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Eclesiastes 11.7-10 – Aproveitando a Vida com Responsabilidade

Os conselhos práticos da primeira metade do capítulo 11 e os da segunda metade, os quais visam à felicidade e ao desfrute da vida por parte dos leitores, são uma prova clara de quão enganados estão os estudiosos que consideram o livro de Eclesiastes uma obra pessimista ou o resultado do trabalho de uma mente cínica e incrédula. É possível notar o desejo que o escritor tem de evitar, em seus leitores, sofrimentos pelos quais ele passou e sobre os quais aprendeu, tendo experiência valiosa a transmitir a respeito das complexidades e das contradições da vida.

Na primeira parte do livro, Salomão deixou claro que o esforço humano é inútil porque seus resultados não são permanentes nem garantidos, enquanto, na segunda metade, demonstrou que a ignorância sobre o futuro e sobre os planos de Deus coloca o homem em uma situação complicada. Agora, Salomão volta ao tema do gozo da vida (cf. 2.24-26; 3.12,22; 5.18-20; 8.15; 9.7-9) e o liga a uma vida aceitável diante de Deus.[1] Para o Pregador, não existe a possibilidade de desfrutar a vida de verdade sem ser sábio e não há como ser sábio sem temer ao Senhor criador, soberano e juiz de toda a humanidade.

Para falar sobre felicidade e desfrute da vida, o escritor se vale de uma figura muito vívida e eloquente (v.7): “A luz é prazerosa e ver o Sol é agradável aos olhos”. Esse versículo costuma ser excessivamente interpretado. Com isso, queremos dizer que, frequentemente, os exegetas rendem a ele sentidos e significados que provavelmente vão além do que o escritor tinha em mente. Há quem diga que a luz é um tipo de sinônimo para a alegria ou para a satisfação. Porém, tais propostas, além de diminuir o caráter figurado da expressão, não levam em conta que a questão não é a “luz” em si, mas o ato de “ver o Sol” e sua “luz”, coisa que só pode ser feita pelos vivos. Com isso, o autor não se concentra na luz ou em algum sentido codificado para ela, mas na intenção de dizer que é bom estar vivo e aproveitar os bons momentos da vida (cf. Ec 7.11; Sl 49.19).

Fugindo dessa interpretação excessiva, o uso das figuras da “luz” e do “Sol” parece cumprir três propósitos dentro do capítulo. A primeira função é demarcar a transição de pensamentos dentro do capítulo. Assim, fica clara a mudança de pensamento entre os conselhos práticos para evitar ou minimizar os impactos dos acontecimentos inesperados e o pensamento seguinte, que trata do bom proveito que se deve fazer da vida. A segunda função é servir de ilustração para lições que, na sequência, são enunciadas de modo mais claro. Finalmente, a terceira função parece ser a de construir um paralelo com a figura dos “dias de escuridão” (v.8), anteposta à alegria representada pela “luz”.

Sendo assim, Salomão passa ao conselho direto e prático, antes ilustrado como o prazer e a agradabilidade da luz do Sol (v.8a): “Se o homem viver muitos anos, deve se alegrar em todos eles”. O versículo começa com uma cláusula condicional, indicada pela partícula “se”. Entretanto, esse conselho não vale apenas para quem “viver muitos anos”, como se essa fosse a condição para que o texto fosse aplicado. Em vez disso, trata-se de um modo de dizer que todo o tempo de vida deve ser aproveitado segundo o parâmetro de “se alegrar em todos eles”. Isso significa que, ao longo da vida, o homem deve fazer qualquer coisa com toda sua energia, encontrando nisso alegria e contentamento.[2] Nem sempre é fácil seguir esse conselho, pois ele não depende apenas da vontade do indivíduo, mas também de fatores externos a ele, como os acontecimentos inesperados, o relacionamento com as autoridades e com as demais pessoas, o lucro nem sempre garantido do trabalho e dos investimentos e mais um monte de condições que surpreendem até os mais bem-preparados. Porém, no que depender de cada um, deve haver esforço para aproveitar corretamente a vida e se contentar nela.

