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Eclesiastes 7.1-6 – O Sábio e o Modo Correto de Ver a Vida

Tendo levado, na primeira metade do livro, seus leitores ao fundo do vale da desesperança e da falta de sentido, guiando-os pela visão das coisas exclusivamente “debaixo do Sol”, o Pregador inicia agora sua jornada de volta, trazendo seus desesperançados aprendizes pelo caminho da sabedoria nessa vida, sob os valores daquele que habita acima do céu. Em outras palavras, a primeira parte dessa jornada foi levar o homem existencialista até o final da estrada que ele escolheu trilhar, mostrando-lhe que não há nela alegria, justiça, sucesso, descanso, esperança ou sentido.

Mas a jornada que ele trilhará a partir do capítulo 7, apesar de suas curvas de raciocínio e lombadas exegéticas, dá-se por um caminho cujo mapa são a sabedoria e o temor de Deus, as quais não apenas dão sentido à vida, mas ajudam a atravessá-la, até a velhice (cf. 12.1-8), da melhor maneira possível. Nessa trilha, o homem certamente enfrentará alegrias e dissabores até que se chegue à presença de Deus, que vai julgar todos os homens (cf. 11.9). Assim, em cada situação tratada na primeira parte do livro, que levou o homem incrédulo, ateu e existencialista ao desespero, o escritor agora ensinará como, em sabedoria, o homem que teme a Deus pode enfrentar cada um desses males sem cair na desesperança, fazer escolhas ruins, criar consequências dolorosas para si ou colocar-se sob o olhar punitivo do Senhor, mas, sim, sob sua graça e amor. Em resumo, o Pregador tem o objetivo de estimular o temor do Senhor como a chave para uma vida significativa em um mundo que é, em tudo mais, desprovido de significado.[1]

Já que a vida trilhada com Deus, seguindo por seus caminhos, ensinos e valores, não é um conto de fadas em que o herói sempre vence o mal e o vilão, Salomão passa a ensinar como viver em um mundo tão sem sentido em si mesmo, cheio de perigos e sofrimentos. Ao usar a fórmula “é melhor que”, ele levanta uma barreira contra o pessimismo e o niilismo,[2] normalmente atribuídos ao livro. Significa que, mesmo com toda a futilidade e dificuldade da vida, existem coisas que são melhores que outras, mostrando ao leitor que é possível ser sábio e viver bem no mundo debaixo do Sol.[3] Para tanto, o escritor lança mão de declarações sobre Deus envoltas em ensinos de sabedoria muito parecidos com os livros de Provérbios e ,[4] visto que ambos abordam de frente as reflexões sobre os sofrimentos da vida e os defeitos da humanidade, apresentando tanto uma visão sábia como atitudes práticas louváveis para aqueles que temem ao Senhor.

O escritor começa seu texto usando uma forma proverbial que nos traz à memória o outro livro de sua autoria (v.1a): “Uma boa reputação é melhor que um bom perfume”. A expressão “boa reputação” quer dizer, no original hebraico, “bom nome”, mas seu sentido não está ligado ao nome da família, associando-lhe as ideias de tradição, riqueza, nobreza ou poder. Trata-se do bom nome pessoal, ou seja, o modo como as pessoas veem o indivíduo e que tipo de fama ele tem nas conversas alheias. A expressão paralela, “bom perfume”, indica um perfume caro e fino que produziria uma boa sensação nos outros assim que a pessoa perfumada entrasse no ambiente. As ideias de um preço caro pago por ele e da sensação agradável que ele traz formam a base de comparação que Salomão utiliza para falar sobre a importância do bom nome. Quer dizer que a pessoa de “boa reputação” tem de encarar sua condição como algo precioso, que precisa ser protegido e guardado a todo custo e cuja perda significa um prejuízo irreparável. Por outro lado, o bom nome faz com que as pessoas ao redor se sintam bem com o indivíduo de boa fama, sendo-lhes agradável, mais que um bom perfume.

Por mais interessante que seja a primeira parte do versículo, trata-se, provavelmente, de um provérbio popular que o Pregador utiliza para fazer uma comparação com a parte seguinte, que é, de fato, seu objetivo (v.1b): “Assim como o dia da morte é melhor que o dia do nascimento da pessoa”. Se é fácil entender porque um bom nome é melhor que um bom perfume, não fica tão claro, ao primeiro olhar, a razão de “o dia da morte” ser melhor que “o dia do nascimento”. Entretanto, esse é exatamente o ponto que o escritor quer destacar e desenvolver — a julgar pelos versículos seguintes. Um sentido improvável que essa frase pode ter é a de que a morte é o fim dos sofrimentos da vida fútil. Contudo, esse sentido encontraria melhor morada no capítulo anterior, em que as futilidades são o motivo de a vida debaixo do Sol não ter sentido algum e causar tanto desespero e desilusão, bem diferente do tom positivo de ensino sábio que encontramos nesse capítulo.

Assim, alguns intérpretes podem optar pela possibilidade de o autor usar os pontos inicial e final da vida a fim de retratar o tempo entre os dois, como se dissesse que a segunda metade da vida é melhor que a primeira. Dentro de Eclesiastes, esse pensamento faria muito sentido, visto que a primeira parte da vida, apesar do vigor da juventude, é marcada também por arroubos e tolices. Já a segunda parte da vida, apesar das suas dificuldades e sofrimentos, é também marcada por experiência de vida que pode ser convertida em sabedoria, dependendo da visão que a pessoa tenha da vida. Outra possibilidade interpretativa, que não anula a anterior, é que essa menção sirva de introdução para as ideias que serão desenvolvidas, de modo mais claro, nos versículos seguintes. Nesse caso, a morte é melhor que o nascimento porque a tristeza que a morte causa, diferente da alegria do nascimento, proporciona uma ocasião vantajosa para a reflexão sobre os valores da vida. Desse modo, esse versículo não pode ser retirado do seu contexto a fim de não produzir uma ideia errada, já que está vitalmente atrelado ao que vem a seguir.

