Domingo, 13 de Outubro de 2024
   
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Salmo 108 - Louvor a Deus em Tempos Difíceis

 

É dito que uma refeição não é feita apenas pela comida, mas também pelo ambiente em que as pessoas se alimentam. A verdade é que as horas de refeição podem ser ocasiões para todo tipo alegre de comunicação e de aprendizado, um momento de grata comunhão entre os participantes da mesa. Nesse sentido, uma comida ruim pode ser redimida por uma conversação alegre, grata e construtiva, mas uma boa comida pode ser irremediavelmente arruinada por uma má conversação. O que esse pensamento pretende revelar é que, até em momentos difíceis, é possível se manter uma atitude positiva que trará muitos benefícios. Desdobrando essa lógica para nossa vida diária com Deus, a gratidão que temos por tudo que ele nos fez, faz e fará pode transformar os momentos mais difíceis da vida em ocasiões de sincera adoração e de profundo louvor ao nosso Senhor.

O Salmo 108, que revela essa disposição no salmista, é a união de dois trechos de outros salmos. Os vv.1-5 são referentes ao Sl 57.7-11, enquanto os vv.6-13 são a reprodução do Sl 60.5-12. Os dois salmos que agem como fonte para o Salmo 108 também pertencem a Davi e ajudam a mostrar o que o compositor tinha em mente ao compilá-los. O Salmo 57 foi escrito quando Davi fugia de Saul em uma caverna. O Salmo 60 foi composto quando Edom atacou Judá enquanto Davi fazia uma campanha militar na Síria, a cerca de 500 km de Jerusalém. Nos dois casos Davi esteve para ser atingido definitivamente e o Senhor o salvou, revertendo parcialmente a situação. Por isso mesmo, o rei, provavelmente diante de outra libertação divina que não é possível captar por esse salmo, toma dois trechos já conhecidos do povo para cantar um salmo de agradecimento e louvor a Deus por sua presença e proteção junto aos seus, ainda que tivessem certos problemas com que lidar. Informações mais específicas sobre a contextualização e aplicação de cada versículo devem ser pesquisadas nos livros de comentários dos salmos 57 e 60. Sob o enfoque do Salmo 108, ou seja, da editoração feita por Davi, observaremos quatro razões para louvarmos a Deus em tempos de dificuldades.

A primeira razão do louvor ao Senhor nas dificuldades é a atuação de Deus conforme suas promessas (vv.1-4). Davi fornece o caráter do seu sentimento ao iniciar o salmo com um trecho que fala da sua segurança em Deus (v.1): “Meu coração está firme, ó Deus” (nakôn livvî ’elohîm). E essa firmeza imediatamente o leva ao louvor: “Cantarei e farei músicas a ti com todo o meu ser” (’ashîrâ wa’azammerâ ’af-kevôdî). Tal louvor é descrito como uma atividade a ter início pela manhã (v.2), subentendendo sua continuidade ao longo do dia por meio de tudo quanto é feito. Seu desejo é que sua gratidão tenha certa abrangência e vá além dos seus próprios muros anunciar as grandezas do Senhor a outros (v.3). Resta-nos saber que razão tão maravilhosa pode motivar um louvor tão efusivo e sincero. A resposta é apresentada logo a seguir (v.4): “Pois chega acima dos céus a tua misericórdia e até as nuvens a tua fidelidade” (kî-gadol me‘ad-shamayim hasdeka we‘ad-shehaqîm ’amitteka). Em primeiro lugar, o salmista se vê como alguém que nada merece de Deus, pelo que os benefícios celestes lhe sobrevêm por pura “misericórdia de Deus”, atributo este anunciado pelo próprio Senhor em sua revelação escrita. Em segundo lugar, Davi olha para as promessas de Deus como fonte da sua segurança pessoal, visto que a “fidelidade de Deus” não permite que ele mude seus planos, nem cancele suas promessas – uma dessas promessas foi a de ele vir a reinar sobre Israel (1Sm 16.1,12,13).

A segunda razão do louvor é a resposta de Deus às nossas orações (vv.5,6). Davi mais uma vez oferece a Deus sua adoração reconhecendo a grandeza divina acima de tudo e de todos (v.5): “Seja elevado acima dos céus, ó Deus” (rûmâ ‘al-shamayim ’elohîm). Ele completa a ideia e deseja que a glória que ele vê por intermédio das Escrituras e da própria experiência de andar com Deus seja, também, vista por toda parte: “E sobre toda a Terra esteja a tua glória” (we‘al kol-ha’arets kevôdeka). O fato de Davi desejar que a glória de Deus esteja sobre toda a Terra não é apenas um tipo de louvor, mas a transição perfeita para a oração que apresentará a seguir. Na verdade, ele ora para que a glória de Deus seja vista ao responder seu clamor por libertação pessoal e do seu povo: (v.6): “Liberta-nos pela tua destra e responda-me para que os teus amados possam ser livres” (lema‘an yeholtsûn yedîdeyka hôshî‘â yemîneka wa‘anenî). Quando Davi escreveu isso pela primeira vez, ele tinha obtido uma libertação parcial – mas fundamental – e ainda aguardava uma atuação mais ampla do Senhor. Desse modo, ele já viu sua oração ser atendida e espera que todo o propósito de Deus seja cumprido em resposta aos seus clamores. A própria constância na oração de Davi, vista nesse salmo e ao longo de vários livros do Antigo Testamento, aponta para o fato de que ele confiava nas respostas porque conhecia Deus e frequentemente era atendido por ele. Por isso, em sua experiência, o clamor e o louvor andam juntos.