O outro lado da moeda é saber que, a despeito dos melhores esforços de usufruir as alegrias da existência humana, haverá dias em que o contentamento será nublado por acontecimentos complicados e contraditórios (v.8b): “Mas também deve se lembrar de que há dias de escuridão, pois haverá muitos deles”. Vários comentaristas sugerem que os “dias de escuridão” são uma referência à morte. Ao defender isso, a principal preocupação desses estudiosos é impedir que os leitores imaginem se tratar de algum tipo de juízo após a morte, o que realmente não é a intenção de Salomão aqui ― não por que não cresse na vida após a morte, mas por abordar a perspectiva da vida debaixo do Sol, a qual se encerra com a morte. Entretanto, parece-nos exagerado limitar a expressão “dias de escuridão” como referência somente ao óbito. Na verdade, os dois capítulos anteriores e a primeira metade deste abordam muitas formas de dificuldade, complicações e dissabores durante a vida, levando a crer que os “dias de escuridão” citados aqui — que certamente terminam com a morte — englobam os acontecimentos inesperados que sobrevêm a todos durante a vida.

O capítulo 12 dá continuidade a essa argumentação ao prever dias que serão difíceis por causa de desprazeres ligados às limitações da velhice, coroados, ao final, com a morte. Outra indicação de que os “dias de escuridão” de que o escritor fala aqui não se trata apenas da morte é a explicação adicional de que “haverá muitos deles”. Sabendo disso, o homem sábio deve se preparar para enfrentar as dificuldades, não como se fossem o fim do mundo, mas como ocorrências normais da existência humana. Por outro lado, deve aproveitar os dias bons sem desperdiçar a chance de se contentar neles. Também não deve dar atenção excessiva a coisas passageiras e inúteis em vez de filtrar as atenções e ocorrências para que se possa aproveitar a vida da maneira correta, pelo que o autor termina o versículo com o seguinte alerta (v.8c): “Tudo que acontece é futilidade”. A intenção do Pregador é lembrar que tudo que acontece é “passageiro”. Por isso, nenhuma boa oportunidade pode ser desperdiçada, sendo que tais oportunidades só são boas de verdade quando baseadas nos valores e na aprovação de Deus.

O versículo 8 se dirige a todas as pessoas, incluindo “o homem” que chega a “viver muitos anos”. Contudo, a preocupação do escritor não é “somente” com os idosos, mas “também” com os idosos. Quando fala em aproveitar o tempo com sabedoria, o alvo primário desse conselho é o jovem, visto que o idoso, muitas vezes, aprendeu essa lição tarde demais, quando não tem mais tantas chances de colocá-la em prática. Por isso, ainda que o conselho seja proveitoso a todas as pessoas, o alvo principal é justamente aquele que tem mais tempo diante de si, porém, com menos sabedoria para aproveitar esse tempo (v.9a): “Ó jovem, alegre-se na sua juventude e faça seu coração feliz nos dias da sua mocidade”. A ordem “faça seu coração feliz” significa, literalmente, “faça seu coração passar bem” ou “trate bem do seu coração”. Poderíamos parafrasear dizendo, simplesmente, “dê ao seu coração aquilo que ele deseja”.

Entretanto, a ideia não é apenas se alegrar, mas se alegrar em bom tempo, quando o desfrute encontra ocasiões propícias e condições favoráveis. O momento para isso é descrito na expressão “na sua juventude”, que começa com uma preposição hebraica cujos significados básicos são “em”, “por” e “com”. Essa amplitude de significados acaba dando ao versículo um sentido ambíguo. A preposição pode servir para apontar o tempo, significando “enquanto você ainda é um jovem” ou “na sua juventude”, ou ter um sentido causal, que teria o sentido de se alegrar “pelo fato de ser jovem” — o que não perece ser o caso nesse texto.[3] A razão da alegria, aqui, não é ser jovem, mas viver, o que pode ser aproveitado melhor quando as forças são muitas e as limitações são poucas. Além disso, o trecho “na sua juventude” encontra paralelo perfeito no trecho “nos dias da sua mocidade”, que também tem um caráter temporal. Por isso, o indivíduo deve buscar sabedoria em Deus para aproveitar sua vida corretamente desde a sua juventude até o final da sua vida, ainda que viva por muito tempo.

