Segunda, 09 de Dezembro de 2024
   
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O Fim da Era das Curas e Milagres

O problema atual

Muitos crentes de hoje e até igrejas inteiras são intensamente afeiçoados a supostas curas e milagres. Algumas comunidades evangélicas chegam a realizar cultos de libertação, prometendo a realização de maravilhas com hora marcada e atraindo, assim, pessoas oprimidas, doentes e vítimas de problemas difíceis. É comum em algumas dessas igrejas até mesmo o comércio de objetos que, segundo afirmam, têm o poder de proteger e livrar dos mais diversos males.

No tocante às curas, os mestres dessas igrejas se apoiam geralmente em Isaías 53.4 para defender a ideia de que o cristão não deve ficar doente nem se conformar com nenhum abalo em sua saúde, mas, pela fé, apropriar-se do total livramento das enfermidades que, segundo dizem, Cristo obteve em nosso favor. “Ele tomou sobre si as nossas enfermidades”, repetem. Logo, concluem que o cristão que tem fé pode repreender a doença e viver livre dela.

Muitas pessoas são atraídas por esses ensinos e os abraçam com absoluta convicção. Algumas, quando adoecem, chegam ao ponto de se esconder a fim de que aquilo em que creem não fique exposto a questionamentos. Falta a essas pessoas o conhecimento da lição elementar de que na Bíblia muitos crentes maduros enfrentaram sérios problemas de saúde, sendo a doença uma experiência comum na vida do crente neste mundo (At 9.36,37; Gl 4.13,14; Fp 2.25-27; 1Tm 5.23; 2Tm 4.20).

No tocante especificamente a Isaías 53.4, é preciso compreender o significado desse texto levando-se em conta que o profeta o compôs adotando uma forma de paralelismo muito comum na poesia hebraica — o paralelismo sinônimo (Isaías 53 foi escrito na forma de poesia). Esse recurso literário consiste de afirmar uma mesma verdade em duas frases (ou trechos) paralelas, de maneira que a segunda declaração apenas repete a primeira usando sinônimos.

Levando isso em conta, é fácil perceber que Isaías 53.4 deve ser entendido em paralelo com o v.5, o que leva à conclusão que as “enfermidades” e “dores” de que fala o profeta são as “transgressões” e “iniquidades” do povo. Observe-se que foi precisamente esse o entendimento que Pedro teve dessa passagem em 1Pedro 2.24, texto em que o apóstolo ensina que o que Cristo carregou em seu corpo sobre o madeiro  foram “os nossos pecados”.

Ademais, mesmo que o entendimento decorrente do paralelismo seja desconsiderado, isso em nada fortalecerá o entendimento que os curandeiros evangélicos têm da passagem. De fato, a análise do texto livre de qualquer consideração quanto ao estilo literário mostrará, no máximo, que Isaías 53.4 deve ser interpretado como se referindo apenas ao ministério terreno de Cristo.

É precisamente isso que mostra o Evangelho de Mateus que, citando a passagem de Isaías, afirma que ela se refere à obra terrena do Messias, marcada pela realização de curas sobrenaturais. Sendo um autor bíblico, compondo um evangelho inspirado por Deus, Mateus pôde atribuir ao texto de Isaías um sentido mais amplo do que aquele que a passagem tinha de início. O resultado disso, porém, não foi a afirmação de que os crentes em Cristo não devem aceitar as doenças, mas sim que Isaías 53.4 se cumpriu também quando Jesus, durante seu ministério aqui na terra, curou, com o simples uso de suas palavras, os numerosos doentes que lhe foram trazidos (Mt 8.16,17).

Sobre curas e milagres, é preciso ainda que o crente conheça oito verdades fundamentais que serão alistadas nos próximos artigos desta série. Com essas verdades em mente, o crente não vai se deixar levar pelas tendências atuais e a igreja de Deus não será maculada por ensinos e práticas enganosos que criam esperanças vãs.

O lugar dos milagres na experiência do povo de Deus

Dentre as oito verdades fundamentais acerca de curas e milagres que serão mencionadas nesta pequena série, quatro se relacionam de alguma forma com a realidade dos sinais e maravilhas na experiência do povo de Deus ao longo da história. Ao conhecê-las, o crente poderá avaliar melhor o que tem sido ensinado e praticado nas igrejas que dão ênfase a supostos feitos sobrenaturais. 

1. Os milagres não são numerosos em todas as épocas abrangidas pela Bíblia. As Escrituras abrangem, pelo menos, 7 mil anos de história. Ao longo desse tempo, houve longos períodos em que poucas ou mesmo nenhuma atuação divina sobrenatural ocorreram. Na verdade, a análise da história bíblica mostra que a realização intensa de milagres teve lugar somente em três épocas: os anos do êxodo, o tempo de ministério de Elias e Eliseu e os dias de Jesus e seus apóstolos. Isso mostra um padrão específico do modo como Deus intervém no drama humano, destacando que a operação de maravilhas não faz parte do seu plano principal de ação.

