Segunda, 09 de Dezembro de 2024
   
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O Dom de Línguas Hoje – Adendo Científico para Leigos

Um dos artigos mais acessados em nosso website é O dom de línguas hoje, escrito pelo Pr. Thomas Tronco. Esse artigo responde assertivamente às principais perguntas sobre a glossolalia. Logo, nosso propósito aqui não é reproduzir as respostas ali já dadas, mas sim adicionar quatro comentários científicos sobre alegações pentecostais em favor da glossolalia.                     

Essas alegações são as seguintes:

1. “Eu não sou louco! Não tenho qualquer transtorno psiquiátrico e oro em línguas!”

2. “Nunca me ensinaram falar em línguas. Eu simplesmente comecei a falar sem ter praticado ou aprendido com alguém.”

3. “Quando eu oro em línguas, não tenho controle sobre o que estou falando. É algo que simplesmente surge e flui naturalmente.”

4. “Depois que comecei a orar em línguas, eu me senti melhor e meu coração encontrou paz e serenidade.”

Por causa dos recentes avanços no campo da neurociência e da medicina nuclear, é possível hoje abordar com menos subjetividade esses quatro comentários. Assim, como cientista, quero tratar o assunto sob o ponto de vista técnico, usando, porém, uma linguagem acessível ao leitor comum. É claro que isso é muito difícil, mas, para aqueles que têm familiaridade com termos biomédicos e neurofisiológicos, sugiro a consulta das referências bibliográficas listadas ao final.

Vamos agora à análise das referidas alegações.

1. “Eu não sou louco! Não tenho qualquer transtorno psiquiátrico e oro em línguas!”.

Apesar de muita gente considerar o falar em línguas “coisa de gente maluca”, a estatística está a favor da sanidade mental dos pentecostais. De fato, estudos realizados com pessoas devotadas a essa prática demonstram que não há diferença entre a saúde mental dessas pessoas e de outras que jamais falaram em línguas.

Aliás, em 2003, um estudo feito com, aproximadamente, mil clérigos evangélicos britânicos demonstrou que os 80% que praticavam a glossolalia tinham mais estabilidade emocional e menos neuroticismo do que os que não falavam em línguas.

Conclusão: é certo que praticantes da glossolalia não são mais acometidos por depressão, ansiedade, mania ou psicose que outros grupos analisados. Na verdade, apenas uma pequena porcentagem de pessoas com transtornos psiquiátricos exibe glossolalia e, quando isso acontece, geralmente é acompanhada de alucinações religiosas.

Esse comentário foi colocado em primeiro lugar propositalmente, deixando claro que não estamos lidando com qualquer sinal de insanidade mental em massa. Assim, podemos evitar discussões vazias ou de fundo psicopatológico. Na verdade, vamos nos concentrar na neurofisiologia de pessoas normais, entendendo melhor o que se passa na cabeça dos pentecostais.

2. “Nunca me ensinaram a falar em línguas. Eu simplesmente comecei a falar sem ter praticado ou aprendido de alguém”.

Ainda que haja igrejas que ensinem a orar em línguas, muitos pentecostais condenam isso, dizendo que o dom concedido pelo Espírito Santo não pode ser aprendido dessa maneira.

O fato, porém, é que, mesmo nas igrejas em que não há aulas de glossolalia, o dom de línguas é ensinado sim! O que ocorre é que esse ensino é feito de forma implícita. Vamos explicar isso melhor. Deus nos dotou com dois tipos de capacidade de aprendizagem: a explícita e a implícita.

A aprendizagem explícita é aquela que exercitamos quando, por exemplo, assistimos a uma aula de Matemática na escola. A aprendizagem implícita é aquela que ocorre quando um bebê, por observar frequentemente pessoas mais velhas andando, falando e praticando esportes, aprende também a andar, falar e a praticar esportes.

Os dois aprendizados são diferentes e nosso cérebro se comporta de modo bastante distinto no “uso” de cada um deles. Isso foi verificado por meio de estudos que avaliam o fluxo sanguíneo em determinadas porções do cérebro usando técnicas específicas de medicina nuclear. Por exemplo, em 2006, na Universidade da Pensilvânia, o Dr. Newberg e seus colaboradores do departamento de medicina nuclear realizaram o primeiro estudo em pentecostais que oravam em línguas há mais de cinco anos e que não tinham qualquer psicopatologia. A análise mostrou que porções do cérebro fortemente associadas ao aprendizado e à memorização implícita ficavam mais ativas durante a prática da glossolalia, ao passo que regiões associadas à linguagem propriamente dita não eram ativadas na mesma medida.

