Novos Tempos, Velhos Pecados
“Ai dos que se levantam pela manhã e seguem a bebedice e continuam até alta noite, até que o vinho os esquenta! Liras e harpas, tamboris e flautas e vinho há nos seus banquetes; porém não consideram os feitos do Senhor, nem olham para as obras das suas mãos” (Is 5.11-12).
Isaías é um profeta surpreendente quando se considera sua atualidade. Sempre fico impressionado com suas denúncias, tendo a impressão de que ele escreveu alguns de seus textos hoje pela manhã, depois de ler o jornal.
Com efeito, o notável profeta denuncia severamente as falsas religiões, a corrupção da fé verdadeira, a exploração dos fracos pelos fortes, a associação dos governantes com ladrões, o cenário político marcado por corrupção e suborno e a desintegração da sociedade por causa do pecado e do abandono da Palavra de Deus — tudo igualzinho ao quadro que vemos nos nossos dias, no Brasil e no mundo. A diferença é que, sendo Israel o povo da aliança, havia a “garantia” expressa, dada por Deus, de que todos esses erros seriam punidos de forma violenta. E isso não aconteceria na vida pós-morte (pelo menos não somente), mas na vida presente, com fome, miséria, doenças e exílio.
De fato, estudando a história bíblica, aprendemos que Deus cumpriu literalmente suas promessas de castigo, e tanto Israel como Judá sofreram as agruras do exílio, tornando-se escravos miseráveis de nações estrangeiras.
Nossa nação não tem nenhuma aliança com Deus (infelizmente) e, por isso, não precisa ter a certeza de que vai passar por algum exílio literal e histórico devido à sua maldade, pecado e desprezo pela Palavra (felizmente). Contudo, vendo o que ocorreu com o antigo Israel, nosso povo pode adquirir alguma noção do quanto o Senhor odeia o modo como o incrédulo vive hoje. Afinal, como eu disse, praticam-se atualmente os mesmos pecados que fizeram os israelitas serem punidos severamente por Deus nos dias do AT.
É verdade que, quando se fala dos desvios de Israel denunciados por Isaías e outros profetas, muitos deles são tremendamente repudiados pelas pessoas da nossa sociedade. Por exemplo: a corrupção das autoridades políticas, sua associação com criminosos, a hipocrisia de líderes religiosos e o desprezo pelos pobres deixam nosso povo extremamente enojado, querendo que tudo isso seja punido e que essas práticas desapareçam para sempre dos nossos noticiários.
No entanto, ao que se sabe, os profetas do AT não atacaram essas práticas por que eram meros reformadores sociais ou urbanos. Eles atacaram essas práticas porque elas representavam descaso pela Palavra de Deus revelada a um povo com o qual ele havia estabelecido um pacto. Basicamente, o que os profetas atacavam era o desprezo pelas prescrições da aliança — o virar as costas para o que Deus havia dito. Era isso que estava na raiz de suas denúncias e não somente o desejo de viver numa sociedade mais justa.
Quando se leva isso em conta, quando se nota que o erro básico de Judá era o desprezo pela Palavra, então é possível perceber mais nitidamente que Isaías não atacava somente males sociais e políticos. Tendo como base e impulso para suas denúncias o inconformismo com o desprezo pela Bíblia, ele atacava também o modo de vida dos indivíduos — um modo de vida totalmente indiferente ao Senhor, à sua vontade e aos seus feitos.
Ora, esse lado das denúncias dos profetas não desperta a indignação da nossa nação. Muito pelo contrário. Em termos de comportamento, nossa gente é caracterizada por pessoas que, em seus tempos de lazer, bebem de manhã até a noite, entregam-se à farra em festas indecentes e “não consideram os feitos do Senhor, nem olham para as obras das suas mãos”, tudo do jeitinho exato descrito por Isaías no texto que encabeça este artigo.
Assim, no fim das contas, quando se olha para a realidade nacional presente, nota-se que não há quem fique fora da condenação dos profetas. Políticos, autoridades, líderes religiosos e o povo em geral estão todos debaixo do guarda-chuva do desagrado de Deus. O exílio e a miserável escravidão, é verdade, podem até não vir, já que não estamos sob uma aliança nacional com Deus (os castigos do nosso povo virão de outras formas aqui e no além). Porém, olhando para a história israelita e para a Palavra revelada, podemos ter certeza de que o Senhor vê nossa gente com intensa reprovação. Talvez, no coração dele, uma das maiores blasfêmias seja dizer que “Deus é brasileiro”.
O que se pode esperar disso tudo? Os judeus piedosos, sob a aliança mosaica, podiam esperar um retorno do povo à fidelidade, o que seria acompanhado de restauração nacional. E nós? Nós, fora de uma aliança assim, só podemos trabalhar para que nossa gente conheça “o sangue da Nova Aliança”, o sangue de Cristo derramado para o perdão dos pecados e para a reconciliação do homem com Deus. Se algum dia nosso povo conhecer esse perdão, havendo aqui um avivamento real em larga escala, então, sim, talvez testemunhemos mudanças reais na sociedade corrupta em que vivemos. Do contrário, pouco ou nada se pode esperar.
Pr. Marcos Granconato
Non nobis Domine