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Eclesiastes 2.12-17 – O Destino dos Sábios e dos Tolos

 

O Pregador, no uso de sua capacidade sobrenatural de avaliar a existência humana com conhecimento e sabedoria dadas por Deus, insiste em procurar um modo de marcar sua presença no mundo e na história, encontrando, assim, um sentido para a vida. Entretanto, nesse trecho de sua reflexão, em vez de ele avançar em seus propósitos, acaba por se decepcionar com uma realidade inalienável a todos os seres humanos, independente de como vivam e do que façam ao longo de suas vidas. Assim, ele continua a comparar os dois tipos de vida que os homens podem ter a fim de avaliar os resultados (v.12a): “Então, eu refleti sobre a sabedoria e sobre a loucura e a insensatez. Essa é uma frase que ele já disse antes e, vale lembrar, que, ao citar “a loucura e a insensatez”, trata-se do pensamento e comportamento do insensato (ver comentário sobre Ec 1.17a).

O que choca os tradutores e comentaristas é a segunda parte do versículo, tanto por sua complexidade na tradução como pela difícil compreensão de aonde o autor quer chegar ao dizer o seguinte (v.12b): “Pois o que pode fazer o sucessor de um rei além do que esse rei já fez?”. Ao que tudo indica, Salomão está pensando em que pode ele marcar seu reinado de modo indelével e ímpar que nunca tivesse sido feito por um rei e que jamais seria repetido por outros. Será que ele poderia fazer construções incomparáveis? Seria mais rico que qualquer pessoa na história? Conquistaria mais reinos que todos os governantes no mundo? Deixaria escritas memórias mais sábias e valiosas que qualquer outro ser humano que vivesse? É claro que o tom pessimista que ele dá à sua pergunta, além de evidenciar seu caráter retórico,[1] já é sua resposta, indicando que ele concluiu que talvez fosse incapaz até mesmo de superar de maneira marcante e única os reis que vieram antes dele, dentre eles seu próprio pai. De fato, não estava aí a resposta que ele procurava para dar sentido à vida. Como ele guarda o conceito de que “não há nada novo” (Ec 1.9), ele deve ter percebido que poderia até repetir os feitos de outras pessoas em uma medida ou outra, mas não excedê-los significativa e definitivamente,[2] nem fazer qualquer coisa que jamais pudesse ser repetida por outros.

Como se não bastasse, a primeira parte do versículo 12 atrela os caminhos dos reis, analisados pelo escritor, à perspectiva da sabedoria e da loucura em seus reinados. Quem seriam os reis que maiores feitos deixavam para trás: os sábios ou os insensatos? Isso, obviamente levou o autor a ter de decidir que tipo de rei ele mesmo queria ser, chegando à conclusão que lhe seria mais vantajoso agir com sabedoria (v.13): “Então, observei que o homem tira mais proveito da sabedoria que da insensatez, do mesmo modo que se tira mais proveito da luz que da escuridão”. Nas duas cláusulas do versículo, o escritor lança mão de uma preposição comparativa[3] a fim de expor as vantagens de um valor sobre o outro, a saber, a sabedoria em superioridade à tolice e a luz em superioridade às trevas.

Essa comparação serve ao propósito de informar a decisão do rei sábio: independente do que cada um deixasse para trás de si, era melhor viver de modo sábio, do mesmo modo que é melhor e mais seguro andar na luz que na escuridão. Ele compara os benefícios da sabedoria aos benefícios da luz, ao mesmo tempo que associa os perigos da tolice aos perigos da escuridão (v.14a): “Os olhos do sábio estão em sua cabeça, mas o tolo anda na escuridão”. Isso quer dizer que o sábio que usa suas capacidades corretamente é capaz de ver para onde está indo,[4] do mesmo modo que uma pessoa que tem seus olhos na face em seu funcionamento normal. Então, o rei decide que é assim que planeja seguir sua vida a fim de se diferenciar dos tolos e loucos do mundo. Essa comparação é tão forte que, um milênio depois, Jesus a repetiu, apresentando-se como a “luz” capaz de vivificar quem o seguisse: “De novo, lhes falava Jesus, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida” (Jo 8.12).

