Salmo 83 - Quando o Sucesso Parece Improvável
Alguns livros conseguem prender seus leitores e fazê-los rir, suspirar, tremer de medo e até sentir como se fizessem parte do enredo. Li vários livros que produziram em mim todo tipo de emoção. Um deles foi Ó Jerusalém, de Dominique Lapierre e Larry Collins, escrito em 1971. O livro narra a instituição do Estado de Israel, em 1948, e a guerra que envolveu esse processo. O que me chamou atenção é que os fatos ligados à história da fundação de Israel são marcantes, pois cada vitória foi obtida quase sempre “por um triz”. O mesmo aconteceu com os objetivos que os judeus não alcançaram, como o insucesso na conquista plena de Jerusalém.
Sem a intenção de tratar das causas e dos direitos israelenses e palestinos, algo que me chamou atenção no livro foi a improbabilidade de Israel, que ainda nem era um país formado, vencer uma coligação de cinco países maiores e mais fortes: Egito, Jordânia, Síria, Líbano e Iraque, com o apoio da Arábia Saudita e do Iêmen. Esses países árabes tinham o propósito de, atacando por todos os lados, fazer os judeus recuarem até Tel-Aviv, junto ao mar, e de lá terem de partir, deixando a Palestina. O moto dessa coligação era: “Lançar os judeus ao mar”, ou “ao mar com os judeus!”. Contra todas as expectativas, os judeus venceram a maior parte da guerra e estabeleceram seus domínios, sendo reconhecidos como um Estado soberano em 11 de maio de 1949 pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Essa não foi a única vez em que Israel se viu diante de uma coligação militar temível que fazia qualquer sucesso parecer improvável. O Salmo 83 foi escrito diante de uma liga de nações que se levantou contra os israelitas para dar fim a eles. Os povos alistados no salmo faz crer que se trata de uma organização orquestrada de maneira que algumas dessas nações atacaram Israel enquanto outras apoiavam – o Antigo Testamento não descreve nenhum ataque feito concomitantemente por todas essas nações. Nesse caso, alguns supõem que se trata do episódio da tentativa de invasão surpresa por parte dos amonitas, moabitas – os “filhos de Ló” (v.8 cf. vv.6,7) – e edomitas (v.6), nos dias de Josafá (2Cr 20.1-30). Porém, o arrolamento dos ismaelitas e hagarenos (v.4) – ambos moradores nas cercanias de Gileade, na Transjordânia (Gn 37.25; 1Cr 5.10) –, e de Gebal, Amaleque, Filístia e Tiro (v.7) – que ocupavam quase toda a faixa litorânea do Mediterrâneo, do Líbano até a faixa de Gaza e península do Sinai –, tendo ainda o apoio do império assírio (v.8), faz outros cogitarem que o salmo é uma lembrança de todos os tipos de opressão que Israel sofreu em um determinado período de tempo.
De qualquer modo, independente de qual seja exatamente a ocasião da composição do salmo, todas as coligações multinacionais feitas contra Israel tiveram um potencial notável de riscar o país do mapa da Palestina. Diante de um quadro tão preocupante em que a vitória israelita era realmente improvável, o salmista não se lança ao desespero, mas demonstra possuir três fundamentos para manter a esperança de livramento e de sobrevivência do povo.
O primeiro fundamento da esperança do salmista é o fato de que Deus não se isenta de agir pelos seus. O quadro era bastante perigoso. Os ânimos contra Israel estavam exaltados (v.2): “Pois eis que os teus inimigos se agitam e aqueles que te odeiam levantam a cabeça” (kî-hinneh ’ôyeveyka yehemayûn ûmesan’eyka nas’û ro’sh). Os acordos militares foram travados em segredo a fim de pegar Israel despreparado para se defender (v.3): “Eles maquinam planos em segredo contra o teu povo e tramam contra os teus protegidos” (‘al-‘ammeka ya‘arîmû sod weyitya‘atsû ‘al-tsefûneyka).
Não é sempre que nações se entendem, mas quando elas se unem, seu potencial destrutivo é considerável e era exatamente isso que estava acontecendo (v.5): “Pois tramam juntos e fazem aliança contra ti” (kî nô‘atsû lev yahdaw ‘aleyka berît yikrotû). O objetivo deles era destruir Israel completamente (v.4): “Eles dizem: Vamos! Eliminemo-los de entre as nações de modo que não haja mais lembrança do nome de Israel” (’omrû lekû wenakhîdem miggôy welo’-yizzaker shem-yisra’el ‘ôd). É diante dessa visão aterrorizante que o salmista clama (v.1): “Ó Deus, não te cales. Não fiques em silêncio, nem paralisado, ó Deus” (’elohîm ’al-domî-lah ’al-teherash we’al-tishqot ’el). O salmista não está repreendendo o Senhor, mas clamando algo assim: “Aja, ó Senhor! Não nos deixe perecer”. O que ele busca não é uma esperança imaginária, mas uma atuação real do Deus que intervém na história em favor dos seus para livrá-los das mãos dos inimigos e executar seus planos eternos.
