A Independência dos Filhos de Deus
Os últimos tempos têm me deixado assustado. Nem me refiro aos grandes escândalos políticos, aos massacres cada vez mais comuns, ao aumento da criminalidade ou ao crescimento desordenado de grupos que encabeçam protestos e um ativismo muitas vezes estranho a qualquer parâmetro conhecido. Tudo isso, é claro, tem me deixado espantado e apreensivo. Mas o que tem mesmo me assustado é a polarização da sociedade em praticamente todas as áreas. Por polarização tenho em mente o fato de as pessoas estarem se aglomerando ao redor de dois polos opostos de certa questão, como, por exemplo, ver pessoas que antes se diziam apolíticas passarem a professar noções de extrema esquerda ou extrema direita.
É claro que ideias e opiniões, por si só, mesmo que extremas, não causam problemas diretos às pessoas, a não ser em dois casos. O primeiro é quando elas são postas em prática. O segundo é quando elas geram tanta paixão que concebem seu filho mais ilustre: o ódio. Quando nasce esse infante, seus irmãos — o radicalismo, as ofensas, a desunião e a violência —, como uma família bem unida, o acompanham aonde for. A partir de então, os conflitos que testemunhamos nos nossos dias são inevitáveis: esquerda contra direita, feministas contra machistas, pacifistas contra armamentistas, bandidos contra justiceiros. Essa situação é crescente, assim como as novas facções que surgem na sociedade.
Isso não é tão novo assim na história. Mas o que parece ser novo, pelo menos para cada geração que se depara com momentos assim, é a inexperiência em saber como se comportar diante das polarizações. Visto que isso leva as pessoas a campos novos em suas experiências, o mais comum é haver uma identificação com certo grupo, a fim de se garantir uma identidade pessoal, e o acolhimento — quase cego — de um pacote fechado de crenças defendidas por esse grupo, a fim de dar sentido à nova posição adotada. O resultado é que pessoas preocupadas com certo problema passem a viver e defender coisas que jamais quiseram e que sequer concordariam em outras circunstâncias, motivados não por seus conceitos e ideais, mas por suas emoções, muitas vezes exacerbadas. Isso gera antagonismo nas pessoas do polo oposto que, também movidas por fortes emoções, defendem e agem de modo insensato, mas concordante com seu grupo, o que gera mais antagonismo e ódio nos polos. Assim, ódio, violência e radicalização crescem mais e nos colocam a um passo de conflitos custosos e indesejados que nos farão lamentar, talvez, por gerações.
Diante disso, como os filhos de Deus, salvos pela fé em Cristo, devem agir e se posicionar? Podemos entrar cegamente nesses polos? Podemos, por exemplo, comemorar o massacre em uma boate gay por parte de um muçulmano que acredita que o homossexualismo tem de ser tratado com o assassinato? Podemos nos alegrar com o linchamento e morte de um ladrão por não aguentarmos mais a criminalidade? Podemos defender cegamente políticos ladrões de um partido por combaterem políticos ladrões de outro partido? Podemos nos sentir aliviados com o naufrágio e morte de centenas de refugiados por garantir que seus problemas não chegarão tão perto de nós? Será que uns males se justificam pela oposição a outros?
Note bem! Não são questões tão fáceis como possam parecer, pois os males contidos nelas não são menores que aqueles com os quais temos de conviver. Mesmo assim, a polarização cega é algo que o cristão deve assumir? A resposta é não, apesar de ela ter um considerável custo.
Para os crentes, os valores da sociedade e da vida comum que nos cerca não podem superar os valores expostos pelo nosso Pai celestial. Isso faz com que os filhos de Deus tenham posições firmes em relação à Palavra de Deus, mas que são flutuantes em relação aos polos da sociedade. Um exemplo disso se deu durante a polarização, nos tempos do NT, a respeito do governo, tornando uns judeus associados do sistema romano e outros, revolucionários nacionalistas. Diante disso, a igreja de Deus assumiu uma posição independente, desobedecendo às autoridades terrenas quando isso traria a glória de Deus (At 4.18-20 5.27-29), mas sujeitando-se a elas quando isso também traria a glória do Senhor (Rm 13.1-3; Tt 3.1; 1Pe 2.13-17).
É claro que, nesse exemplo acima, os crentes foram acusados de insubordinados na primeira ocasião e de traidores na segunda. Mas a verdade é que eles foram fiéis em ambas as ocorrências. Não fiéis aos polos terrenos, mas fiéis a Deus. Isso não quer dizer que o crente não deva ser radical com aquilo que realmente é radical, mas que ele deve saber qual é o seu polo de verdade. A polarização do crente não se dá entre facções políticas, econômicas ou sociais do mundo, mas entre o céu e a terra, entre os valores de Deus nas Escrituras e os conceitos mundanos a respeito da vida.
O resultado é que o filho de Deus assume uma postura independente no mundo, que, por exemplo, reprova o homossexualismo, mas que repudia veementemente o massacre na boate norte-americana, ou que rejeita os males da esquerda sem se iludir e ignorar os males da direita. É claro que ambos os lados das polarizações terrenas irão acusá-lo de alguma coisa, mas ele jamais pode ser acusado de faltar com sua obediência à Palavra de Deus e aos valores superiores do seu Senhor. Sua independência no campo das questões terrenas não deve vir de nenhum tipo de alienação, mas da pura e devida obediência e sujeição ao seu salvador. Nosso bom senso, comedimento e independência no mundo devem vir do desejo radical de exibir o caráter cristão e de honrar nosso Deus.
“Porque a nossa glória é esta: o testemunho da nossa consciência, de que, com santidade e sinceridade de Deus, não com sabedoria humana, mas, na graça divina, temos vivido no mundo e mais especialmente para convosco” (2Co 1.12).
Pr. Thomas Tronco