Segunda, 09 de Dezembro de 2024
   
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Judas e a Videira

Pastoral

“Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto, limpa, para que produza mais fruto ainda” (Jo 15.1-2).

O texto transcrito acima tem sido usado muitas vezes para defender a falsa doutrina da perda da salvação. Vários crentes são ensinados de forma ameaçadora que, mesmo estando em Cristo, poderão ser cortados e lançados ao fogo (Jo 15.6), caso não produzam os devidos frutos espirituais.

Essa visão é baseada no entendimento de que a expressão “estando em mim” significa ser salvo, pois o apóstolo Paulo escreveu, certa vez, aos coríntios, dizendo que, “se alguém está em Cristo, é nova criatura...” (2Co 5.17). O erro básico, portanto, que os defensores da perda da salvação cometem aqui é “ler Paulo em João”, ou seja, aplicar um sentido paulino a uma expressão joanina.

As palavras “estando em mim”, presentes em João 15, não têm, contudo, o mesmo sentido adotado por Paulo. Aliás, quando Jesus as pronunciou, o texto de 2Coríntios 5.17 não tinha ainda sido escrito. Para que se entenda, portanto, o sentido de “estar em mim” em João é preciso, em primeiro lugar, lembrar que Jesus fala dessa forma especialmente com o objetivo de harmonizar o que ensina com a ilustração que usa dos galhos na videira. Querendo, assim, manter o paralelo entre a figura da árvore e a lição que quer ensinar, o Mestre usa a expressão “estando em mim”, atribuindo a ela, portanto, apenas a função de preservar a ilustração e não o papel de evocar um sentido paulino então inexistente. Dessa forma, nenhuma conexão pode ser feita entre João 15.2 e a frase de Paulo em 2Coríntios 15.17.

Em segundo lugar, para compreender a expressão “estando em mim” usada por Jesus, é necessário conhecer o ambiente contextual em que ela foi pronunciada. Ora, Jesus disse essas palavras aos discípulos nos momentos finais que desfrutava com eles. Naquela altura, a ceia do Senhor tinha terminado e Judas se retirara momentos antes do discurso do Senhor a fim de perfazer seu ato de traição (Jo 13.27-30). Em face disso, dentro desse contexto de despedida, em que se vislumbra a perda de um dos Doze, o Mestre afirma que é possível alguém se unir a ele e, afinal, abandoná-lo. Um exemplo claro disso acabara de ocorrer entre os próprios discípulos e Jesus queria chamar a atenção de todos para essa triste verdade.

De fato, Judas era o exemplo perfeito do que o Senhor estava dizendo com a figura do ramo cortado da videira. Ele estivera unido a Cristo, aprendera dele e andara ao seu lado. Porém, nunca frutificou, chegando a abandonar o grupo e a trair o Mestre por dinheiro. Seu fim se assemelharia, portanto, ao de um ramo cortado. Deus mesmo o lançaria fora e o queimaria (Jo 15.6), trazendo destruição completa sobre ele (At 1.18-20).

A passagem de João 15.2 não é, assim, um discurso solto, pronunciado ao léu, sem causa próxima alguma. Antes, é uma descrição do que acabara de ocorrer com Judas! De fato, ele estivera entre os discípulos e até participara do ministério deles, como lembrou Pedro em Atos 1.17. Contudo, não frutificou, sendo enfim quebrado e alcançado pelo juízo.

Como então as palavras de João 15.2 devem ser aplicadas hoje? Bem, esse versículo tem relevância atual e perene porque mostra que é possível uma pessoa caminhar sob a direção de Cristo por um bom tempo, ficando junto dele durante certo período da sua vida e até realizando trabalhos para ele. Porém, não sendo um crente real, essa pessoa, assim como Judas, não produzirá fruto algum e, também como Judas, no fim das contas será cortada.

A imagem que deve vir à nossa mente, portanto, quando lemos João 15.2, não é a do crente real que perde a salvação, mas sim a da pessoa que é como aquele terrível traidor: a pessoa que passa um tempo andando perto de Cristo, ligando-se a ele como um discípulo, chegando a trabalhar em sua causa, mas não sendo transformado pela conversão sincera e, afinal, não frutificando nem permanecendo na verdade.

Há pessoas assim hoje? Sim, sem dúvida alguma. O tempo, porém, as revelará. De fato, para cada uma dessas pessoas chegará o dia em que, talvez, mesmo depois da ceia, elas se levantarão da mesa para entrar de vez na escuridão. E nesse dia, o Senhor, que não esmola o serviço de ninguém, dirá novamente: “O que tens de fazer, faze-o depressa!”.

Pr. Marcos Granconato

Non nobis, Domine

 

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