2. A realização de milagres nunca serviu como prova de espiritualidade ou de santidade. A Bíblia narra que os sacerdotes egípcios pagãos, quando se viram diante dos sinais realizados por Moisés, fizeram milagres semelhantes (Êx 7.8-12,20-22; 8.6,7). No Novo Testamento, há o registro das palavras de reprovação que Jesus, “naquele dia”, dirigirá contra os incrédulos que, no nome dele, fizeram “muitos milagres” (Mt 7.21-23). A realização de maravilhas por homens perversos e impostores é possível porque Deus não é a única fonte de poder sobrenatural. Ele é a fonte suprema, mas não exclusiva de poder. Satanás e seus anjos também são poderosos e realizam sinais pela mão de seus servos (Mt 24.24). Aliás, será com a força do poder satânico que o anticristo e o falso profeta que hão de vir realizarão feitos extraordinários, obtendo o apoio e a adoração do mundo inteiro (2Ts 2.9; Ap 13.2-4,11-14).

3. O pregador deve ser avaliado pela mensagem que anuncia e não pelos milagres que realiza. Em Deuteronômio 13.1-5 é ensinado que, se alguém realiza um sinal espetacular e prega uma mensagem contrária ao ensino de Deus em sua Palavra, tal indivíduo deve ser rejeitado, não importa quão grande ou espetacular tenha sido o milagre que fez. É a mensagem que prega que mostrará se alguém é de Deus (2 Jo 9-11). Deve-se, portanto, observar se a pregação do “milagreiro” é bíblica. Se não for, milagre e mensagem terão de ser rejeitados.

4. A atração por sinais espetaculares é perigosa e pode ser evidência de ceticismo e fraqueza espiritual. Jesus destacou que a busca de sinais pode advir não de pessoas piedosas e cheias de fé, mas de homens maus e adúlteros (Mt 12.38-39). Ele também censurou aqueles que o buscavam por causa do pão que havia sido multiplicado (Jo 6.26). É interessante notar que, ao ouvir essa censura, aquelas pessoas que o seguiam pediram ainda mais sinais (Jo 6.30). Não sendo atendidas, elas se opuseram a Jesus (Jo 6.41-42,52,60) e, enfim, o abandonaram (Jo 6.66). Simão, o mago é outro exemplo de alguém que era atraído por milagres, mas não tinha o coração reto diante de Deus (At 8.13,18-23). Tudo isso mostra que, ao contrário do que é dito no meio pentecostal, o apego a milagres não é evidência de uma fé mais forte. Aliás, é muito perigoso sentir-se atraído por alguém só porque essa pessoa faz ou diz fazer milagres, pois, conforme visto no item 2 supra, é essa atitude que levará muita gente a seguir os falsos profetas e o anticristo no fim dos tempos (Mt 24.24; 2Ts 2.9,10; Ap 13.11-15).

5. O fator mais eficaz na produção da fé salvadora é a pregação e não a realização de milagres. Há quem acredite que os milagres são necessários para levar as pessoas à conversão. Porém, os inúmeros milagres realizados por Moisés, Elias, Eliseu, Jesus e os apóstolos mostram que isso não é verdade. De fato, ainda que muitas pessoas tenham crido no evangelho ao verem um grande prodígio (At 9.42), o efeito avassalador e transformador que seria de se esperar sobre as multidões que testemunharam todos aqueles feitos milagrosos nunca ocorreu. Na verdade, a força dos sinais na produção da fé sempre esteve aquém do esperado, sendo o efeito dos prodígios, na maior parte das vezes, apenas um entusiasmo passageiro. Isso ocorre porque Deus determinou que a salvação das pessoas acontecesse por meio da pregação (1Co 1.21). Paulo escreveu que o evangelho (não o ato milagroso) é o poder de Deus para a salvação de quem crê (Rm 1.16) e afirmou que a fé salvadora se instala no coração dos homens por intermédio dos ouvidos e não dos olhos (Rm 10.17). O próprio Jesus disse que se alguém não ouve as Escrituras (“Moisés e os profetas”) não poderá crer ainda que veja uma pessoa ressuscitar dentre os mortos (Lc 16.31).