Outra evidência de aprendizado implícito é a existência, em algumas porções do nosso cérebro, de “neurônios espelho”. São neurônios que nos assistem no aprendizado por meio da imitação (ex.: dança, esportes, interpretação no teatro) e que operam a todo momento sem que percebamos. A maneira mais fácil de detectarmos o funcionamento dos neurônios espelho é observar o quanto o bocejo é “contagioso”. Com efeito, basta uma pessoa bocejar e várias outras começam a imitá-la inconscientemente, numa reação em cadeia. Esse é um exemplo da ação dos neurônios espelho. É importante ressaltar que, em seus estudos, os cientistas encontraram as partes do cérebro ricas em “neurônios espelho” bastante ativas durante a prática da glossolalia.

Tudo isso explica porque muitos pentecostais dizem que começaram a usar o dom de línguas sem nunca tê-lo aprendido e que simplesmente começaram a falar. Na verdade, eles aprenderam sim, mas de forma implícita. Implicitamente eles incorporaram vocalizações que ouviram em seus cultos e passaram a reproduzi-las sem ter consciência de que aquilo lhes foi ensinado informalmente, além de incentivado pelo grupo de que faziam parte.

Algo importante também precisa ser dito aqui: o aprendizado implícito é muito mais fácil do que o explícito. É só observar os meninos. Para eles, aprender a jogar bola (aprendizado implícito) é muito mais “fácil” do que aprender trigonometria (aprendizado explícito). Da mesma forma, orar em línguas para tentar ter mais proximidade de Deus é muito mais “fácil” do que buscar essa proximidade estudando teologia. A verdade é que pensar “dói” e é mais confortável deixar tudo com os “neurônios espelho” (e ter a ilusão de que cresceu na fé) do que esquentar a cuca durante uma leitura, um estudo ou composição de um texto (e crescer de verdade). Talvez, isso também ajude a explicar porque a “espiritualidade” das línguas tem tanto sucesso. Infelizmente, porém, parece que o que dizem ser maturidade é apenas mais uma forma de preguiça — a preguiça mental!

3. “Quando eu oro em línguas, não tenho controle sobre o que estou falando. É algo que simplesmente surge em mim e flui naturalmente”.

Geralmente, quando ouvimos esse comentário somos tentados a duvidar dos pentecostais. Todavia, sua sinceridade pode ser constatada pela neurofisiologia. Em parte, a resposta a essa alegação foi dada no item anterior, quando dissemos que a glossolalia é implicitamente aprendida sem que a pessoa perceba que está sendo ensinada.

Todavia, é importante acrescentar que a glossolalia, mesmo sendo aprendida de forma não consciente, não anula a consciência corporal do indivíduo. Isso significa que enquanto fala em línguas, a pessoa não perde a noção de onde está, de quem é e de qual postura deve adotar.

Trata-se exatamente do oposto do que acontece nas religiões em que a meditação é exercitada. Nessas religiões, a consciência corporal é suprimida, ocorrendo a redução da atividade de algumas porções cerebrais associadas a essa consciência, conforme mostram os estudos científicos.

Descrevendo o quadro todo, a análise médica e científica do que ocorre no cérebro da pessoa no momento em que ela fala em línguas pode ser descrita assim: durante a prática da glossolalia, as porções cerebrais ligadas à linguagem não entram em atividade, mostrando que essa pessoa não está falando língua nenhuma. Por outro lado, a parte de seu cérebro que coordena e integra atividades conscientes e inconscientes (o tálamo) entra em atividade mais intensa. Então, em meio a isso tudo, a pessoa não “sente” mais que está falando. Daí a sensação do “fluir naturalmente”.

O fato é que, o que essa pessoa aprendeu de forma implícita, é “engatado” e ela vai em frente “no automático”, sem, contudo, perder a consciência corporal que a mantém ciente de que está na igreja, de que seu nome é Fulano e de que deve manter algumas posturas no meio em que está.

O mapeamento do cérebro, durante essas experiências, mostra que não há nada de sobrenatural nelas. Na verdade, tudo resulta de processos comuns de aprendizado (conscientes ou não), ligados a mecanismos cerebrais de funcionamento que entram em atividade num processo normal e que, uma vez postos em marcha, fluem naturalmente, produzindo na pessoa a sensação de estar realizando algo acima de seu controle ou de sua consciência.

