Tudo para com Todos
Um dos textos preferidos desses crentes piratas é 1Coríntios 9.22, que diz: “Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns”. Como dá para perceber, esse versículo é um prato cheio para os “evangélicos” que querem se igualar ao mundo e andar como andam os incrédulos mais vis que há por aí.
De fato, quem nunca viu esse texto ser usado para defender a ideia de que crente pode ser carnavalesco, roqueiro heavy metal, militante do MST, baladeiro ou coisas piores? Pode conferir: se você se aproxima de uma dessas figuras e diz que o testemunho dela é péssimo (como realmente é), o espertinho logo saca 1Coríntios 9.22 da manga e diz parafraseando Paulo: “Fiz-me pixador (ou qualquer outra escória semelhante) para ganhar os pixadores”.
Cá entre nós: será que essa gente que ama o pecado e a vida torta, que chafurda na lama do mundo por anos a fio e assume um estilo de vida que não tem marca nenhuma de piedade faz mesmo isso tudo movida pelo desejo de que as pessoas sejam transformadas pelo poder do evangelho? Ah, faça-me um favor! É evidente que o que esse povo quer é pular de cabeça em tudo que não presta, acrescentando a esse pecado um ainda mais grave: a blasfêmia de afirmar que a santa Palavra de Deus aprova essas condutas.
Bom, não precisa ser muito esperto para perceber essa jogada. No entanto, resta resolver um problema. Quando olhamos para o texto mencionado, como devemos entendê-lo? Se esse texto não apoia o estilo de vida mundano sob o pretexto de evangelizar, o que Paulo realmente quis dizer quando o escreveu? Em outras palavras: como ele agia quando se fazia “tudo para com todos”? Bem... Não é difícil encontrar as respostas para essas perguntas. À luz da história e das palavras de Paulo, registradas no NT, podemos concluir o seguinte:
1. Igualar-se aos seus ouvintes incrédulos era algo que Paulo fazia com esforço e incômodo. Ele não tinha prazer em adotar essa conduta, vibrando com a possibilidade de agir como um descrente. Na verdade, ele via isso como o trabalho de um escravo, como o serviço árduo de quem estava livre, mas tinha de se sujeitar a certos pesos a fim de atingir o objetivo supremo de anunciar a fé. Nesse sentido, veja a linguagem que Paulo usa em 1Coríntios 9.19: “Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível”. Decididamente, o apóstolo não via essa estratégia como uma forma disfarçada de “curtir” as coisas do mundo.
2. Igualar-se aos seus ouvintes incrédulos era algo que Paulo fazia preservando certos limites. Ao fazer-se gentio para salvar os gentios, por exemplo, ele não se envolvia na adoração dos falsos deuses. Antes, condenava abertamente essa prática (At 17.29). Da mesma forma, ao fazer-se “sem lei” entre os pagãos, Paulo não caía na imoralidade, não fazia brincadeiras de duplo sentido, nem adotava um vocabulário sujo a fim de conduzi-los à fé. Todas essas coisas eram próprias daquela gente (Ef 5.1-7; 1Ts 4.5). Porém, a “acomodação” do apóstolo à realidade alheia era limitada por princípios éticos e teológicos que ele jamais negociava. Por causa disso, Paulo nunca se fez criminoso para ganhar os criminosos, nem nunca usou amuletos para ganhar os adeptos das falsas religiões. Ele, inclusive, escreveu aos coríntios dizendo: “... não dando nós nenhum motivo de escândalo em coisa alguma, para que o ministério não seja censurado” (2Co 6.3). E já nos primeiros anos do seu ministério junto às igrejas, deixou bem claro que jamais se dispôs a comprometer a mensagem e o santo testemunho a fim de agradar a homens (Gl 1.10; 2.3-5).
3. Igualar-se aos seus ouvintes incrédulos era algo que Paulo fazia de forma ocasional e temporária. Seu ajuste ao modo de pensar/agir de alguém era raro e perdurava somente durante o início da abordagem (veja seu sermão aos atenienses em At 17.22-31; veja-se ainda At 21.17-26). Paulo não se tornava um membro permanente do grupo da pessoa que ele evangelizava a fim de ganhar todos os integrantes daquele mesmo grupo. Antes, somente no momento da primeira aproximação ele, às vezes, procurava reduzir as barreiras se acomodando, em parte, à realidade do indivíduo a quem pregava. Isso, frise-se novamente, só perdurava por um breve período inicial. Logo Paulo expunha com clareza sua mensagem e os pecados dos seus ouvintes, deixando de lado as acomodações. Tanto isso é verdade que, geralmente, ele era ouvido pacificamente no início, sendo, em seguida, rejeitado e perseguido.
Eis aí a forma como Paulo se fazia “tudo para com todos”. Portanto, somente quem age assim pode usar o versículo mencionado para descrever a estratégia que adota ao evangelizar. Por outro lado, aos que querem imitar os incrédulos por prazer e impiedade, sugiro que parafraseiem outro versículo quando forem admoestados. Que tal este: “Que temos nós contigo, ó Filho de Deus? Vieste aqui para nos atormentar antes do devido tempo?” (Mt 8.29).
Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria