Diferenças entre Igreja e Israel
É muito comum os crentes confundirem a identidade e os limites dos termos “Igreja” e “Israel”. As perguntas que se fazem nesse sentido são muitas e as respostas a elas nem sempre são acertadas conforme o que a Bíblia realmente ensina.
A primeira confusão é supor que o termo Igreja engloba todos os salvos da história. Isso não é verdade. Jesus, durante seu ministério terreno, independente das pessoas que foram salvas por Deus antes daqueles dias, trata a Igreja como algo que ele ainda formaria (Mt 16.18), da qual o fundamento seria formado pelo ensino e pelo ministério dos apóstolos e profetas do NT (Ef 2.20). A distinção entre o Israel natural e a Igreja revela que não são a mesma entidade (1Co 10.32; Gl 6.16). O termo “Israel natural” pretende aqui descrever os israelitas de sangue, muitos do quais permanecem na incredulidade. A partir do Pentecostes, os israelitas que creem passam a fazer parte da igreja.
A Igreja, portanto, é formada pelos salvos que compuseram o corpo dos salvos em Atos 2 e daí por diante. Os salvos do Antigo Testamento, por sua vez, foram salvos do mesmo modo que os do NT (pela fé em Deus e em suas promessas de Redenção, segundo a graça do Senhor) e fazem parte de um único grupo de salvos e redimidos, mas não recebem a designação de Igreja, pois essa tem sua função a partir do NT. Em outras palavras, todos os integrantes da Igreja “verdadeira” são salvos, mas nem todos os salvos da história fazem parte do grupo denominado como Igreja (aliás, os “salvos” formam um grupo maior que vai desde o salvo Abel até o último salvo da história futura).
A segunda confusão é achar que o chamado de Israel envolvia a salvação de cada um dos seus membros, assim como acontece com a Igreja. Isso também não é verdade. Enquanto cada integrante da Igreja verdadeira é adicionado a ela por meio da conversão e redenção, o chamado de Israel por Deus teve um caráter instrumental que trabalha com o povo como um todo, incluindo judeus salvos e não salvos. O chamado de Israel como povo não coincide com o chamado para a salvação. Dentro de Israel há, sim, salvos que, pela redenção, foram introduzidos no mesmo grupo de salvos que engloba os redimidos de antes de Abraão, os judeus e alguns gentios que se converteram durante os dias de Israel no AT, a Igreja verdadeira que surge a partir do NT e os salvos dos dias escatológicos. Mas nem todo judeu foi convertido. Do mesmo modo que a Igreja parece ser uma minoria no mundo perdido, o AT dá pistas de que o número de judeus convertidos a Deus por meio da fé foi menor que o número dos judeus incrédulos, razão dos duros juízos temporais de Deus. Vale lembrar que os judeus do AT convertidos fazem parte do grupo dos salvos de toda a história, mas não fazem parte da Igreja neotestamentária.
A terceira confusão é pensar que a Igreja é identificada agora como Israel. A confusão, dessa vez, é pensar, apoiado nos enganos anteriores, que a Igreja substituiu Israel. Isso também não é verdade. Esse engano se esquece que, enquanto Israel tem uma função instrumental dada por Deus, a Igreja também tem uma que é ligada à sua existência e sua identidade. Os salvos de toda história formam “apenas um grupo” (que engloba tanto os israelitas crentes como os remidos da igreja de Cristo), mas Israel e igreja ocupam “funções históricas distintas” dentro do plano de Deus, de modo que um não pode ser identificado como o outro, nem assumir o lugar instrumental do outro.
Assim, a Igreja é distinta de Israel e teve seu início apenas no Pentecostes. Nesse sentido, o texto de Romanos 11 mostra não apenas a distinção entre a Igreja e Israel, mas o plano de Deus para cada um deles. Veja a síntese do capítulo:
· Deus não rejeitou definitivamente Israel (v.1);
· Deus sempre reserva um remanescente fiel em Israel (2-4);
· Pela graça Deus mantém o remanescente (5-6);
· O pequeno remanescente foi eleito enquanto a grande maioria de Israel foi endurecida (7-10);
· Foram rejeitados temporariamente para que os gentios fossem alcançados (11);
· Como sua transgressão redundou em bênção, assim será quando forem “plenos” (12);
· Enquanto Israel está afastado, um pequeno número crê na pregação (13-14);
· Previsão do restabelecimento de Israel como fonte de bênçãos (15);
· Israel é comparado a ramos naturais quebrados e a igreja é comparada a ramos de fora da oliveira (ramos de oliveira brava) que são enxertados (16-17);
· Os cristãos gentios não devem desprezar Israel (18-20);
· Israel caído é ainda chamado de “ramo natural” em contraste com a igreja, “oliveira brava” (21);
· Dispensações diferentes para Israel e a igreja (22);
· Está aberta a via necessária para o retorno de Israel (23);
· Declaração de que a igreja tem uma origem descontinuada com Israel (foi enxertada contra a natureza vindo de uma fonte de outro tipo) e o prenúncio da restauração futura de Israel que, como o ramo natural, será enxertado novamente na videira de onde foi cortada (24).
· O endurecimento de Israel durará até o final do tempo da igreja gentílica (25).
· Depois disso, todo o Israel será restaurado (26);
· A nova aliança com Israel (Jr 31.31-34) é a garantia do seu perdão (27);
· O amor e a eleição de Deus sobre Israel são perpétuos devido às promessas “irrevogáveis” de Deus (28-29);
· O processo de salvação aplicado à igreja na atualidade será também aplicado a Israel no futuro (30-32);
· Esse plano de atuação de Deus (endurecer Israel para conceder graça aos gentios e, depois de completado o tempo da igreja, voltar a conceder graça a Israel e o restaurar) é algo misterioso e maravilhoso que não podemos compreender plenamente, mas, por ele, glorificamos a Deus (33-36).
As conclusões a que podemos chegar, de modo resumido, são as seguintes:
· Há apenas um grupo de salvos, o qual compreende os salvos de antes de Abraão, os salvos de Israel e dos gentios dos dias de Israel no AT, os salvos de todos os povos e nações introduzidos na igreja de Cristo e os salvos dos dias escatológicos, ou seja, até a última pessoa da história a ser salva. Um grupo de salvos apenas, todos salvos pela graça de Deus, todos por meio da fé (cf. Hb 11). Ainda assim, Deus se utiliza, ao longo da história, tanto de Israel como da Igreja de maneiras distintas na execução dos seus propósitos no mundo.
· A Igreja verdadeira é formada apenas por salvos, enquanto Israel é um povo com salvos e não salvos, de modo que Igreja e Israel são dois grupos distintos no uso por Deus ao longo da história.
· Apesar de a Igreja verdadeira ser formada apenas por salvos, o termo Igreja não é usado nas Escrituras para designar todos os salvos da história.
· Deus não tem mais de um grupo de salvos (o povo salvo de Deus). Mas ele lança mão, durante a história, na administração de seus propósitos, de povos distintos como o “povo de Israel” (que inclui judeus salvos e não salvos) e a Igreja verdadeira e invisível de Cristo, formada apenas por salvos. Assim, chamar Israel de “povo de Deus” não tem o mesmo significado de quando se refere aos salvos como o “povo de Deus”. Cada uma dessas expressões, aplicada distintamente a cada grupo, tem limites diferentes em seu significado.
Pr. Thomas Tronco