É importante salientar que isso mostra que essas pessoas não estão agindo de má-fé (ainda que existam muitos enganadores nesse meio). Antes, elas estão realizando simples exercícios cerebrais que aprenderam e que qualquer um pode por em prática com um mínimo de esforço. O que está errado na vida delas é atribuir essas coisas à ação sobrenatural do Espírito Santo.

Tem-se demonstrado aqui que a glossolalia é um artifício que qualquer pessoa pode praticar. Dizer que algo assim é o milagre grandioso que a Bíblia descreve em Atos 2 é, no mínimo, ofensivo à Terceira Pessoa da Trindade. Deve-se lembrar que negar os atos do Espírito é pecado. Porém, é também pecado (talvez até mais grave) atribuir ao Espírito obras que ele nunca realizou e que não passam de meros frutos do esforço humano.

4. “Depois que eu comecei a orar em línguas eu me senti melhor e meu coração encontrou paz e serenidade”

Esse é um dos argumentos mais delicados a se abordar, pois comumente percebemos a sinceridade de quem o afirma e não se podem minimizar os sentimentos de ninguém. A verdade é que, quando falam em “línguas”, os pentecostais de fato sentem algo bom. O problema, como se sabe, reside na atribuição de significado espiritual a esse sentimento. Com efeito, é justamente no uso desse argumento que os pentecostais mais tropeçam, crendo e ensinando que há consolo em ilusões emocionais jamais usadas pelos homens de Deus na busca de alento.

Nessa altura, vale a pena emitir um alerta: atribuir significado espiritual a sentimentos é bastante comum quando a igreja da qual a pessoa participa tem um ensino pobre. De fato, quando a hermenêutica é deficiente, algo ocupará o seu lugar. Ora, ao que se vê, esse “algo” é sempre a experiência emocional que, frequentemente, vai formando um “balaio de gatos”. O problema é que isso acaba virando um círculo vicioso que dá cada vez mais autoridade às emoções em detrimento daquilo que a Palavra de Deus diz. No fim de tudo, associa-se o nome de Deus, na pessoa do Espírito Santo, a certas sensações — o nome disso? Heresia, erro doutrinário e, em alguns casos, até blasfêmia.

Na busca de base bíblica para as agradáveis sensações provadas por quem diz falar em línguas, há quem cite 1Coríntios 14.4: “O que fala em língua edifica-se a si mesmo...”. Contudo, esse texto deve ser entendido levando-se em conta que Paulo usa nitidamente ali uma figura de linguagem chamada “sarcasmo”. Isso significa que ele quer apenas destacar o pecado de orgulho e egoísmo dos coríntios, não existindo, obviamente, em seu uso errado das línguas, qualquer “autoedificação”.

O que se conclui disso tudo é que a sensação de paz e conforto experimentada pelos praticantes das “línguas estranhas” advém do plano natural. Com efeito, as evidências mostram que fenômenos dissociativos, como a glossolalia, são capazes de produzir bem-estar e também a sensação de alívio de fatores estressores externos. Nesse sentido, a ciência demonstra que um estado dissociativo, como a glossolalia, é marcado por alterações do sistema nervoso autônomo (há uma forte atividade parassimpática) e por alterações da razão e das sensações. Assim, a constante dissociação, ou seja, o frequente comparecimento a reuniões em que a glossolalia ocorre ou mesmo a prática individual das “línguas” pode levar a um ajuste nervoso que “alivia” a resposta ao estresse.

Isso explica como a glossolalia pode funcionar como uma “válvula de escape” para as tensões a que o cristão é submetido diariamente. Aliás, no Brasil, cientistas avaliaram o fenômeno da glossolalia em várias religiões (a fala extática não é exclusiva dos evangélicos pentecostais. Note-se também que religiões pagãs do primeiro século já a praticavam) e demonstrou-se que o grupo mais sujeito ao estresse econômico — os evangélicos pentecostais — era exatamente o grupo que mais praticava a glossolalia, por ser o mais dependente do seu alívio. Contudo, à luz da Bíblia, não é esse o remédio que o crente deve buscar para as pressões que enfrenta nas mais diversas esferas da vida.

