Transformados em quê?
“E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3.18).
Ouvi, certa vez, que o tempo tem uma maneira toda especial de mudar as coisas e as pessoas. Quanto mais eu vivo, mais concordo com essa frase. Entretanto, não é apenas a vida que atesta o poder do tempo para transformar as coisas. A Bíblia também dá exemplos incisivos disso. Algumas mudanças são para melhor, como no caso de Jacó que, depois de um histórico contendo algumas trapaças, buscou a bênção que vinha de Deus e não dos seus próprios meios (Gn 32.24-30). Ou do rei Manassés que, depois de um início de reinado terrível, no qual chegou ao cúmulo de sacrificar seu filho em uma adoração pagã, recebe uma severa disciplina de Deus e passa por uma conversão que muda totalmente sua vida (2Rs 21.1-16 cf. 2Cr 33.10-16).
Contudo, nem todas as mudanças descritas na Bíblia foram para melhor. O caso de Salomão é um dos exemplos de homens que começaram bem, mas que, com o tempo, foram se desviando dos seus objetivos iniciais e dos caminhos do Senhor. Ele começou seu reinado como um homem de bem e como um bom servo de Deus: “Salomão amava ao Senhor, andando nos preceitos de Davi, seu pai” (1Rs 3.3a). Uma das suas primeiras providências foi ir ao tabernáculo, onde Deus lhe disse: “Pede-me o que queres que eu te dê” (1Rs 3.5b). Podendo pedir qualquer coisa, sua oração foi: “Dá, pois, ao teu servo coração compreensivo para julgar a teu povo, para que prudentemente discirna entre o bem e o mal; pois quem poderia julgar a este grande povo?” (1Rs 3.9). Isso foi tão agradável a Deus que este abençoou o novo rei israelita com bênçãos de todo tipo.
Apesar do bom começo, o final da vida de Salomão foi marcado por atitudes ruins e contrárias ao seu desejo inicial. Ele formou para si um harém com cerca de mil mulheres (1Rs 11.3 cf. Dt 17.17), criou um sistema pesado de impostos e de trabalhos forçados (1Rs 11.28 cf. 12.4) e cometeu a loucura de adorar os falsos deuses das suas mulheres (1Rs 11.4-8). A pergunta natural que se faz diante desse contraste é: “O que aconteceu com Salomão? O que o fez mudar tanto?”. Felizmente, para o nosso ensino, o próprio Salomão dá pistas do que ocorreu na sua vida.
Em primeiro lugar, ele não refreou seus desejos. Ele confessa: “Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma” (Ec 2.10a). Seguindo essa filosofia às avessas, Salomão diz que se deu à bebida e ao prazer de muitas mulheres (Ec 2.3,8b).
Em segundo lugar, ele buscou alegria nas posses: “Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas. Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei árvores frutíferas de toda espécie. Fiz para mim açudes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores. Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; também possuí bois e ovelhas, mais do que possuíram todos os que antes de mim viveram em Jerusalém. Amontoei também para mim prata e ouro e tesouros de reis e de províncias” (Ec 2.4-8a).
Finalmente, ele deu vazão ao seu orgulho. Ele alcançou o intento de superar a todos: “Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém” (Ec 2.9a). Nesse aspecto, ele se tornou um rei invejável, admirado e elogiado por muitos reis (1Rs 10.4-10; 2Cr 9.23,24). Mas os muitos elogios parecem não lhe terem sido benéficos, visto que um dos seus provérbios talvez seja fruto da experiência pessoal: “Como o crisol prova a prata, e o forno, o ouro, assim, o homem é provado pelos louvores que recebe” (Pv 27.21).
O ponto positivo de tudo isso é que nos fica, pelas Escrituras, a lição sobre o que não fazer e o que não permitir ao nosso coração para que se desvie. Pela pena do próprio Salomão, que aprendeu duramente como não agir, fica a lição que qualquer um pode aprender, mesmo aqueles que não foram dotados com o entendimento dado por Deus ao rei de Israel. Seu conselho vale para todos e é tão atual quanto no dia em que foi escrito: “O temor do Senhor é o princípio do saber, mas os loucos desprezam a sabedoria e o ensino” (Pv 1.7); e “de tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem. Porque Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más” (Ec 12.13,14).
Por isso, sabendo que o tempo e a vida têm a capacidade de nos transformar, que Deus nos ajude e que nos empenhemos para nunca sermos cada dia mais parecidos com o mundo, mudando para pior, mas que sejamos “transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3.18).
Pr. Thomas Tronco