Salmo 149 - As Armas de Guerra dos Servos de Deus
Foster Walker, um homem de cerca de sessenta anos de idade, certa vez entrou acidentalmente no meio de um assalto a uma loja, na cidade norte-americana de Memphis, Tennessee. Imediatamente, o bandido armado lhe ordenou que entregasse seu dinheiro sob a seguinte ameaça: “Vou atirar em você!”. “Pois vá em frente e atire!”, respondeu o Sr. Walker. “Já li hoje a minha Bíblia e fiz minhas orações”. O bandido ficou desconcertado enquanto o Sr. Walker simplesmente virou as costas e saiu. Imagino que o ladrão deve ter ficado aturdido e indeciso sobre o significado daquelas palavras. Talvez ele quisesse dizer que, ao cumprir seus deveres religiosos, estava pronto para morrer e encontrar o Senhor. Ou então que, sendo ele um leal servo de Deus, não seria uma vítima muito fácil de se abater por ter o próprio Deus como protetor. Independente do que tenha pensado aquele ladrão, me parece que ele achou melhor não arriscar a alvejar o Sr. Walker. Afinal, ele parecia estar armado com sua fé.
O Salmo 149 também oferece armas espirituais aos servos do Senhor. É difícil definir a data ou o período de composição do salmo, apesar de haver quem, analisando a linguagem do texto, sugira ser ele da época pré-monárquica de Israel — há, também, quem sugira a ocasião da rededicação do Templo, nos dias dos macabeus (165 a.C.). O que se sabe é que os israelitas estavam para enfrentar um povo inimigo, ou um conglomerado de países que buscavam destruí-los. Em lugar de ficarem tristes e desesperados, o salmo convida os israelitas a se alegrarem em Deus e manterem a confiança no seu Senhor a respeito da vitória. A convicção do sucesso era tão grande que o escritor propõe que o povo lute armado com espadas e com o louvor, como se a alegre adoração ao Senhor fosse uma arma de guerra. Se alguém achar tal proposta um disparate, deve saber que Judá, nos dias de Josafá, já partiu em batalha armado praticamente só com o louvor a Deus, ocasião em que o Senhor abateu três exércitos sem que os israelitas disparassem uma flecha ou levantassem uma espada (2Cr 20.18-25). Seguindo uma ideia semelhante, porém prevendo uma batalha a ser travada, o salmista propõe que os israelitas se armem não apenas de seus equipamentos convencionais, mas também de quatro armas exclusivas dos verdadeiros servos de Deus.
A primeira arma dos servos de Deus que atravessam problemas sérios como o dos israelitas é a disposição renovada (v.1). Apesar das preocupações e preparativos militares necessários a um momento de crise como esse, o escritor chama o povo à adoração musical (v.1a): “Exaltai ao Senhor! Cantai ao Senhor um cântico novo” (hallû yah shîrû layhwh shîr hadash). A pergunta é: “Porque um cântico novo? Os cânticos que eles possuíam não serviam?”. Claro que serviam! Entretanto, o salmista não está preocupado só com a música a ser cantada, mas também com a disposição do coração dos israelitas. O cântico novo é um modo de sugerir a revigoração religiosa e o fortalecimento da comunhão com Deus. Assim, o preparo para a batalha começaria pelo retorno à dedicação e compromisso para com o Senhor.
O resultado seria surpreendente, pois, em vez de o povo ficar cabisbaixo e inerte, eles renovam sua disposição de louvar e servir a Deus. Isso é extremamente positivo se notarmos como é comum ver pessoas em momentos de crise abandonarem todos os trabalhos de devoção alegando “não terem cabeça” para orar, ler a Bíblia ou frequentar os cultos naquele momento. Outro modo como a disposição renovada se mostraria seria que o particular passaria ao coletivo e toda a comunidade se dedicaria junto a exaltar a Deus, ainda que estivessem passando por um momento delicado (v.1b): “Que o seu louvor esteja no ajuntamento dos fiéis” (tehillatô biqhal hasîdîm). Seja pela comunhão com Deus, seja pelo encorajamento e edificação mútuos, essa disposição renovada é uma arma que não se pode desprezar no meio das crises.
A segunda arma é o louvor grato (vv.2-4). Essa seção parece destoar das circunstâncias bélicas que o povo tinha diante de si, pois a tristeza e a preocupação cedem lugar a uma alegria transbordante diante de Deus (v.2): “Que Israel se alegre em seu criador. Que os filhos de Sião se regozijem no seu rei” (yismah yisra’el be‘osayw benê-tsîyôn yagîlû bemalkam). Independente das circunstâncias, isso sugere que Deus deve bastar aos seus servos, completando-lhes a alegria independente dos acontecimentos. Entretanto, essa alegria deve gerar — ou ser fruto — da adoração a Deus. Por isso, o escritor coloca tal alegria como moldura da atividade cultual de exaltar o Senhor (v.3): “Eles devem exaltar o seu nome com dança e cantar a ele com tamborim e harpa” (yehallû shemô bemahôl betof wekinnôr yezammerû-lô). A presença de danças, tamborins e harpas quase obrigatoriamente nos lembram da entrada exultante da arca da aliança em Jerusalém, quando o próprio rei Davi, misturado à multidão, se alegrava e dava graças a Deus pela grande bênção (2Sm 6.12-19).