A terceira razão é o caráter santificador das ações de Deus (vv.7-9). Davi faz menção de algo que Deus lhe falou em resposta à sua oração por ter Edom atacado Judá enquanto ele estava bem ao norte de Israel (v.7): “Deus, em sua santidade, disse” (’elohîm diber beqodshô). “Santificar” significa separar. É o que esses versículos mostram. Além de separar um povo para si, o fato de Deus atuar na santificação desse povo vai além de escolhê-lo e alcançá-lo. Deus o preserva em um mundo hostil aos servos de Deus e subjuga aqueles que se empenham em destruí-los. Nesse caso, promover a santificação envolvia garantir aos israelitas a posse da terra que, logo após sua conquista por Josué, foi “medida” e “dividida” a fim de ser dada às tribos e famílias de Israel: “Eu exultarei, pois dividirei Siquém e medirei o vale de Sucote” (’e‘lozâ ahalleqâ shekem we‘emeq sukôt ’amaded). Aquilo que Deus preparou para o seu povo é dado efetivamente a ele, a quem o Senhor não apenas protege, mas exalta (v.8). Por outro lado, a ação santificadora de Deus, ainda que não elimine por hora os seus inimigos, os contem em sua ação maléfica contra seu povo, além de guardar um tempo para puni-los de modo pleno (v.9): “Moabe é o meu lavabo; sobre Edom jogarei a minha sandália; sobre a Filístia eu cantarei vitória” (mô’av sîr rahtsî ‘al-’edôm ’ashlîk na‘alî ‘alê-peleshet ’etro‘a‘). Ver o Senhor, contra as expectativas humanas, preservar seu povo e vencer seus inimigos é um grande motivo de louvor.

A última razão do louvor ao Senhor é a certeza das vitórias que Deus nos dará (vv.10-13). Davi lança mão, para escrever o final do salmo, de um trecho que fazia referência à impossibilidade que encontrou de dominar as fortificações edomitas no alto dos seus montes e dentro das suas cavernas (v.10). Segundo o salmista, a razão da vitória parcial, ou seja, de conseguir repelir o ataque edomita a Judá, sem conseguir, contudo, conquistá-los totalmente a fim de impedir possíveis ataques futuros, era o fato de Deus não tê-los feito vencer plenamente (v.11): “Ó Deus, acaso tu não nos rejeitaste? Por isso, ó Deus, não sais com nossos exércitos” (halo’-’elohîm zenahtanû welo’-tetse’ ’elohîm betsiv’ôteynû). Isso faz com que o salmista permaneça em oração, sabendo que no meio do silêncio de Deus nenhuma providência meramente humana pode ter sucesso (v.12): “Socorra-nos do adversário, pois nulo é o socorro do homem” (havâ-lanû ‘ezrat mitsar weshawe’ teshû‘at ’adam). Apesar de o quadro não parecer até aqui muito bonito ou otimista, isso não abala o rei de Israel. Ao contrário, ele tem seus olhos, por meio da fé, voltados para frente. Ele conhece o Senhor e suas promessas. Baseado nisso, não importa o que as circunstâncias digam, ele sabe que Deus os levará em frente rumo aos destinos que previu e prometeu (v.13): “Em Deus nós faremos proezas, pois ele investirá contra nossos adversários” (be’lohîm na‘aseh-hayil wehû’ yabûs tsareynû). Essa certeza curva o salmista em adoração e gratidão ao Senhor bondoso e soberano.

Olhando para todos esses motivos de se render verdadeira adoração ao nosso Deus, não é difícil entender os textos que Davi selecionou para compor esse hino de gratidão. Na verdade, nós, igreja de Cristo e povo de Deus, também temos as mesmas razões para elevar nossos louvores aos céus. Nosso maravilhoso Deus nos prometeu a salvação pela fé (Jo 3.36; Rm 1.16,17), a segurança de permanecermos salvos (Rm 8.1,37-39), a sua presença constante conosco (Mt 28.20) e a direção para nossa vida (Jo 16.13). Ele também está atento às nossas orações (Fp 4.6), auxiliando-nos até mesmo na imperfeição dos nossos clamores (Rm 8.26). É ele quem nos preserva (Jo 17.14,15), que contém os ímpios para que não abatam sua igreja (Mt 16.18) e que tem reservado um tempo em que punirá seus inimigos (Mt 13.49,50). Finalmente, é ele quem nos garante a vitória (Rm 8.37) e que nos capacita a fazer o que seria impossível para nós (Rm 12.3-8). Que razões mais nós precisaríamos para louvar o Senhor glorioso, mesmo quando atravessamos dificuldades, mas vemos sua mão nos guiando e fortalecendo?

Pr. Thomas Tronco

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