Gálatas 6.6-10 - A Colheita Futura
A benignidade dos crentes não deve ser direcionada unicamente àqueles que são vítimas quebrantadas do seu próprio pecado. Paulo sabia que a religiosidade mecânica e exterior do legalismo tinha esfriado não só o afeto dos crentes nas suas relações entre si, mas também o amor pelo próprio Apóstolo, seu verdadeiro instrutor espiritual (4.12-16). Para piorar a situação, os falsos mestres infiltrados naquelas igrejas trabalhavam intensamente para colocar os galateus contra Paulo (4.17). Incitado por esses fatos tão preocupantes, no v. 6 o Apóstolo exorta os crentes acerca do dever da generosa benevolência em prol dos verdadeiros mestres da Palavra.
O texto ensina que os que são ensinados (κατηχούμενος) na Palavra devem compartilhar todas as coisas boas com aqueles que os instruem (κατηχέω). Aquilo que é bom (ἀγαθός) a que Paulo se refere aqui tem um sentido tanto moral como material. Ele quer, portanto, que os galateus aprendam a oferecer aos mestres da Palavra sua amizade, hospitalidade e simpatia, bem como recursos para o sustento físico que possibilitem um envolvimento maior com o ensino da igreja (1Co 9.7-14; 1Tm 5.17-18).[1]
Toda a exortação de Paulo referente ao dever de praticar o bem tanto em face dos irmãos comuns como dos ministros da Palavra deve ser acolhida porque os atos dos homens se assemelham a uma semeadura (7). A tendência das pessoas é acreditar que suas ações são estéreis, que o que fazem não é capaz de gerar nada mais tarde. Paulo sabia que o coração humano facilmente se convence de que as coisas que o homem realiza não terão implicações futuras. Por isso diz: “Não se deixem enganar!”
De fato, até mesmo a experiência humana mostra em certa medida que nossos atos são como sementes boas ou más, sendo tolice pensar que, ao lançá-los ao solo, nada poderão produzir. Cair nesse engano é zombar de Deus. Isso porque foi o próprio Senhor quem estabeleceu uma lei moral no universo, de acordo com a qual a conduta ética é capaz de gerar resultados bons ou maus para o próprio ser-humano que a adota. Essa “lei” mostra o quanto Deus é justo e o quanto se inclina a recompensar o bem e punir o erro.[2]
Assim, quando alguém despreza essa verdade, está com isso dizendo que o modo como Deus diz que administra a história, na realidade não funciona, ou que essa administração nem mesmo existe, sendo perfeitamente possível praticar o mal e viver para sempre desfrutando de paz e segurança. É essa atitude que Paulo descreve como zombar de Deus, enfatizando em seguida que o homem colherá sim o que, ao longo de sua vida, plantou.
Paulo prossegue apontando o perigo que existe para quem “semeia para a sua carne” (8). Evidentemente, semear para a carne consiste em cultivar na vida os pecados próprios da natureza pecaminosa, os quais foram alistados em 5.19-21. Aqueles que, no dia-a-dia, “plantam” os atos que suas próprias paixões estimulam, são os que semeiam para a carne. O Apóstolo adverte no sentido de que a corrupção será o fruto colhido por essas pessoas. A palavra que usa aqui (φθορά) significa ruína e destruição e é usada no Novo Testamento tanto para se referir à vida de decadência que caminha para a morte em meio à desolação temporal (Rm 8.20-21; 2Pe 2.12), como para descrever a degradação moral (2Pe 1.4; 2.19). Paulo está dizendo, portanto, que quem cultiva as obras da carne arruinará sua vida e entrará em acelerado declínio moral.
Por outro lado, “quem semeia para o Espírito”, ou seja, quem cultiva as virtudes mencionadas em 5.22-23, as quais são reconhecidas como obras do Espírito Santo na vida dos salvos, desse mesmo Espírito “colherá a vida eterna”. Uma interpretação apressada diria que, à luz desse texto, a salvação é mediante o cultivo do fruto do Espírito e não unicamente pela fé. Esse entendimento, porém, iria de encontro ao ensino principal de Paulo na própria Epístola aos Gálatas (3.22). Na verdade, é bem possível que o Apóstolo esteja falando aqui sobre o desfrute presente das alegrias da eternidade. Se for esse o caso, o texto diz que quem plantar atos de retidão e bondade colherá, desde já, as bênçãos da vida feliz que aguarda o crente no céu. Que a vida eterna pode ser experimentada em certa medida mesmo agora, depreende-se também de João 4.14; 5.24; 17.3; e 1Timóteo 6.12.
Uma outra possibilidade é considerar o texto em análise sob a luz de Romanos 6.22, que diz: “Mas agora que vocês foram libertados do pecado e se tornaram escravos de Deus, o fruto que colhem leva à santidade, e o seu fim é a vida eterna.” De acordo com esse texto, a vida santa chegará à eterna felicidade. Porém, a vida santa não é a causa de se chegar lá. A causa é a libertação do pecado que, como se sabe, é pela fé (Rm 5.1). Essa libertação do pecado pela fé, produzirá santidade e o fim de tudo será o céu. Talvez Paulo tivesse isso em mente ao escrever o v. 8. Seja como for, não resta dúvida de que o homem que se preocupa em produzir em seu dia-a-dia os traços do genuíno caráter cristão experimentará desde já um vislumbre da alegria celeste e, sendo esses traços uma prova de que é redimido pela fé, entrará afinal para o descanso eterno na cidade de Deus.
A certeza de que nossos atos produzirão resultados bons ou maus para nós mesmos deve estimular o crente a não se cansar de fazer o bem (9). De fato, a prática da virtude pode produzir fadiga e desânimo, especialmente quando há ingratidão, falta de reconhecimento, oposição e poucos resultados. Paulo, contudo, recorda seus leitores de que a colheita é inevitável, ainda que não saibamos ao certo o seu tempo. Ele afirma ainda, com o propósito de encorajar seus leitores, que ceifaremos se não desfalecermos.
É inegável que a ceifa a que Paulo se refere aqui tem uma conotação escatológica. Os crentes fatalmente colherão os resultados dos seus atos no dia futuro, quando estiverem diante de Deus, e só receberão coisas boas se não desistirem. Isso mostra que, ainda que a vida eterna seja dada pela fé, o desfrute dos galardões de Deus depende daquilo que o crente faz por meio do seu corpo (2Co 5.10). É por isso que há no v.10 uma nota de urgência: “enquanto temos oportunidade”. Paulo sabia que o tempo de plantar é hoje. Diante do tribunal divino não teremos mais como semear. Lá somente ceifaremos, desde que, neste mundo, perseveremos na prática do bem.
O v. 10 termina enfatizando que todos devem ser alvo dos gestos de bondade dos crentes, mas de forma especial os irmãos na fé. De fato, priorizar os irmãos no socorro dos necessitados e em outros gestos de amor mostra ao mundo a nossa unidade e faz com que sejamos conhecidos como discípulos de Jesus (Jo 13.35).
Pr. Marcos Granconato
[1] Uma igreja que mais tarde se destacou nesse aspecto foi a de Filipos, na Macedônia, para a qual Paulo escreveu uma carta cheia de gratidão, em 61 A.D. (Fl 4.10-19).
[2] O Livro de Provérbios ensina que o sábio é aquele que reconhece que vivemos num universo regido não somente por leis físicas, mas também morais, as quais, se violadas, nos trarão prejuízos. Logo, o sábio é aquele que tem temor do Senhor (Pv 1.7), reconhecendo que ele próprio fixou na história a norma irrevogável de que quem faz o mal, cedo ou tarde colhe o mal.