Domingo, 13 de Outubro de 2024
   
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Salmo 33 - As Credenciais do Senhor Todo-poderoso

 

Um fato curioso faz parte da história de um museu de arte de Viena (Áustria), o Vienna’s Museum of Fine Arts. Trata-se de um personagem curioso que era costumeiramente conhecido como “O Faraó”. Esse senhor frequentou o museu por, aproximadamente, trinta anos, atuando como uma espécie de guia. Sua especialidade era arte egípcia. Ele aguardava visitantes a fim de lhes apresentar, com informações detalhadas, as obras egípcias do museu. Seu conhecimento do assunto era tão profundo que poucas pessoas se deram conta de que ele não tinha qualquer ligação com o próprio museu. Até mesmo egiptólogos profissionais consultavam-no para dirimir dúvidas que tinham em relação às obras egípcias e ao próprio Egito. 

Contudo, apesar dos dotes singulares desse senhor, o fato mais curioso só foi conhecido depois da sua morte: o maior especialista em Egito, de fato, jamais havia ido ao Egito. Isso espantou muita gente que pensava que aquele homem conhecia o Egito como ninguém, quando, na verdade, ele conhecia – e muito bem – apenas as informações registradas sobre o país. Apesar do seu exímio e singular conhecimento de egiptologia, ele era como um leigo que estuda livros de medicina a ponto de conhecer a teoria médica melhor que os próprios médicos, mas que nunca fez um exame físico em um paciente ou lhe aferiu a pressão arterial. A bem da verdade, “O Faraó” não foi o único a dar a impressão de ser quem não é. Quantas pessoas não se esforçam para transmitir uma imagem irreal a fim de serem admiradas?

Por outro lado, há alguém que, em contraste a essa realidade, é tudo o que diz ser: o Senhor Deus. As Escrituras atestam que Deus é todo-poderoso (2Co 6.18), conhecedor de todas as coisas (Sl 139.16) e soberano (Ef 1.11). Alguém inigualável que pode fazer tudo que desejar (Sl 135.6) sem que ninguém lhe possa impedir (Jó 42.2) ou instruir (Is 40.14). Entretanto, esses atributos têm sido cada vez mais depreciados no mundo ateísta e até mesmo em igrejas ditas cristãs, visto tratarem-no como se fosse um garçom, exigindo dele bênçãos ao gosto do freguês. Entretanto, o rei Davi apresenta as credenciais divinas para os títulos que as Escrituras lhe conferem. O Salmo 33 é um chamado público de louvor a Deus (vv.1-5) e as razões para tal louvor são apresentadas por meio de quatro credenciais que somente um Deus ilimitado e onipotente, merecedor de toda adoração, poderia ter.

A primeira credencial é a criação do universo (vv.6-9). Davi diz, no v.6, que a magnífica obra da criação teve como fonte a vontade e a iniciativa divina: “Pela palavra do Senhor os céus foram feitos e, pelo sopro da sua boca, todo o seu exército” (bidvar yehwâ shamayim ûberûah pîw kol-tseva’am). A expressão “todo o seu exército” é uma referência às estrelas do céu (Gn 2.1). Em resumo, o universo mapeado e até as partes mais longínquas e desconhecidas dos homens vieram a existir quando Deus as ordenou. Se os céus são obras das mãos do criador, nosso planeta também é. Nesse aspecto, o salmista recorda (v.7), pelo relato de Moisés (Gn 1.9,10), de quando Deus fez a separação entre as águas e a terra seca: “Ele é quem reúne as águas do mar como se faz em uma represa; quem lança os oceanos em odres” (kones kanned me hayyam noten be’otsarôt tehômôt). É perceptível o desejo do escritor de tornar a imensidão do mar um mero copo d’água diante do seu criador.

A partir daí, não é mais necessário versar sobre outros aspectos magníficos da criação como as montanhas, as plantas, os animais e a diversidade de tudo que existe. Pela demonstração do poder de Deus diante dos mares – que englobam a maior parte da superfície do planeta –, o salmista atingiu seu propósito de apresentar tal credencial. Ele apenas completa a ideia apontando, agora, para o criador como fonte de toda a existência (v.9): “Pois ele falou e as coisas passaram a existir; ele ordenou e elas surgiram” (kî hû’ ’amar wayyehî hû’-tsiwwâ wayya‘amod).