Considere-se, por exemplo, o ensino do apóstolo Pedro em suas cartas. Os destinatários de sua primeira epístola estavam dispersos pela Ásia Menor, enfrentando diariamente uma ferrenha perseguição. Seus inimigos confiscavam seus bens, os torturavam e os matavam simplesmente porque tinham fé em Cristo.

Sabendo disso, Pedro compôs sua breve carta para consolar aqueles irmãos e reavivar a esperança em Cristo. Quando, porém, escreve preocupado em lhes dar alívio, o que ele aconselha? Que orem em línguas? Que busquem alívio em alguma experiência emocional dissociativa? É claro que não! Ao invés disso, o apóstolo leva os crentes a se debruçar sobre sua carta e raciocinar acerca do seu conteúdo. Ele a enriquece com inúmeras citações e alusões ao Antigo Testamento, mostrando que a fonte de consolo devia ter como base a verdade revelada a que se tem acesso pela leitura e pela reflexão. Por essa via, o consolo vem. E vem pela ação do Espírito Santo no processo de iluminação. Porém, isso requer certo esforço intelectual; requer um exercício que dói para muitos: o exercício de usar a cabeça, deixando de lado a preguiça de pensar!

A triste realidade que se vê à luz disso tudo é que o meio pentecostal, dando espaço para que a emoção expulse a hermenêutica sadia do culto, cria uma espécie de “droga gospel” — uma droga gratuita e de fácil acesso que gera prazer mental. Se Karl Marx, o grande inimigo do cristianismo, considerava a religião “o ópio do povo”, imagine o que ele diria se tivesse acesso aos estudos neurofisiológicos que temos hoje. Sem nunca sequer ter aventado a possibilidade dessas análises, Marx disse uma frase que, no caso da experiência pentecostal, tem sentido quase literal, pois, conforme a ciência descobriu, as sessões de glossolalia causam as mesmas alterações cerebrais que os dependentes químicos tentam obter por meio do vício, no anseio de fazer sua dor psíquica passar.

Logo, não é absurda a ideia de que muitos pentecostais já se tornaram dependentes químicos desse “crack evangélico” que é a oração em línguas estranhas — um subterfúgio que só enfraquece seus músculos mentais, tornando-os inaptos a alcançar o consolo e a esperança que Pedro ensinou em suas cartas, enquanto lhes proporciona um prazer passageiro que, como toda droga, cobra um alto preço ao final.

Conclusão

A maioria dos pentecostais que exibe a glossolalia não a faz porque é acometida por qualquer transtorno psiquiátrico, mas por ter aprendido implicitamente as vocalizações num ambiente em que a prática é comum e até estimulada.

Ademais, os achados neurofisiológicos demonstram que a glossolalia não se assemelha ao funcionamento cerebral para a linguagem. Ela também pode ser executada “sem intenção” e pode promover alívio a estressores externos comumente frequentes em grupos com índices socioeconômicos mais baixos.

A falta de hermenêutica sadia no meio pentecostal dá abertura para que percepções sensoriais agradáveis decorrentes da glossolalia sejam reforçadas e criem uma situação de flacidez intelectual em detrimento da compreensão correta da Palavra de Deus — compreensão essa que, para ser atingida, sempre exigirá esforço intelectual, mas que, ao fim, trará conforto real e produtivo.

Ev. Leandro Boer

 

Referências bibliográficas

1.     François Dengah HJ 2nd. Religious Dissociation and Economic Appraisal in Brazil. J Relig Health. 2015 Feb 17. [Epub ahead of print] PubMed PMID: 25687180.

2.     Johnson KD. A neuropastoral care and counseling assessment of glossolalia: a theosocial cognitive study. J Health Care Chaplain. 2010;16(3-4):161-71. doi:10.1080/08854726.2010.492698. PubMed PMID: 20658429.

3.     Kuhl PK. Brain mechanisms in early language acquisition. Neuron. 2010 Sep 9;67(5):713-27. doi: 10.1016/j.neuron.2010.08.038. Review. PubMed PMID: 20826304; PubMed Central PMCID: PMC2947444.

4.     Newberg AB, Wintering NA, Morgan D, Waldman MR. The measurement of regional cerebral blood flow during glossolalia: a preliminary SPECT study. Psychiatry Res. 2006 Nov 22;148(1):67-71. Epub 2006 Oct 12. PubMed PMID: 17046214.

 

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