Os Grandes São Pequenos
“Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva” (Mt 20.26).
Em uma conversa recente com alguns irmãos de nossa igreja averiguei uma tendência própria do evangelicalismo moderno que remonta às bases do gnosticismo ao melhor estilo farisaico: o desejo por destaque e proeminência na igreja criando elites espirituais superiores. Irmãos, em sua maioria evadidos do pentecostalismo, relatam como a busca desenfreada por prestígio eclesiástico é sistêmica.
Nessa procura sem fim por posições de destaque, várias pessoas são elevadas à liderança com poucos meses de conversão, desrespeitando frontalmente as ordens de 1Timóteo 3.6 e 5.22. Todos almejam ardentemente ser bispos, pastores, presbíteros, obreiros, tudo menos um membro comum da igreja, pois esses títulos, no entendimento dessas pessoas, evidenciam uma superioridade espiritual digna de notoriedade.
Muitos chegam a permanecer acorrentados em sua própria cobiça por status e reconhecimento, a despeito de detectarem que nessas igrejas a Sã Doutrina é distorcida e tampouco pregada. Sacrificam a saúde espiritual de suas famílias apenas pela ostentação do título diante da congregação local ou regional.
Utilizando as palavras de Oseias (Os 4.6), o povo sofre porque lhe falta conhecimento. Esse tipo de pensamento presunçoso e soberbo comprova que tais pessoas jamais conheceram o Deus verdadeiro revelado nas Escrituras, pois, se o tivessem conhecido, teriam uma visão adequada de si mesmos e imediatamente abandonariam qualquer pretensão vangloriosa.
João Calvino, no início de suas Institutas da Religião Cristã, discorre sobre o que alguns estudiosos chamam de duplex cognitio, ou seja, a correlação entre o conhecimento de Deus e o autoconhecimento. Para o reformador, o conhecimento redentivo de Deus revoluciona o autoconhecimento capacitando o homem natural a enxergar o mundo com os olhos do Criador.
O conhecimento meramente intelectual de Deus, de acordo com Calvino, jamais pode provocar profundas transformações morais e espirituais, como exemplificado pelos mestres da lei e fariseus (Mt 23.27). O resultado desse tipo de conhecimento é demonstrado na postura dos mestres judaicos que almejavam as primeiras posições e o louvor diante dos homens (Mt 23.5-7).
No entanto, a mente regenerada por Deus e habilitada a conhecê-lo descobre sua miséria, ignorância e maldade. Consequentemente, o servo se prostra em adoração, humildade e contrição. O conhecimento de Deus causa no cristão temor e reverência (2Co 5.11-12), ao passo que ele descobre em si mesmo inaptidão e incapacidade, fazendo repousar toda sua fé e confiança exclusivamente em Deus.
Aquele que conhece a Deus irá, inevitavelmente, humilhar-se diante dele e considerar os outros superiores a si mesmo, além de não ser movido por vanglória (Fp 2.3). Os pastores e líderes, em especial, devem demonstrar real e patente humildade diante de todos por conhecerem o Senhor com maior especialização e de modo algum agir como dominadores enfatuados, arrogando para si proeminência e tratamento exclusivo (1Pe 5.3).
A verdade é que quanto mais o crente conhece a Deus, mais ele se esvazia de orgulho, fama, reconhecimento, prestígio e notabilidade e se rende à glória do Senhor. E isso tudo se traduz em uma vida de trabalho e servidão em prol dos crentes em Cristo, conforme aponta o texto no cabeçalho desta pastoral. No reino de Deus os grandes são, na verdade, pequenos.
Pr. Isaac A. Pereira