Até esse ponto, as conclusões do Pregador são esperadas e concordam com coisas que ele já disse antes. É óbvia a vantagem do sábio sobre o tolo. Entretanto, o desenrolar da história de ambos, quando observada a longo prazo, além de sua vida e de suas épocas, causa agora grande perplexidade ao rei (v.14b): “Porém, eu também percebi que o mesmo destino ocorre a ambos”. Se a conclusão inicial é que há uma enorme diferença entre a vida, os valores e as ações de sábios e tolos, existe um aspecto da existência em que ambos têm a mesma experiência e o mesmo “destino”. O “destino” a que Salomão se refere aqui é a morte. É claro que devemos ter em mente que o conceito hebraico antigo por trás da ideia de “destino” envolvia tudo que acontecia a alguém em sua vida.[5] Nesse ponto, a perplexidade do escritor deve ter aumentado ao perceber que não apenas a morte, mas também as vicissitudes da vida acometem tanto os sábios como os tolos, como doenças, acidentes, perdas e um número incontável de incidentes que trazem sofrimento, atingindo a ambos indistintamente.

Contudo, o texto presente olha para o “destino” final dos homens na sepultura. Assim, ele se lembra do fato óbvio, mas não irrelevante, de que todos morrerão independente do que tenham feito, aprendido, sentido ou deixado para trás. Ela — a morte — é o destino do qual o ser humano não pode escapar.[6]

Lembrando-se desse fato inevitável, o escritor aplica tal realidade à sua própria vida (v.15a): “Disse a mim mesmo, em meu íntimo: ‘O destino do tolo também ocorrerá a mim’. A vida dos tolos, segundo bem sabia o autor — algo que ele demonstra conhecer muito bem tanto em Eclesiastes como em Provérbios —, é cheia de confusões, perdas, sofrimentos, desastres e consequências negativas. Ao optar pela vida guiada pela sabedoria, Salomão pretendia fugir de todas essas coisas. Entretanto, ele fica um tanto chocado ao observar que, independente dos bons frutos que a vida sensata produziria, ele passaria exatamente pelo mesmo processo que o tolo na morte. Ambos deixariam de viver, seriam sepultados, teriam seus corpos corrompidos e, eventualmente, seriam esquecidos (cf. v.16). Além disso, a morte não era apenas uma certeza, mas algo que viria a qualquer tempo, o que quer dizer que suas esperanças de controlar seu destino eram completamente vazias.[7]

A perplexidade do escritor se revela, então, em sua próxima pergunta (v.15b): “Então, o que eu ganhei me tornando tão sábio assim?. Essa pergunta deixa também os leitores perplexos, pois ele acabou de concluir que era mais vantajoso ser sábio que tolo e argumentou muito bem a fim de provar a tese (v.13,14a). De onde viria tal paradoxo? Afinal, é melhor viver sabiamente ou é inútil, dado o fim de todas as pessoas? Será que o rei sábio ficou sem resposta? Na verdade, não. Ele fez toda essa análise propositalmente sob o olhar das coisas que ocorrem “debaixo do Sol”, como tem feito desde o início do livro. Ele se coloca na posição de um homem que não vê coisa alguma “acima do céu” e que não tem fé em nada que não vê, especialmente Deus. E sob esse olhar, assim como antes, a conclusão não poderia ser outra (v.15c): “Por isso, disse a mim mesmo que isso também é futilidade”. Quando ele diz “isso”, refere-se ao fato de ter se tornado “tão sábio assim”. Ele disse antes que há vantagens em ser sábio, mas que, quando observado com os óculos da história, sábios e tolos passam pela mesma porta — a morte —, deixando para trás um vazio maior do que pretenderam ou esperavam.

É provável que o que ele tem em mente seja mostrar que o destino final dos sábios não é melhor que o dos tolos, tornando a sabedoria inútil quando buscada para essa finalidade ou como um fim em si mesma. Uma prova disso é que, independente das coisas boas ou más que sábios e tolos façam em suas vidas, todos elas, junto com seus autores, serão esquecidas (v.16a): “Pois não haverá lembrança do sábio nem do tolo para sempre. Nos dias futuros eles já terão sido esquecidos”. Ao que tudo indica, Salomão percebe que a relevância máxima que sua vida podia ter “debaixo do Sol” seria em seus próprios dias e em sua própria vizinhança, mas que, no futuro, nada do que realizou faria qualquer diferença para as gerações vindouras. A dureza de tal esquecimento pode não fazer muito sentido para as pessoas do século 21, mas era uma questão muito séria para o homem antigo. Se hoje em dia é comum pessoas nem sequer se casarem e casais decidirem não ter filhos, no passado a ausência de uma linhagem de descendentes era uma tragédia para os homens. Isso era tão preocupante para eles que havia um recurso, chamado “levirato” (Dt 25.5-10), no qual o irmão do falecido que não tivera filhos tomava a esposa do irmão e os filhos que tinha com ela passavam a pertencer à linhagem do irmão morto, a fim de seu nome não ser esquecido.