A alegria era a mesma, conquanto a situação fosse exatamente contrária. Porém, não se tratava de nenhum tipo de exercício mental como “sorrir enquanto dói”. O próprio escritor oferece a razão de o povo se alegrar, adicionando o fator “gratidão” por algo que ele sabia ser verdadeiro a respeito de Deus (v.4): “Pois o Senhor se compraz com seu povo e enaltece os aflitos com o livramento” (kî-rôtseh yhwh be‘ammô yefa’er ‘anawîm bîshû‘â). Assim, a alegria se devia à gratidão expressa no louvor por Deus estar sempre ao lado do seu povo a fim de livrá-lo e protegê-lo.
A terceira arma é a confiança inabalável (v.5). Dado o fato de que o povo é chamado a louvar alegremente a Deus pelo modo como ele cuida dos seus, a aplicação dessa realidade às circunstâncias que estavam enfrentando acabava por reverter-se em uma firme confiança de que Deus agiria como o fez no passado e como havia previamente anunciado que faria. Por isso, a confiança devia ser expressa em um louvor “abundante” (v.5a): “Que os fiéis exultem em abundância” (ya‘lezû hasîdîm bekavôd).
Não se tratava de uma atitude social e coletiva apenas. Essa confiança era sentida por cada israelita a ponto de exultarem mesmo quando estavam sozinhos, até mesmo na escuridão da noite, no interior das suas casas (v.5b): “Que deem gritos de alegria em seus leitos” (yerannenû ‘al-mishkevôtam). Qualquer lugar era propício para a demonstração alegre pelo cuidado de Deus, mas certamente a cama é um local singular nesse sentido. A razão disso é que, diante de um problema, as pessoas tendem a perder o sono e a se entristecer durante a noite. Somente a confiança inabalável no Senhor pode transformar as horas de silêncio e aflição em alegria e tranquilidade, assim como ocorria com Davi enquanto fugia da morte: “Em paz me deito e logo pego no sono, porque, Senhor, só tu me fazes repousar seguro” (Sl 4.8).
Finalmente, a última arma dos servos de Deus é a prontidão segura (vv.6-9). Não bastava confiar em Deus e oferecer louvores alegres. Era necessário estar de prontidão para cumprir seu papel dentro do plano e da causa do Senhor. Por isso, o salmista ordena que haja louvor exultante e confiante, mas, também, preparo militar, expresso pela figura da espada em punhos (v.6): “Que a exaltação de Deus esteja em suas gargantas e uma espada de dois gumes em suas mãos” (rômemôt ’el bigrônam weherev pîfîyôt beyadam). Essa é a mesma providência tomada pelo povo de Jerusalém, nos dias de Neemias, enquanto reconstruíam a muralha da cidade, pois, apesar de confiarem no auxílio divino, cada um deles trazia a espada consigo (Ne 4.18). Isso porque Deus usa seu povo para fazer sua obra que, nesse caso, seria abater os inimigos de Israel, trazendo sobre eles a punição divina (v.7): “Para trazer vingança entre as nações e castigo sobre os povos” (la‘asôt neqamâ baggôyim tôkehot bal-’ummîm).
Eles deviam estar seguros de que Deus faria coisas grandiosas por meio das suas mãos, inclusive abater reis e nobres das nações inimigas e não apenas se defenderem precariamente de um inimigo mais poderoso (v.8): “Para prender seus reis com grilhões e seus nobres com correntes de ferro” (le’esor malkêhem beziqqîm wenikbedêhem bekavlê barzel). A confiança que tinham em Deus devia lhes dar a prontidão segura para cumprirem sua vontade e, em resposta a isso, serem por ele honrados vitoriosamente (v.9): “Para executar a sentença escrita contra eles. Isso será uma honra para todos os seus fiéis. Exaltai ao Senhor!” (la‘asôt bahem mishpat katûv hadar hû’ lekol-hasîdayw hallû-yah).
Não há muitos lugares onde os crentes têm de se defender de inimigos que querem matá-los. Mas certamente há muitas outras circunstâncias negativas que preocupam e tiram a alegria dos servos do Senhor. Infelizmente, muitos têm capitulado, buscado meios desonrosos de solucionar os problemas ou até mesmo meios de tentar controlar o destino e o próprio Senhor para que se revertam as dificuldades. Nenhum desses caminhos é o correto. Em vez disso, o caminho dado pelo nosso salvador passa por uma renovada disposição de servi-lo e louvá-lo, confiança na sua bondade e poder, gratidão por tudo que ele já fez e prometeu fazer e também o devido preparo para fazer o que for necessário para honrar o nosso Senhor. O bom é que não há, para isso, necessidade de porte de armas. Basta portá-las!
Pr. Thomas Tronco