Charles Darwin: A Sombria e Triste Coerência de um Apóstata
Existe no meio evangélico, incluindo incontáveis blogs e websites cristãos que multiplicam informação — para bem e para mal —, a noção de que Charles Darwin se converteu ao cristianismo em seu leito de morte, renunciando, portanto, ao evolucionismo e recebendo Cristo como seu Salvador. Infelizmente, alguns cristãos usam essa informação com o intuito de enfraquecer o evolucionismo, mas, ao que tudo indica, nada disso ocorreu — e não deve ser usado por nós.
A alegada conversão de Darwin remonta a 1915, durante uma conferência em Massachusetts, quando uma missionária chamada madame Hope, que morava em Kent, próximo à casa de Darwin, relatou evidências da conversão de Darwin obtidas em suas visitas ao cientista enquanto ele estaria doente e restrito ao leito. Nessa ocasião, ela relatou que Darwin se encontrava acamado, lendo constantemente a Bíblia (o livro de Hebreus) e que o moribundo lhe pediu arduamente para que falasse mais sobre “Cristo Jesus”. Ainda em 1915, uma revista batista americana de circulação nacional chamada Watchman-Examiner publicou a história da suposta conversão de Charles Darwin ajudando a disseminar a questionável salvação.
O problema disso tudo é que a história da madame Hope contém várias inconsistências que não serão tratadas neste artigo. Ademais, a própria família de Darwin, que esteve ao seu lado até seu último suspiro, não confirmou a conversão do cientista nem a renúncia de sua teoria. O próprio filho do cientista, Francis Darwin, relatou, ainda em 1915, que uma conversão aberta e entusiástica como a referida por madame Hope seria facilmente percebida por seus familiares — o que nunca ocorreu. Aliás, se havia alguém preocupada com a alma de Darwin, essa pessoa era Emma, sua esposa, que chegou a escrever ao próprio marido implorando que lesse os capítulos 13 a 17 do evangelho de João: “Há perigo em desistir da revelação [...] em abandonar o que foi feito em seu benefício como também de todo mundo [...] Eu seria a pessoa mais infeliz se eu soubesse que não nos pertencemos um ao outro para todo o sempre”. O problema é que Emma nunca deu qualquer sinal positivo de que suas expectativas tivessem sido atendidas.
E não apenas Emma estava preocupada com o destino da alma de Darwin. Ao longo de sua vida, após a publicação de Origem das Espécies, em 1859, e Descendente do Homem, em 1871, Darwin foi incessantemente bombardeado por milhares de cartas que buscavam admoestá-lo e convencê-lo da danação eterna prometida aos que repudiam o cristianismo. A biblioteca da Universidade de Cambridge, por meio de um projeto que estudou e classificou as 14 mil correspondências (enviadas e recebidas) de Darwin, delineou temporalmente a inabalável convicção de Darwin quanto à sua teoria. Em nenhum momento, até o final, Darwin titubeou quanto aos fundamentos de sua teoria. Pelo contrário, os registros apontam para o robustecimento de suas convicções e o aperfeiçoamento da Teoria Evolucionista, sob protestos e louvores. Todavia, tudo parece indicar que Darwin era um homem discreto e conhecedor dos desdobramentos que suas ideias teriam numa sociedade com valores cristãos. É provável que sua discrição buscasse a proteção de sua família de eventuais hostilidades, especialmente sua esposa, que se manteve cristã até o final, segundo o que se encontra nas correspondências.
Para reforçar a solidez de sua apostasia, neste mês (setembro de 2015) será leiloada na Bonhams, em Nova York, uma das cartas mais contundentes de Darwin, escrita dois anos antes de sua morte, em resposta a uma pergunta feita por F. A. McDermott, um jovem advogado. Estima-se que o valor da carta chegue a 90 mil dólares devido ao seu conteúdo claramente antibíblico. Devido à franqueza do jovem advogado que não buscou atacá-lo, é provável que Darwin tenha aberto uma exceção para responder à carta. O jovem havia perguntado: “Se é para eu ter o prazer de ler os seus livros, eu preciso saber se no final eu terei perdido minha fé no Novo Testamento. A razão de eu escrever para você é, portanto, pedir-lhe que me responda com um ‘sim’ ou ‘não’ a pergunta ‘você acredita no Novo Testamento?’”. A resposta de Darwin foi fria, mas clara e coerente com sua teoria: “Eu sinto muito em informá-lo que eu não acredito na Bíblia como revelação divina e, portanto, em Jesus Cristo como filho de Deus” (destaque meu).
A coerência de Darwin está no fato de que sua teoria, minando a credibilidade do relato de Gênesis, comprometeria irreversivelmente a credibilidade do Novo Testamento, desmascarando Jesus como mentiroso, já que não faltam referências bíblicas para suportar que Jesus Cristo é, como se diz hoje, “criacionista”. Como alguns exemplos, Jesus afirmou que a Escritura é inerrante e “nem um jota ou til” estariam equivocados (Mt 5.18). Ademais, Jesus reforçou a criação do mundo em sete dias literais quando afirmou que Deus criou o sábado para o homem (Mc 2.27) e fundamentou ensinos sobre o matrimônio lembrando que, no princípio, Deus criou o homem e a mulher (Mc 10.6). Até mesmo Abel foi lembrado por Jesus como uma vítima real, que sangrou até a morte, e não um mito (Lc 11.50,51). A propósito, até mesmo passagens bíblicas não relacionadas a Gênesis 1, que são constantemente debochadas, como a arca de Noé (Mt 24.37) e o peixe que engoliu Jonas (Mt 16.4), não deixaram de ser citadas por Jesus como fatos. Logo, os desdobramentos do raciocínio de Darwin levariam invariavelmente ao descrédito do que Jesus afirmou sobre si mesmo sendo o filho unigênito de Deus em diversas passagens. Isso fica claro na resposta de Darwin pelo uso da palavra “portanto” grifada acima (therefore, em inglês).
Como Darwin demonstra, é claramente ilógica a conciliação do evolucionismo com a Bíblia, como inerrante revelação divina, e com a pessoa de Cristo, como Deus. Logo, a aberrante conciliação de um cristianismo evolucionista é apenas possível pela corrosão da ortodoxia pelo cáustico liberalismo que substitui a hermenêutica sadia por alegorias que se flexionam a gosto das teorias científicas. Em outras palavras, o cristianismo evolucionista é um subproduto da apostasia, uma excreção do raciocínio evolucionista que, por blasfemar de Deus e da pessoa de Cristo, deve ser repudiada pela ortodoxia cristã.
Quanto a nós, representantes da ortodoxia cristã, unimo-nos em coro ao ensino apostólico de que “ele [Jesus] não cometeu pecado algum e nenhum engano foi encontrado em sua boca” (1Pd 2.22 cf. Is 53.9), cientes de que “nos últimos dias, surgirão escarnecedores zombando e seguindo suas próprias paixões. Eles dirão: ‘O que houve com a promessa da sua vinda? Desde que os antepassados morreram, tudo continua como desde o princípio da criação’” (2Pd 3.3,4). Dessa forma, mantendo a estrutura da resposta de Darwin, nós, cristãos, responderíamos à pergunta do jovem advogado da seguinte forma: “Eu tenho a imensa alegria em informá-lo que eu acredito na Bíblia como revelação divina e, portanto, em Jesus Cristo como filho de Deus”. Todavia, essa resposta, aos olhos do mundo, parece não valer um dólar sequer.
Ev. Leandro Boer