A Blasfêmia Contra o Espírito Santo Pode Ser Cometida Hoje?
Não é raro ver crentes angustiados ao longo de anos por acharem que cometeram o pecado imperdoável narrado em Mateus 12.22-37, Marcos 3.22-30 e Lucas 11.14-23. Em resumo, esse pecado consiste em atribuir a Satanás uma ação nitidamente operada pelo Espírito Santo na vida de Cristo, mas pentecostais e tradicionais discordam quanto à possibilidade desse pecado ser cometido hoje ou não. Para os primeiros, discordar sobre a origem divina de determinado “avivamento” é cometer a blasfêmia contra o Espírito; para os crentes tradicionais, esse pecado ficou restrito ao ministério terreno de Cristo — o que parece ser a interpretação correta.
Uma leitura simples dos Evangelhos deixará claro que algumas situações eram, de fato, limitadas ao tempo em que Jesus atuou na terra e não podem mais ser repetidas hoje, já que, após sua ascensão, ele passou a sentar-se ao lado do Pai (Hb 1.3), encerrando sua atividade terrena e aguardando o dia de seu retorno (At 1.11; 2.34-35). Mateus 11.20-24 ilustra este ponto, pois Jesus repreende as cidades de Corazim, Betsaida e Cafarnaum por terem presenciado todos os milagres do Messias e, ainda assim, permanecerem incrédulas. Segundo o Senhor, tal postura trará maior rigor no julgamento destas cidades do que o juízo destinado a Tiro, Sidom e Sodoma.
É evidente, portanto, que testemunhar as obras de Jesus em seu ministério terreno e, ainda assim, rejeitá-lo, tinha um peso diferenciado e era algo que só poderia ser praticado naqueles dias. O pecado dos fariseus no contexto da blasfêmia contra o Espírito era, justamente, dizer que Jesus estava possuído de demônio mesmo sendo testemunhas oculares da autoridade do Messias. O fato é que não há mais como vermos Jesus realizar maravilhas exatamente nos termos de seu ministério terreno, já que ele não está mais fisicamente na terra.
A incontestabilidade dos milagres que eram realizados por Cristo também é um fator relevante. Mateus narra que Jesus curou um homem cego e mudo após expulsar um demônio e, enquanto a reação de muitos foi maravilhar-se (Mt 12.23), os fariseus demonstraram absoluta incredulidade (Mt 12.24). O milagre em questão era incontestável e, por ter ali a presença do próprio Cristo, fica evidente que era uma ação divina.
Hoje, entretanto, muitos “milagres” e “maravilhas” que são divulgados por aí não passam de invenção, charlatanismo e autossugestão. Além disso, é preciso lembrar que o mal também realiza feitos sobrenaturais, como aconteceu com os magos do Egito e acontecerá, no futuro, com o anticristo. Inclusive, o próprio Jesus alertou a respeito disso (Mt 24.23-24). Assim, a presença física de Cristo era um fator incontestável daqueles milagres, algo que, hoje, não acontece mais. É por essa razão, inclusive, que os crentes são instados a “provar os espíritos” (1Jo 4.1), ou seja, avaliar se determinados ensinos provêm de Deus ou não.
Além disso, a postura dos mestres da lei é chamada de blasfêmia “contra o Espírito Santo” porque o Senhor executava seu ministério sob a direção e o poder da terceira pessoa da Trindade (Mt 12.18,28 cf. Lc 4.1,14-19; At 10.38). Acusá-lo de estar possuído de demônio ou aliado ao mal era, portanto, chamar o Espírito Santo de Satanás (Mc 3.30) e desqualificar completamente a fonte que autenticava a messianidade de Jesus. Portanto, não se tratava de uma ofensa genérica à ação do Espírito, mas da total rejeição do testemunho que o próprio Deus dava a respeito de Jesus por meio daqueles sinais (At 2.22).
É verdade que o Espírito Santo continua a atuar em nossos dias, mas não mais realiza a tarefa de capacitar e confirmar o ofício messiânico de Jesus, que é o foco da passagem em análise (Mt 12.28). Todo o testemunho a respeito disso já está finalizado, ratificado e registrado no Novo Testamento. Por isso, não é possível fazer paralelos entre esse ministério específico do Espírito Santo na vida de Jesus e a ação do Espírito na igreja e na vida dos crentes hoje. São ofícios distintos para momentos distintos da história. Assim, afirmar que o pentecostalismo é errado não constitui “blasfêmia contra o Espírito Santo”, como alguns dizem convenientemente a fim de assustar seus opositores.
Além disso, todo incrédulo, por natureza, rejeita o testemunho acerca de Cristo até que o próprio Espírito Santo o convença do contrário (Jo 16.8; 1Jo 5.6-12). Logo, fica evidente que a rejeição praticada pelos fariseus era pior que a experimentada por todo incrédulo justamente pela presença física de Jesus e pela tarefa singular do Espírito naquele tempo. Caso não fosse assim, então não haveria salvação para nenhum descrente!
E quanto ao fato disso ser “imperdoável”? As palavras severas de Jesus destacam o grau de dureza do coração daqueles homens, confirmando sua perdição eterna. Não se tratava de algo isolado, mas recorrente na postura deles. O pecado dos fariseus era terrível porque não rejeitava apenas as palavras do “Filho do Homem” em carne e osso, mas considerava como falso o testemunho do próprio Deus. Não se trata de um cenário em que aqueles homens poderiam, eventualmente, se arrepender. Eles não iriam, pois viraram completamente as costas para o único salvador enviado e confirmado por Deus (Jo 3.16-18). Não existem outros meios de perdão de pecados além do sacrifício de Cristo (Hb 10.26-27).
À luz destas considerações, fica evidente que este grave pecado ficou restrito a um período da história. Isso não significa, porém, que os incrédulos de hoje estão em melhores condições que os fariseus e escribas dos tempos de Cristo. A ira eterna de Deus permanece sobre todos aqueles que rejeitam a Jesus (Mt 12.30; Jo 3.36). A diferença é que os Evangelhos previram a condição eterna daqueles homens, enquanto nós não sabemos quem atenderá ao chamado do evangelho em nossos dias.
Aos crentes que se atormentam com essa questão, meu desejo que é o ensino correto da Escritura traga paz aos corações atribulados pelos desvios pentecostais, já que a salvação oferecida por Cristo lança fora o medo do castigo eterno (1Jo 4.18). Vale destacar, porém, que o Espírito Santo ainda pode ser entristecido (Ef 4.30), apagado (1Ts 5.19) e alvo de mentiras (At 5.3), de modo que o cristão zeloso deve buscar uma vida sob completa direção do Espírito (Ef 5.18). Na prática, o entendimento correto a respeito dessa doutrina libertará o crente da mentira escravizadora e o colocará numa posição de temor legítimo diante de Deus.
Pr. Níckolas Borges
Coram Deo