Salmo 11 - O Pessimista e Aquele que Confia em Deus
Muitos personagens dos desenhos animados ficaram gravados na mente de toda uma geração. E, acreditem, esses personagens ainda fazem parte do dia a dia de muita gente crescida. Basta ver como as pessoas utilizam tais personagens nas suas conversas. Por exemplo, se alguém está com o carro quebrado, diz que só pode andar se for com os pés, como faziam os Flintstones. Ou, se tem um palpite muito bom sobre algo, diz que teve uma “visão além do alcance” como dizia o líder dos Thundercats. Ainda, se há alguém muito forte, é apelidado de He-Man.
Um dos personagens de desenho animado que ainda é muito recordado, é uma hiena chamada Hardy. Ele e seu amigo, o leão Lippy, fizeram parte da infância de muita gente, inclusive eu. O pessimismo do Hardy faz com que, até hoje, ele seja o modelo perfeito da pessoa pessimista. Para ele, tudo estava mal e nada daria certo. Sua famosa frase, repetida até hoje, era: “Ó céus; ó vida; ó azar”. Essa frase ainda pode ser ouvida nas rodas de amigos em imitações com o sotaque característico do personagem. Toda vez que a ouço, tenho saudades da minha infância.
Parece-me que tal pessimismo não é privilégio dos desenhos animados. O rei Davi conviveu com pessoas que, a exemplo do Hardy, não tinham qualquer esperança de ver o bem prevalecer sobre o mal. Pessoas que, ao primeiro sinal do mal, manifestavam a disposição de abandonar tudo sem recorrer a Deus como protetor e auxiliador dos que o buscam.
O Salmo 11 inicia com uma declaração da confiança de Davi em Deus: “No Senhor me refugio” (v.1). Essa declaração não é sem propósito. É uma afirmação que se contrapunha ao que Davi ouvia nos seus dias. Ele se dirige a tais pessoas e diz “como dizeis à minha alma?” (’êk to’meru lenafshî). O fato de o verbo se apresentar na segunda pessoa masculina plural mostra que Davi se dirige a vários homens com essa pergunta, homens próximos dele. O rei está indignado com algo que eles lhe disseram. Em outras palavras, ele brada: “Como é que vocês podem me dizer uma coisa dessa?”.
O teor do discurso que irritou Davi foi: “Foge, como pássaro, para o teu monte. Porque eis aí os ímpios, armam o arco, dispõem a sua flecha na corda, para, às ocultas, dispararem contra os retos de coração. Ora, destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo?” (vv.1b-3). Segundo tais palavras, os maus eram tão poderosos quanto caçadores bem armados. Os justos, alvos dos caçadores, deveriam, portanto, fugir como se fossem um pássaro indefeso cuja única vantagem era a velocidade e o alcance da sua fuga. Segundo esses conselheiros do rei, a justiça perecera e nada podia reverter o mal; nada!
Davi não concorda com isso. É certo que ele não minimizava os riscos dos ataques e a ferocidade dos inimigos. Ele não confiava na sua habilidade, nem no poder da sua guarda pessoal. Ele não via a situação com um otimismo sem lógica, nem dizia que tudo terminaria bem apenas por dizer. Ele olhava para o Senhor e nele se refugiava, conforme revelou na primeira frase do salmo. A partir do v.4, Davi fornece, então, as razões para ter recorrido a Deus e para nele confiar.
Em primeiro lugar, Davi localiza o Senhor “no seu templo santo” (behêkal qadshô) e “no seu trono nos céus” (bashamayim kis‘ô). Esse é o lugar, figuradamente falando, onde habita alguém que, ao mesmo tempo, é Deus e rei acima de todos os reis. Um rei divino como autoridade e poder máximos. De seu trono, “seus olhos vêem”, ou “prestam atenção” (‘ênayw yehezû). Não há nada que o Senhor não conheça. Ele sabe tudo o que os homens fazem e até o que lhes passa no coração.
O v.5 é um texto de difícil tradução e diversas versões apresentam possibilidades plausíveis. A dúvida está em se Deus prova ou testa apenas o justo, ou se ele o faz em relação a ambos, o justo e o ímpio. Entretanto, algo sobre o qual não há quaisquer dúvidas é o fato de que “a sua alma [de Deus] odeia aqueles que amam a violência” (’ohev hamas sane’â nafshô). Certamente, são palavras bem duras para se referir a uma reação ainda mais dura da parte do Senhor contra os perseguidores violentos dos justos. Amor e ódio estão presentes nessa frase e um é condicionado ao outro. O ódio de Deus não é gratuito, mas uma reação contra o amor ímpio dos homens pela maldade. Diante disso, o Senhor realmente toma o partido dos retos e antagoniza os maus.
O v.6 contém figuras linguagem que têm a função de aclarar, para os leitores, a intensidade da ira de Deus que atingirá os perversos. A primeira figura vislumbra fogo caindo dos céus sobre os inimigos dos justos. E, nesse caso, é muito importante notar que o verbo “chover” está em um grau que, em hebraico, leva o nome de hiphil. Nesse caso, o texto não está dizendo que “irá chover”, mas que Deus “fará chover” (yamter): “Ele fará chover sobre os ímpios”. É uma atuação deliberada de Deus com a finalidade de punir. Tal castigo é descrito como uma chuva de “brasas de fogo e enxofre”. Como ler essas palavras e não se lembrar da destruição punitiva das cidades de Sodoma e Gomorra?
A figura de linguagem continua e é dito que um “vento violento” (ruah zil‘afôt), algo parecido com um furacão, seria sorvido pelos injustos como “a porção da taça deles” (menat kôsam). É irônico que o prazer dos perversos, como o de degustar um vinho, seja justamente a causa de receberem o contrário do prazer que buscam. Em lugar do paladar da bebida, o que alcançam estes é uma tormenta que os despedaça.
Para encerrar, Davi revela os motivos, não só para a sua confiança, mas para a atuação da parte de Deus ao punir o mau e proteger o reto. Ele diz que “o Senhor é justo” (tsadîq yehwâ). Seu caráter é justo; sua natureza é justa; sua existência é justa. Não é possível que ele mude ou que afrouxe seus justos padrões. A justiça é parte do que ele é. Além disso, ele também “ama a justiça” (tsedaqôt ’ahev). Deus se compraz naquilo que é justo. Esse é o motivo, tanto de ele se opor aos injustos, quanto o fato descrito no final do salmo, que indica que “os retos verão a sua face”. Assim, ele punirá os perversos e receberá os retos para si mesmo.
Agora entendemos a indignação de Davi diante dos conselhos para que fugisse dos maus e da afirmação de que a injustiça teria prevalecido. Davi não era um otimista inconseqüente, mas um conhecedor de Deus e da sua justiça. Ele sabia que podia recorrer a Deus e que ninguém há que possa se comparar em força a ele. Davi tinha convicção de que o Senhor é refúgio dos crentes em qualquer situação e de que o final de todas as histórias dos servos do Senhor é vitoriosa na presença daquele que os protege.
Hoje em dia, com tantos receios sobre o futuro dos crentes e da igreja cristã, é nisso que você crê? Você confia no Senhor acima de todas as circunstâncias? Se a resposta for não, “ó céus; ó vida; ó azar”.
Pr. Thomas Tronco