Obadias 13
“Você não devia ter entrado pela porta do meu povo no dia da sua calamidade, não devia ter sido mais um a olhar com prazer para o seu mal no dia da sua calamidade, e não devia ter estendido a mão para tomar seus bens no dia da sua calamidade” (Obadias 13).
Assim como o v.12, que apresentou três atitudes que Edom não devia ter tomado em relação a Israel, o v.13 também lista três ações repreensíveis do povo a quem Deus dirige uma dura repreensão ― o v.14, por sua vez, acrescenta mais duas maldades pelas quais o julgamento divino seria tão pesado. A diferença entre os versículos 12 e 13 é que, no presente texto, as ações passam a ter um caráter mais prático, em uma lista que parece ser crescente. Outra semelhança entre os versículos é a repetição de um termo notável, o qual, dessa vez, é a expressão traduzida como “no dia da sua calamidade”, que encerra cada uma das cláusulas, como se o escritor quisesse repisar o termo a fim de destacar o tamanho da desgraça sofrida pelo povo de Jerusalém. Apesar das semelhanças, as três cláusulas do versículo diferem em força ao apresentar uma progressão nas ações hostis dos edomitas contra Judá,[1] entrando na cidade, alegrando-se com o sofrimento de Jerusalém e unindo-se aos invasores para pilhar os bens do povo abatido.
Nesse molde, o Senhor, então, dirige a Edom três acusações. A primeira delas é “ter entrado pela porta do meu povo”. É óbvio que essa descrição revela o desfecho de um processo bem maior, envolvendo um conluio militar para atacar Judá, a marcha em direção aos seus muros, o cerco à cidade, a derrota do exército defensor e, finalmente, a invasão de Jerusalém portas adentro. Longo, o processo exigiu determinação de Edom e promoveu um grande sofrimento a Judá. Por essa razão, é dito que isso ocorreu a Israel “no dia da sua calamidade”, expressão repetida três vezes no versículo. Algumas versões utilizam modos diferentes de traduzir cada uma dessas aparições, evitando a repetição exata por questões de estilo. Entretanto, o texto parece querer, deliberadamente, que essa repetição idêntica seja exposta.
As intenções para isso podem ser duas, sendo uma delas o desejo de enfatizar a grande calamidade e o desastre pelo qual Israel passou e, outra, fazer um joguete de palavras com uma finalidade didática muito eloquente. O jogo de palavras no texto original entre Edom e o termo traduzido como “sua calamidade” (ʾêdām), cuja sonoridade é semelhante em hebraico, acaba se perdendo nas traduções para outras línguas. O alvo desse trocadilho pode ser criar a ideia de que, o que parecia ser um dia de calamidade para Israel, acabaria se revelando um dia de calamidade para Edom. Quando Edom olhou para o desastre de Judá, estava, na verdade, contemplando-se em um espelho,[2] fazendo jus à presente repreensão do Senhor e ao anúncio do castigo que lhe recairia.
A segunda acusação contra Edom é “ter sido mais um a olhar com prazer para o seu mal”. A ação de olhar com prazer para o sofrimento dos israelitas foi apontada no versículo anterior, parecendo não ter função nesse ponto, ou sendo uma repetição inútil em um quadro que devia crescer e não retroceder ao início. Mas há aqui um acréscimo na construção da sentença, que é dizer que Edom não devia “ter sido mais um” a praticar o crime descrito na frase. O trecho “ter sido mais um” é a tradução presente do que significa, literalmente, “você também”. Alguns tradutores acham desnecessário dar ênfase ao termo enfático “você” que aparece nessa cláusula, devendo ser compreendido do mesmo modo que as demais cláusulas nas quais a pessoa é subentendida na conjugação do verbo.
Entretanto, a presença do advérbio “também” cria uma ideia que não pode ser ignorada, que é a de que Edom se uniu a outros exércitos que estavam fazendo exatamente a mesma coisa. A maldade cruel daquelas nações foi partilhada pelos edomitas, cujo exército era mais um dentre o bando. Não há aqui menção ou reprovação às ações dos demais exércitos, mas a proximidade entre Israel e Edom, como aparentados por meio de seus patriarcas, parece ser a causa de Deus olhar de modo especial para os edomitas e lhes reprovar a participação junto àquela horda de zombadores, tornando Edom mais ainda culpado pela mesma ação realizada por outros. É como olhar para alguém em uma turma e perguntar: “Até você?”. O sentido disso é enfatizar que, de todos os participantes, tal pessoa era a última que podia estar no meio e que sua presença torna seus atos piores e mais reprováveis do que os dos demais.
