A Nós e a Nossos Filhos
Certo dia, eu estava evangelizando o balconista de uma loja quando ele me perguntou sobre uma denominação recém-fundada. Respondi que ainda sabia muito pouco sobre ela. Quase imediatamente, entrou um jovem procurando um equipamento e, como eu puxei conversa, ele se apresentou como pastor justamente daquela denominação. Então, aproveitei e perguntei: “Qual é a linha doutrinária de vocês?”. Ele respondeu: “Nós pregamos a Bíblia”. Pensei comigo: “Ele não entendeu minha pergunta”. Tentei novamente: “A sua teologia é mais reformada ou pentecostal?”. A resposta foi: “Nós pregamos Jesus” — novamente, ele não entendeu a questão. Fiquei perplexo porque essa não foi uma pergunta de características técnicas e de difícil entendimento. Mas a sequência da conversa aclarou minha confusão. Ao saber que em Atibaia (SP) há um seminário bíblico, ele disse: “Eu até penso em um dia fazer um cursinho bíblico. Deve ser legal saber um pouco mais da Bíblia”. Essa frase me explicou porque ele não entendeu minhas perguntas. Entretanto, ela me deixou assustado com respeito aos critérios usados para ordená-lo ao ministério pastoral. Se o requisito não foi conhecimento bíblico, o único critério que pude notar é que se tratava de um “cara legal”, simpático e bem articulado.
Infelizmente, a palavra “teologia” tem sido estigmatizada na igreja contemporânea como se ela fosse responsável por crentes sem amor, não operantes, carrancudos, dados a valores irrelevantes e distantes da realidade das pessoas comuns. Pensa-se que ela é como um item opcional de um carro que você pode escolher se põe ou não, dependendo do seu gosto. Por causa disso, já ouvi alguém defender o erro de certo líder dizendo: “Ele não é um teólogo e sim um pastor” — como se pudesse existir algum pastor que não seja teólogo. E para justificar a preguiça de se dedicar ao estudo da Bíblia, dizem: “Jesus não era teólogo”, quando, na verdade, ele demonstrou grande conhecimento e aplicação das Escrituras em seu ensino, conferindo-lhes grande valor (Mt 19.4; 21.42; 22.29-32; Lc 24.27; Jo 5.39; 7.38; 10.35; 13.18). Clamam: “A letra mata” (2Co 3.6), ignorando que o que esse texto condena é o legalismo judaico na busca da salvação por obras e não o conhecimento revelado por Deus nas Escrituras para a salvação pela fé promovida pelo Espírito (Rm 1.16,17; 1Co 1.21). Outra desculpa para não se estudar a Bíblia é que não é possível conhecer as verdades de Deus segundo se diz: “As coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus” (Dt 29.29a).
Sobre essa última desculpa, seus proponentes parecem desconhecer completamente o restante do versículo, que diz: “Porém, as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei” (Dt 29.29b). Com isso, o Senhor nos aponta três ensinos sobre o estudo das coisas “reveladas” nas Escrituras, ao que chamamos “teologia”.
Em primeiro lugar, ao dizer “pertencem a nós e a nossos filhos”, o Senhor nos confere responsabilidade. Trata-se da mesma responsabilidade expressa na parábola dos talentos (Mt 25.14-30), em que dois homens receberam, respectivamente, cinco e dois talentos — cada talento equivale a 34 quilos (provavelmente, de prata, nesse caso). Eles trabalharam e dobraram os bens do seu senhor, enquanto outro, que recebeu um talento, não se dedicou a ele e recebeu uma dura repreensão. A concessão da palavra de Deus a seus servos faz com que eles sejam responsáveis, como se fossem mordomos das verdades divinas, por aprendê-la, vivê-la e transmiti-la: “Àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e àquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão” (Lc 12.48b).
Em segundo lugar, a teologia não é um estudo ou uma prática com prazo de validade. Ao contrário, ao dizer “para sempre”, o Senhor nos apontou sua durabilidade. O caráter permanente dos ensinos e promessas de Deus nos impõe o dever de sempre estudá-los: “A palavra do Senhor, porém, permanece eternamente. Ora, esta é a palavra que vos foi evangelizada” (1Pe 1.25). Por isso mesmo, ela deve ser transmitida de geração em geração, sem que nunca “saia da moda”, torne-se obsoleta ou caia em desuso (Dt 6.6,7).
Finalmente, ao dizer “para que cumpramos todas as palavras desta lei”, o Senhor nos ensina sua finalidade. Bem diferente do que dizem os inimigos da teologia, o estudo das Escrituras tem um caráter bastante prático e aplicativo. Na verdade, vida cristã não é seguir o impulso do coração — isso é a Xuxa quem ensina. Vida cristã é “teologia posta em prática”. Primeiro aprendemos na Bíblia quem Deus é e o que ele quer que façamos. Depois o fazemos. Paulo diz a Timóteo: “Até à minha chegada, aplica-te à leitura, [...] medita estas coisas e nelas sê diligente, [...] tem cuidado de ti mesmo e da doutrina” (1Tm 4.13-15). Todo esse incentivo a valorizar e a se dedicar ao estudo das Escrituras vem como receita ao cumprimento de uma ordem fundamentalmente prática: “Torna-te padrão dos fiéis, na palavra, no procedimento, no amor, na fé, na pureza” (1Tm 4.12b).
Que a Palavra que Deus deu a nós e a nossos filhos seja objeto do nosso estudo, dedicação e ensino a fim de nos tornar servos melhores que brilham a luz do Salvador Jesus: “Não cesses de falar deste Livro da Lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-sucedido” (Js 1.8).
Pr. Thomas Tronco