6. Os milagres dos tempos apostólicos começaram a diminuir já no século 1. Conforme exposto no item 1 supra, o período apostólico foi uma das três fases da história em que feitos sobrenaturais ocorreram com bastante frequência (At 5.15,16; 6.8; 8.13). Isso aconteceu porque os milagres tinham por objetivo autenticar a mensagem nova que estava sendo pregada pelos apóstolos (Mc 16.20; At 14.3; 2Co 12.12). Porém, tão logo esse tempo de autenticação ficou para trás, os sinais miraculosos foram se tornando mais esparsos. Já nos anos 60 do primeiro século, as curas sobrenaturais eram raras (Fp 2.26,27; 1Tm 5.23; 2Tm 4.20) e o autor da Carta aos Hebreus se referiu aos feitos milagrosos como pertencentes ao período da primeira geração de cristãos — a geração que viu a mensagem dos apóstolos ser autenticada por meio de sinais e prodígios (Hb 2.3,4). Note-se ainda que, nas listas de dons elaboradas por Paulo (Rm 12.6-8; 1Co 12.8-10,28; Ef 4.11), os dons de curas e de operação de milagres são mencionados somente em 1Coríntios, escrita no ano 55. Listas produzidas pouco tempo depois, como as de Romanos (escrita em 57-58) e Efésios (escrita por volta de 61) não mencionam esses dons, indicando que haviam entrado em fase de declínio, se é que já não tinham desaparecido totalmente.

7. Curas e milagres podem acontecer em qualquer época, inclusive a atual. Os dons de curas e de operação de milagres eram capacidades dadas por Deus a alguns crentes para erradicar doenças e realizar maravilhas fora da ordem natural das coisas (1Co 12.8-10,28). As pessoas que tinham esses dons curavam tudo e a todos (At 5.16), sendo capazes, inclusive, de ressuscitar mortos algumas vezes (At 9.36-41; 20.9-12). Conforme visto no item 6, esses dons deixaram de existir já no século 1. Isso, contudo, não significa que o Senhor, eventualmente, não faça ainda hoje obras grandiosas, além da compreensão humana. Antes, significa que, quando Deus realiza feitos assim, ele o faz em resposta à oração dos crentes em geral e não por meio de indivíduos dotados por ele com capacitações sobrenaturais, como era o caso dos apóstolos e dos crentes que tinham dons de operar milagres. Por isso, os cristãos que, ao enfrentarem um sério problema, perceberem que a solução está fora do alcance humano, devem buscar o milagre de Deus na oração e na súplica (sua e de seus irmãos — Tg 5.14-18) e não nas supostas habilidades dos “curandeiros” atuais, sabendo que, muitas vezes, o Senhor pode ter um “não” como resposta (2Co 12.7-9).

8. Muitos milagres atuais são extremamente duvidosos. Os líderes evangélicos que dizem realizar milagres sempre os fazem em benefício de pessoas que a multidão que assiste a eles não conhece. Isso torna impossível a comprovação até mesmo da existência da doença, sendo comuns as fraudes. Esses líderes também não apresentam qualquer comprovação válida de que tenham, de fato, realizado uma cura espetacular. Além disso, as curas que dizem operar em público são de doenças que não podem ter sua melhora verificada de pronto, sendo casos de enxaqueca, tendinite, dores na coluna, tumores internos, etc. Ademais, é estranho que ponham seus “dons” em operação somente em programas promovidos por eles mesmos, em lugares e horários previamente marcados, e nunca em hospitais, leprosários ou locais atingidos por grandes tragédias ou epidemias, o que mostra que contam sempre com um ambiente de fácil controle e manipulação. Além disso, os casos de cura real que acontecem nesse meio sempre envolvem doenças funcionais e psicogênicas (Ex.: dores, palpitações, problemas respiratórios, rigidez muscular, etc.), ou seja, enfermidades contra as quais o organismo reage por meio da sugestão, do otimismo ou da força de vontade. Doenças orgânicas, isto é, que não podem ser curadas por meio desses fatores (Ex.: ferimentos, cegueira, surdez, cálculos renais, tumores, tetraplegia, etc.) nunca são sanadas pelos pastores milagreiros. Nada disso se encaixa no modelo de curas mostrado na Bíblia. Ali, são apresentados casos de doentes que eram conhecidos por todos (a realidade da doença podia, assim, ser verificada), doentes que eram curados nas casas, nas ruas, nas praças e em qualquer hora e lugar, e doentes que eram curados completa, imediata e definitivamente de todos os tipos de enfermidade. Vê-se, assim, que em nada as curas atuais se assemelham ao que aconteceu nos tempos de Jesus e dos apóstolos.

Levando tudo isso em conta, a igreja de Deus deve afastar de sua prática qualquer forma de reunião ou campanha que tenha como alvo produzir curas e milagres. Seus membros também, protegidos pelo conhecimento da sã doutrina, jamais participarão de programas desse tipo, sabendo que a obra poderosa de Deus se realiza dentro de contornos bem diferentes daqueles que se veem nos espetáculos enganosos que marcam o meio evangélico atual.

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

 

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