A última acusação ao povo de Edom nesse versículo é “ter estendido a mão para tomar seus bens”. Ao lançar mão sobre os bens dos israelitas, já abatidos na invasão, os edomitas agiram com extrema injustiça e maldade. Quando Moisés guiou Israel até as planícies de Moabe, margeando as terras de Edom no percurso, a orientação que Deus deu aos israelitas foi que agissem de modo justo, sem usurpar a propriedade do povo vizinho, ordenando: “Não vos entremetais com eles, porque vos não darei da sua terra nem ainda a pisada da planta de um pé; pois a Esaú dei por possessão a montanha de Seir. Comprareis deles, por dinheiro, comida que comais; também água que bebais comprareis por dinheiro” (Dt 2.5-6). Israel foi ordenado a respeitar as posses dos descendentes de Esaú. Mas Edom não teve o mesmo respeito e compaixão por Israel justamente no “dia da sua calamidade”, nem tampouco teve temor do Deus de Jacó, o qual tem Israel como sua “menina dos olhos”: “... porque aquele que tocar em vós toca na menina do seu olho. Porque eis aí agitarei a mão contra eles, e eles virão a ser a presa daqueles que os serviram; assim, sabereis vós que o Senhor dos Exércitos é quem me enviou” (Zc 2.8-9).
Pelo menos duas reflexões surgem disso. A primeira é que ninguém está imune de passar pelo “dia da sua calamidade”, realidade tão enfaticamente expressa nesse versículo. A Bíblia, como um todo, mostra diversas ocorrências de calamidades sofridas tanto por servos como por inimigos do Senhor. Também aponta que tal sofrimento muitas vezes vem como punição divina, enquanto outras vezes ocorrem por ação injusta de pessoas perversas ou simplesmente como consequências naturais do mundo caído. Todo ser humano se verá, mais cedo ou mais tarde, poucas ou várias vezes, diante de dias ou épocas de sofrimento, seja maior ou menor. Entretanto, o fato de Deus, nesse texto, notar o sofrimento de Israel no “dia da sua calamidade” e sentenciar com dureza aqueles que trouxeram tal desventura nos mostra que o Senhor está atento e tem um cuidado especial com seu povo, além de estar ao seu lado nas demandas. Nem sempre ele impede a desventura, como no caso de Israel, mas continua ao lado do seu povo a fim de consolar, fortalecer, restaurar e dirigir, assim como também permanece assentado em seu tribunal para julgar, cedo ou tarde, quem age com perversidade.
A segunda reflexão tem relação com o fato de Edom “ter sido mais um” entre os povos que agiram tão mal. É impressionante como a proximidade e união com os maus têm a capacidade de, não apenas levar uma pessoa a fazer algo que normalmente não faria, como também de encorajar a agir de um modo que a pessoa luta para evitar. Todos têm vontade de fazer coisas erradas, mas muitos não chegam a praticá-las por saberem ser errado e por desejarem evitar as consequências ruins de tais atos. Isso é agir razoavelmente. Entretanto, é muito comum que, no meio de um grupo de pessoas perversas, mesmo a pessoa comedida seja encorajada a abandonar seus bons escrúpulos e seguir a turba, fazendo o que ela pretendia evitar. Eis a razão pela qual devemos tomar muito cuidado com as amizades que cultivamos e com as pessoas com quem convivemos. Se não tivermos tal cuidado, quando elas agirem de modo contrário aos caminhos orientados pelo nosso Deus, é possível que sejamos “mais um” dentre os maus, independente do quanto afirmemos nossas convicções e autocontrole. Mais provável que sair ileso em meio a turma de rebeldes é sofrer as consequências merecidas em um dia de triste “calamidade”.
Pr. Thomas Tronco
[1] Clark, David J.; Mundhenk, Norm. A translator’s handbook on the book of Obadiah. UBS Handbook Series. London; New York: United Bible Societies, 1982, p. 23.
[2] Smith, Billy K.; Page, Franklin S. Amos, Obadiah, Jonah, vol. 19B, The New American Commentary. Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1995, p. 194.