Outro paralelo que chama atenção são as instruções “alegre-se” e “faça seu coração feliz”. Isso pode, à primeira vista, soar estranho a quem espera ler nas Escrituras apenas conselhos que conduzam à santidade, devoção, fidelidade e serviço a Deus. Diante dessas prioridades, buscar por alegria parece ser um antisserviço, como se a alegria pessoal e a fidelidade a Deus fossem contraditórias e que o servo de Deus tivesse de escolher entre uma e outra. Mas isso não é verdade. O escritor sabe muito bem separar a alegria obtida no meio do pecado e da rebeldia da boa alegria que vem do Senhor e que deve ser usufruída com moderação, sabedoria e consonância com a vontade divina. Assim, não é preciso ― nem correto ― abrir mão de toda felicidade e prazer a fim de servir a Deus, como se ele se agradasse em nos ver apenas sofrer por seu nome. É claro que há prazeres que desonram o santo nome do Senhor e que devem ser abandonados, mas é preciso saber diferenciar entre o que Deus quer que deixemos para trás e aquilo que ele quer que seus servos recebam dele como um santo presente de um pai amoroso.

Mas a dificuldade não acaba aí. A segunda parte do versículo se vale de termos que também podem confundir o leitor (v.9b): “Siga pelos caminhos que seu coração deseja, do modo que parecer bom aos seus olhos”. Esse trecho significa, literalmente, “siga nos caminhos do seu coração e na visão dos seus olhos”. O choque dos leitores vem da recordação do que ensinam outros textos como, por exemplo, o de Moisés, quando diz: “Não seguireis os desejos do vosso coração, nem os dos vossos olhos, após os quais andais adulterando, para que vos lembreis de todos os meus mandamentos, e os cumprais, e santos sereis a vosso Deus” (Nm 15.39-40). Entretanto, a exortação do Pregador para seguir “o coração” não endossa a ação de seguir imprudentemente cada impulso. Apenas quer dizer que não se deve viver lamentando a condição humana a ponto de ser impossível ser feliz. Os dias de juventude e vigor são poucos e, por isso, devem ser bem-aproveitados.[4] Na verdade, o próprio escritor de Eclesiastes sabe diferenciar os desejos carnais, pecaminosos e inúteis (2.2; 7.2) ― aos quais ele condena e desencoraja ― daqueles que devem ser buscados e aproveitados como coisas boas (5.18).

A grande dúvida é a respeito de como saber ou decidir que tipos de alegria são ruins e quais são positivas. Atualmente, a sociedade tem proposto que nada há que seja, em si mesmo, certo ou errado, bom ou ruim. Por isso, toda alegria deveria ser definida como boa ou má segundo os critérios dos gostos, pensamentos e conceitos de cada um, de modo que determinado prazer poder ser certo para um e errado para outro. Mesmo assim, o único padrão para avaliar esse certo e errado seria a própria pessoa, não sendo permitido que outros lhe digam que aquilo é mau. Apesar da estranheza de tal proposta, o mundo aprendeu rapidamente a se valer dela para justificar todo tipo de distorção de caráter, atitude e procedimento. Mas o autor dá uma resposta a essa pergunta que, além de taxativa, supera todos os conceitos e gostos pessoais de cada um (v.9c): “Mas saiba que Deus o julgará por todas essas coisas”. A expressão “o julgará” significa “o levará a julgamento” ou “o fará comparecer em juízo”, transmitindo um caráter bastante sério ao alerta e mostrando que o gosto pessoal não é o padrão pelo qual as ações e impulsos são avaliados como bons ou maus. Na verdade, é o que Deus pensa sobre eles que os qualifica, o que vale também para as alegrias que o homem busca e alcança.

