo apóstolo nessa frase sugerem a ideia de que o evangelho tinha sido apresentado aos leitores de forma gráfica, como um desenho ou como um cartaz usado numa proclamação pública. Ampliando (e atualizando) essa ideia, pode-se dizer que era como se Paulo tivesse desenhado o evangelho aos galateus ou pregado para eles usando um flanelógrafo, expondo-lhes a mensagem de forma simples e clara como o dia.

Isso só piorava a situação dos leitores, pois o erro deles não podia ser atribuído à falta de ensino ou à ministração obscura da Palavra. Absolutamente! Na verdade, o erro dos leitores tinha somente eles próprios como responsáveis. O fato é que os galateus tinham ouvido um ensino livre de complicações. Paulo quase havia desenhado a cruz diante deles. Porém, mesmo assim, aqueles novos convertidos entregaram-se a um estado de dormência mental e, como tolos enfeitiçados, deram ouvidos a quem lhes expunha somente mentiras. Que decepção!

Considerando tudo isso, a primeira conclusão a que se chega é que o legalismo encanta e fascina, levando o crente imaturo a não raciocinar direito e tornando-o incapaz de preservar em sua mente as verdadeiras implicações do evangelho. Por que o legalismo tem esse “poder”? É provável que essa proposta “enfeitice” tão facilmente os evangélicos imaturos porque o coração humano sente atração especial pela ideia de que pode fazer algo por sua própria salvação.

Sim. Para o ser humano, a doutrina da justificação pela fé somente é humilhante demais, pois traz implícita a verdade da nossa incapacidade e comprova que nossos atos de justiça não valem nada como moeda de troca diante de Deus. Já o legalismo proclama o contrário disso tudo e essa talvez seja a causa de ser tão sedutor, chegando ao ponto de fazer a pessoa esquecer tudo que aprendeu e levando-a a viver sob o jugo pesado de regras infrutíferas. Eis aí uma possível razão por que muitas pessoas se associam a igrejas e até seitas cheias de preceitos legais, passando a guardar dias, evitar certos alimentos e cumprir várias normas. Essas pessoas foram “enfeitiçadas” por pastores ruins. Além disso, são insensatas e, tendo a “cabeça oca”, afastaram-se do evangelho.

Outra conclusão a que se chega, a partir do versículo em questão, é ligada à teologia e à prática do evangelismo. Note-se que o texto em destaque indica que a tarefa de evangelizar deve ser feita com clareza absoluta, simplicidade e vivacidade, como se a mensagem fosse desenhada. O texto indica também o tema central dessa mensagem, isto é, a cruz.

Assim, o evangelista deve, além de falar com clareza e objetividade, destacar o que Cristo realizou no Calvário, realçando a singularidade e suficiência dessa obra. Devaneios vazios, elucubrações infrutíferas, discussões filosóficas, críticas religiosas, explicações complexas, nada disso deve estar presente enquanto o bom evangelista realiza a sua tarefa. Antes, seu trabalho deve ser o de um pintor que, com cores vivas e desenhos bem definidos, pinta o seu belo quadro diante dos olhos de quem assiste a ele.

Nada disso, porém, dará garantias de sucesso. O pintor pode ser hábil, mas os feiticeiros são sagazes. Além disso, o povinho tende a gostar mais do feitiço tosco do que da arte de alto nível. Não foi, pois, à toa que Paulo ficou tão irritado.

Pr. Marcos Granconato

Soli Deo gloria

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