A segunda é o controle da história (vv.10-12,16-17). Se o poder dos mares e o tamanho do universo não são nada comparados ao poder dos decretos de Deus, o poder político e militar das nações – conceitos mais próximos e conhecidos dos leitores – também sucumbem diante da onipotência divina (v.10): “O Senhor frustrou o desígnio das nações; anulou as maquinações dos povos” (yehwâ hepîr ‘atsat-gôyim henî’ mahshevôt ‘ammîm). Essa realidade fazia parte da história dos israelitas, tantas vezes atacados pelas nações ao redor, tantas vezes protegidos pelo Senhor. Eles aprenderam (v.16), por experiência própria, que “nenhum rei é salvo pelo poderio militar” (’ên-hamelek nôsha‘ berav-hayil gibôr). Deus, por sua vez, a despeito da ineficácia dos intentos das nações e do poder dos seus exércitos, faz cumprir perfeitamente tudo que planejou como só um Deus ilimitado e soberano pode fazer (v.11): “O desígnio do Senhor dura para sempre” (‘atsat ‘atsat le‘ôlam).

A terceira credencial é o conhecimento de tudo (vv.13-15). Se Deus tudo pode, também tudo vê. A falta de limites do Senhor é ampla e abrange os mais diversos aspectos. Nesse sentido (v.13), Davi afirma que “dos céus o Senhor observa; ele vê todos os filhos do homem” (mishamayim hivvîm yehwâ ra’â ’et-kol-benê há’adam). Ninguém foge dos seus olhos penetrantes. Nada passa despercebido por Deus. O v.15, que completa a ideia inicial, é muito parecido com alguns aspectos expostos no Salmo 139, visto que diz: “Ele é o formador de cada coração; é o conhecedor de todas as obras deles” (hayyotser yahad livvam hammebîn ’el-kol-ma‘asêhem). Por “cada coração” entenda-se “cada homem”. Deus, que criou a humanidade e planejou a vida de cada ser humano, conhece tudo que cada um faz, pensa ou sente. Ninguém mais no universo pode apresentar uma credencial como essa.

A última credencial é o cuidado dos fiéis (vv.18-22). O motivo pelo qual Davi escreve o salmo é apresentado, nesse ponto, a fim de produzir segurança nos servos de Deus e, consequentemente, louvor ao seu nome. Ele afirma novamente o conhecimento pleno de Deus, mas, dessa vez, trazendo à luz o motivo do olhar constante do Senhor (v.19): “A fim de livrar a alma deles da morte e preservar suas vidas durante a fome” (lehatsîl mimawet nafsham ûlehayyôtam bara‘av). Deve-se notar que a palavra “alma” nesse texto não tem como intenção se referir ao espírito dos servos de Deus, mas a eles como pessoas. Significa que Deus cuida de cada um dos que lhe pertencem. Lembra também o cerco de uma cidade, onde os habitantes são privados de suprimento e são oprimidos pela fome. É nesse contexto que os israelitas, mais de uma vez, testemunharam o cuidado que Deus tinha com eles. Por isso mesmo (v.20) Davi o chama de “nosso auxílio e nosso escudo” (‘ezerenû ûmaginnenû).

Deus não é um charlatão que diz ser quem não é. Não são poucas as credencias que comprovam o seu caráter e poder para que confiemos nas coisas que sua Palavra nos ensina e para que esperemos pacientemente pela sua proteção. Não há ninguém a quem possamos recorrer que nos trate como o Senhor. O salmista também parece notar que os atributos de Deus não pertencem apenas ao campo da teologia, mas ao campo das vidas práticas daqueles que o buscam. O que a teologia defende, o servo de Deus sente e testemunha no seu dia a dia. Assim, a conclusão que Davi tira dessas verdades não poderia ser outra (v.12): “Feliz a nação cujo Deus é o Senhor” (’ashrê haggôy ’asher-yehwâ ’elohayw).

Que mensagem seria mais apropriada para uma época em que profetas da prosperidade e milagreiros ditos cristãos clamam para si a autoridade de dar paz e alegria para quem os segue? Que lição seria mais necessária diante da atitude moderna – ou pós-moderna – de ignorar a revelação de Deus e de moldá-lo conforme a cobiça humana? Que exortação seria mais propícia para lembrar a igreja de Deus de que métodos que anulem a confiança e a obediência ao Senhor são como querer represar os mares com gravetos?

Que, como o salmista, nossa confiança esteja sobre aquele que tem todas as credenciais para ser nosso protetor e que, como resultado dessa realidade, nosso louvor e adoração só sejam menores que o tamanho e o poder daquele que não pode ser contido por nada, nem por ninguém.

Pr. Thomas Tronco

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