O mesmo autor informa que, quando a morte chega, o corpo de cada um retorna ao pó, enquanto o espírito retorna a Deus, que promoverá todos os julgamentos finais (cf. 12.7).[5] Isso também significa que o homem, a despeito da soberania de Deus sobre a vida, é responsável por suas condutas e decisões, sem que possa encontrar desculpas válidas para seus erros e escolhas ruins.[6] O tom de ordem que há nessa frase, instruindo o leigo a ter conhecimento de que será julgado, traz consigo a ideia de que consequências ruins podem resultar de ações impensadas que desconsiderem ou desprezem tal juízo. Esse conselho é muito apropriado, pois a juventude é uma época de saúde, vitalidade e oportunidades, mas é, também, frequentemente desperdiçada e mal dirigida por causa de excessos tolos.[7]

O último versículo apela contra a perda de tempo que a tolice e os valores errados causam na juventude (v.10a): “Remova o desgosto do seu coração e afaste a dor do seu corpo”. A expressão “do seu corpo” significa, em hebraico, “da sua carne”, que, em conjunto com “o seu coração”, aponta a pessoa como um todo, incluindo seus sentimentos e pensamentos, como se fizesse referência a “corpo e alma”. Quanto à instrução sobre afastar “a dor do seu corpo”, os exegetas se dividem em duas possibilidades de interpretação. Em uma delas, a referência ao corpo significaria o mal moral, sendo uma ordem para o homem evitar o pecado. Nesse caso, a dor do corpo seria a consequência negativa da maldade, a qual traz consigo sofrimentos que impedem o desfrute da vida. Contudo, esse ponto foi tratado satisfatoriamente pelo autor ao citar o juízo de Deus no versículo anterior. Neste, ele parece voltar ao tema do desfrute, incentivando-o enquanto é tempo. Assim, a maior probabilidade de interpretação correta recai sobre a segunda possibilidade, que vê nessa ordem uma referência ao homem inteiro, incluindo seu “coração” e seu “corpo”, ou seja, suas realidades internas e externas.[8] O mesmo autor dá mostras de que o interior e o exterior do homem estão significativamente ligados quando diz que “o coração alegre aformoseia o rosto, mas com a tristeza do coração o espírito se abate” (Pv 15.13).

Isso quer dizer que o ascetismo não traz vantagens, nem resolve os problemas e perplexidades da vida.[9] Sofrer não é obrigatoriamente um modo de crescer ou se purificar, nem é uma opção de vida mais sábia que buscar alegria nas boas coisas com as quais Deus presenteia o homem. Deixar esse bom desfrute nos dias da mocidade é ainda pior que fazê-lo na velhice, quando a possibilidade de deleite é limitada pela falta de forças, de saúde e de tempo (v.10b): “Pois a juventude e o início da vida são futilidade”. O leitor deve entender o termo “futilidade”, aqui, como “algo passageiro”, uma característica contrária daquilo que é perene e permanente, que pode ser usufruído quando a pessoa quiser. Ironicamente, os jovens costumam perder sua mocidade em coisas inúteis e destrutivas, enquanto os velhos, que aprenderam a lição, deixaram passar a oportunidade adequada de pô-la em prática.

Em resumo, o Pregador ensina que a vida deve ser intensamente desfrutada em vista de sua brevidade, mas o comportamento deve ser equilibrado pela lembrança solene e inquietante do juízo divino.[10] Assim, tanto a alegria como o temor são ingredientes obrigatórios para que o banquete da vida tenha o sabor exato e traga deleite e bem-estar aos servos de Deus. A sobremesa especial dessa mensagem será servida, pelo Pregador, no capítulo seguinte, com os temperos e essências de uma vida feliz, sábia, significativa e piedosa.

Pr. Thomas Tronco

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[1] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B. The Bible Knowledge Commentary: Old Testament. Colorado Springs: David C. Cook, 1983, p. 1003.

[2] Merrill, Eugene. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Shedd, 2009, p. 606.

[3] Ogden, G. S.; Zogbo, L. A Handbook on Ecclesiastes. UBS Handbook Series. New York: United Bible Societies, 1998, p. 411.

[4] Garrett, D. A. Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs. The New American Commentary. Vol. 14. Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1993, p. 340.

[5] House, Paul R. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2005, p. 612.

[6] Hill, Andrew E.; Walton, John H. Panorama do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007, p. 407.

[7] Winter, J. Opening Up Ecclesiastes. Opening Up Commentary. Leominster: Day One Publications, 2005, p. 146.

[8] Spence-Jones, H. D. M. (Ed.). Ecclesiastes. The Pulpit Commentary. London: Funk & Wagnalls: 1909, p. 280.

[9] Eaton, Michael A; Carr, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 155.

[10] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 570.

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