É claro que esse não era o caso de Salomão, pois ele tinha filhos e não necessitava do “levirato”. Ainda assim, ele notou que nem sua descendência garantiria seu nome ao longo dos séculos. Pelo jeito, a única coisa que restaria no longínquo futuro seria o pó: suas obras e seu próprio corpo virariam pó com o passar dos séculos. E o pior de tudo é que ele estaria lado a lado, no pó e no esquecimento, com as ações e os corpos dos tolos, aqueles que escolheram viver do modo oposto do sábio rei. E quando a morte finalmente o levasse, sua própria geração e as seguintes continuariam a viver normalmente, sem que o mundo parasse por falta do sábio morto. Isso soou como uma tragédia na mente do escritor e o levou a um triste lamento e a um quase sonoro gemido (v.16b): “Ai de mim! O sábio morre, assim como o tolo”. É possível sentir a dor do autor ao escrever tais palavras. Na verdade, essa conclusão é tão terrível que nós, que também buscamos a sabedoria, gememos junto com ele.

Outras conclusões anteriores sobre a futilidade das coisas já haviam decepcionado o escritor, mas é possível que essa tenha sido a que mais o feriu, pelo que sua reação é exacerbada (v.17a): “Então, passei a odiar a vida tendo em vista que as obras feitas debaixo do Sol eram pesarosas para mim”. Quando se olha para o futuro e se contempla o esquecimento da sua existência e a nulidade dos seus feitos, tudo na vida perde seu sentido — caso se esteja procurando uma razão real para a vida em tais coisas. O grande paradoxo é que, de fato, é mais vantajoso andar de modo sábio que de modo insensato durante a vida; porém, tanto um como outro se unem igualmente na morte.[8] Sendo assim, sua avaliação sobre outros aspectos da vida se repete aqui (v.17b): “Pois tudo é futilidade e correr atrás do vento”. Nesse ponto, o escritor sente que a vida lhe pregou uma peça. Durante toda sua vida ele pensou estar perseguindo uma grande tarefa em sua busca pela sabedoria, mas estava, na verdade, apenas tentando pegar o vento. Ele percebeu que seus esforços estavam fadados ao esquecimento.[9] Assim, a conclusão resumida do Pregador não é que a sabedoria é ruim ou que ele seja contra ela, mas que a sabedoria é inútil como fonte última de confiança.[10]

Como é triste a perspectiva daquele que não olha para a vida futura com Deus, pela fé em Cristo, mas tem nesse mundo e nessa vida toda a sua esperança (ver 1Co 15.19). A desilusão do fim e do esquecimento leva o homem terreno, que ama e almeja apenas as coisas “debaixo do Sol”, a uma busca frenética pela satisfação presente. Segundo ele pensa, tudo que se pode aproveitar da existência é aqui e agora. Isso é suficiente para levar até os homens e mulheres mais cultos a rumos que não lhes dão a satisfação desejada e que trazem sofrimentos e desilusões que seriam desnecessários caso eles se voltassem para a vida e para os valores “acima dos céus”. Por isso, pense você também sobre a vida e a morte na Terra e almeje a vida que jamais acaba e que nunca será esquecida ou perdida. Tal existência, que recebe apropriadamente o nome de “vida eterna”, terá seu lugar ao lado do Deus eterno, por meio da fé no seu Filho, Jesus Cristo, que morreu para que pudéssemos ter vida em seu nome. Essa é a única sabedoria que a morte não limita nem inutiliza.

Pr. Thomas Tronco

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[1] Ogden, G. S.; Zogbo, L. A Handbook on Ecclesiastes. UBS Handbook Series. New York: United Bible Societies, 1998, p. 64-65.

[2] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B. The Bible Knowledge Commentary: Old Testament. Colorado Springs: David C. Cook, 1983, p. 982.

[3] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Fundamentos para exegese do Antigo Testamento: Manual de sintaxe hebraica (2ª ed.). São Paulo: Vida Nova, 2013, p. 130-131, §12.3.

[4] The NET Bible. First Edition. Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006, [Ec 2.14].

[5] Winter, J. Opening Up Ecclesiastes. Opening Up Commentary. Leominster: Day One Publications, 2005, p. 30.

[6] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 562.

[7] LaSor, William S., Hubbard, David A.; Bush, Frederic W. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 555.

[8] Merrill, Eugene. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Shedd, 2009, p. 604.

[9] Garrett, D. A. Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs. The New American Commentary. Vol. 14. Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1993, p. 294.

[10] Eaton, Michael A; Carr, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 76.

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