O segundo fundamento é que Deus tem um histórico de atuações libertadoras. Se o futuro de Israel parecia incerto, o passado da nação era um testemunho marcante do poder de Deus para protegê-los. Por isso, o salmista confia em Deus sabendo que sua capacidade não mudou desde os dias passados e, assim, roga pela repetição de duas grandes vitórias nos dias dos juízes. A primeira foi a memorável vitória de Gideão sobre o povo de Midiã (v.9 cf. Jz 7–8), o qual, liderado pelos príncipes Orebe e Zeebe e pelos reis Zeba e Zalmuna (v.11 cf. Jz 7.24,25; 8.5), teve baixas na ordem de 120 mil soldados (Jz 8.10). Tudo isso fez Deus utilizando apenas trezentos israelitas sob o comando de Gideão, na proporção de um israelita para quatrocentos inimigos.
A segunda grande vitória se deu por meio do comando de Débora e Baraque contra Jabim, rei de Canaã baseado em Hazor (Jz 4.23 cf. v.17), e contra seu general Sísera (Jz 4–5). Apesar de o livro de Juízes citar a derrota de Jabim e a morte de Sísera nas mãos de Jael, o local da derrota do exército cananita só é informado no próprio Salmo 83 – a cidade de Endor (v.10). Não obstante as duas nações (v.12) terem dito “tomemos posse dos apriscos de Deus” (nîrashâ lanû ’et ne’ôt ’elohîm), ambas foram derrotadas pelo Senhor (v.10) e “tornaram-se esterco para a terra” (hayû domen la’adamâ). Provavelmente, o salmista manteve viva sua esperança ao pensar algo como “se o Senhor venceu tais nações no passado com tamanho poder, por que, agora, seria ele impotente ou inoperante?”.
Finalmente, o terceiro fundamento da esperança é que Deus é soberano sobre todas as nações. No último trecho do salmo, o escritor pensa em Deus (v.18) como o “Altíssimo sobre toda a Terra” (‘elyôn ‘al-kol-ha’arets). O termo “Altíssimo” (‘elyôn) surge no Antigo Testamento para transmitir a noção de que Deus é Todo-poderoso e governa as nações e as forças do universo (Nm 24.16; Dt 32.8; Sl 18.14). Aqui não é diferente. O salmista clama por uma intervenção que só faz sentido à luz do conhecimento da soberania divina (v.13): “Ó meu Deus, trata-os como o pó das sementes, como palha diante do vento” (’elohay shîtemô caggalgal keqash lifnê-rûah). O que ele pede é bem claro: que todo o poderio militar dos inimigos fosse tratado como “nada” diante de Deus, assim como resíduo de sementes mortas e palha seca são levados pelo vento sem oferecer qualquer resistência. Não se trata de o salmista achar que o poder dos inimigos fosse pequeno e que seus exércitos fossem incompetentes, mas que o poder de Deus, comparado ao dos inimigos, é infinitamente maior.
Com poder soberano que ninguém pode conter, o salmista vislumbra a justiça de Deus recaindo sobre os povos ímpios de maneira tão avassaladora que ele lança mão de duas metáforas para representar o que aconteceria – um incêndio e uma tempestade (vv.14,15): “Como o fogo queima a floresta e as chamas consomem os montes, persiga-os com a tua tempestade e aterroriza-os com o teu vendaval” (ke’esh tiv‘ar-ya‘ar ûkelehavâ telahet harîm ken tirdefem besa‘areka ûbesûfateka tevahalem). O resultado da intervenção soberana de Deus teria duplo impacto: a destruição irreversível (v.17) e o reconhecimento amplo de que Deus é Todo-poderoso diante de tudo que criou (v.18 cf. v.16).
Confesso que, para mim, essa é uma visão muito confortante por dois motivos. O primeiro é que, diante dos problemas que crescem e se somam, percebo que em nenhuma circunstância Deus fica limitado, mas, ao contrário, domina permanentemente sobre tudo. Com isso, posso ver a mão do Senhor não apenas me protegendo dos males, mas enviando-os, também, na medida correta para produzir em mim o que preciso para crescer e me fortalecer à semelhança do meu Senhor Jesus (Rm 8.28; 2Co 12.7-10). O segundo é que, entendendo estar em uma batalha de dois lados – o bem e o mal –, percebo que fui integrado ao lado vencedor. Tal vitória não fica patente apenas no caráter aprovado do meu Senhor e general, mas pelo desfecho futuro no qual inevitavelmente ele vencerá as hostes do mal e dará vida eterna aos seus. Esses “vitoriosos” pelo poder de Deus são aqueles que, pela fé em Cristo, receberam gratuitamente as dádivas do seu amor na forma do perdão e da regeneração. Se antes, ao olhar para a somatória dos problemas, eu achava que o sucesso era improvável, meditando na revelação divina contemplo o oposto: a inevitabilidade da vitória final por causa do poder do meu Deus e do amor imerecido que ele tem por mim.
Pr. Thomas Tronco