Sendo assim, sem a necessidade de outra comparação com ditos ou realidades conhecidas de seus leitores, o escritor vai direto ao assunto que tem em mente sem rodeio algum (v.2a): “É melhor ir a uma casa onda há um velório que ir a uma casa onde há um banquete”. O termo “velório” quer dizer “lamento” ou “luto” e descreve uma situação de morte, já exposta no versículo anterior. Por sua vez, o termo “banquete” quer dizer “festa” ou “consumo de bebidas”, produzindo a ideia de um festejo regado a vinho para os alegres convidados, os quais vão ficando mais alegres à medida que consomem o vinho oferecido. Infelizmente, junto com tanta alegria vem a dissolução, pelo que Paulo alerta: “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito” (Ef 5.18). A embriaguez é uma porta escancarada para procedimentos tolos que causam males dos quais a pessoa, muito frequentemente, arrepende-se posteriormente e sofre consequências indesejadas, perdendo o tão precioso “bom nome” ou “boa reputação” (v.1).

Os perigos e as futilidades de um festejo com bebidas, exageros e leviandades eram conhecidos pelos homens do passado e ainda são em nossos dias. Mas por que um “velório” seria melhor que um “banquete”? A primeira e óbvia razão é que essa dissolução e suas consequências não teriam lugar em um ambiente em que reinam o lamento e o choro. Entretanto, bebidas não são exclusivas em ocasiões de festas, mas são comuns também em velórios de muitas culturas. Assim, qual seria a diferença básica que levou o escritor a tal comparação? Isso ele explica na segunda parte do versículo (v.2b): “Pois naquela casa há o fim de todos os homens e os vivos deviam tomar isso em seu coração”. Ao que tudo indica, a principal preocupação do escritor não é se haveria ou não bebida — apesar de que, em qualquer caso, a embriaguez produz atitudes tolas e não sábias. O ponto parece ser a observação, por parte de quem vai a um velório, do “fim de todos os homens”, a morte. A frase “deviam tomar isso em seu coração” quer dizer, literalmente, “dar ao seu coração” e significa pensar e meditar naquele fato, o fim da vida.

A ideia vai mais longe e ensina ser sábio ter sempre em mente que, um dia, cada um de nós vai morrer. Assim, aquilo que uma festa não pode fazer, um lugar de luto pode, que é, diante da morte, fazer o indivíduo pensar seriamente na vida,[5] conforme Moisés via tal necessidade: “Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio” (Sl 90.12). Carregar consigo as conclusões advindas da certeza de que todos vão morrer é capaz de fazer tal homem preservar seu “coração” de assumir valores errados e uma visão equivocada que afetarão, inevitavelmente, suas decisões morais e atitudes,[6] conforme o próprio escritor ensinou em outro livro: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Pv 4.23).

Ao manter esse pensamento sempre claro, cada pessoa deve avaliar seu modo de vida e decidir se é assim que gostaria de terminar sua vida. Se ela levar isso sempre em conta, seu “dia da morte” será melhor que o do “nascimento”, pois partirá com uma “boa reputação” (v.1) por ter vivido de modo sábio debaixo do Sol, deixando de lado arroubos e impulsos tolos dos inexperientes que buscam a alegria nos lugares errados. Por isso, o Pregador acrescenta mais uma cor à sua figura (v.3): “É melhor sentir desgosto que dar risadas, pois um rosto aflito faz bem ao coração”. O escritor não é um tipo de masoquista que gosta de sofrimento como uma finalidade em si. O “desgosto” que ele vê como algo vantajoso, mais que os momentos alegres de muitas “risadas”, se deve ao resultado produzido pela tristeza. O autor descreve isso dizendo que “um rosto aflito faz bem ao coração”. O “rosto aflito” é apenas o efeito da causa que ele tem em mente, que é o “desgosto” resultante de uma situação difícil, incluindo a morte de alguém — já que esse é o contexto em questão. Mas o “rosto aflito” pode surgir por muitas razões, umas mais graves que outras. Independente de qual seja o motivo da tristeza, o Pregador afirma fazer “bem ao coração”, pois leva a pessoa a refletir sobre os valores e a fragilidade da vida e deixar de lado a ilusão de que as alegrias momentâneas podem torná-la completa e feliz. A verdade é que o sentimento que se manifesta pela aparência de tristeza (cp. Gn 40.7; Ne 2.2) tem um efeito purificador sobre o coração.[7]

A pintura vai ganhando mais definição à medida que o escritor faz novos acréscimos, apesar de o próximo aparentar ser apenas uma repetição de algo já dito (v.4): “O coração dos sábios está na casa onde há um velório, enquanto o coração dos tolos está na casa onde há um festejo”. A princípio, parece se tratar do mesmo ensino do versículo 2, mas isso não é inteiramente verdade. Em primeiro lugar, a figura do “sábio” é introduzida e associada à busca pelo entendimento que, nesse texto, é produzido em uma situação de falecimento e luto. É claro que para ser sábio não é preciso ser um caçador de velórios. O ensino que o escritor tem em mente pode ser encontrado mesmo sem ninguém morrer, desde que a pessoa leve “em seu coração” (v.2) a lembrança de que um dia irá morrer e que, portanto, sua vida deve ser guiada e balizada por esse fato. Outro acréscimo desse versículo é que, curiosamente, o escritor constrói a primeira parte da frase com palavras retiradas do versículo 2, enquanto, na segunda parte, ele substitui “banquete” por “festejo”. Nesse contexto, a tradução “festejo” traz o significado que melhor se adequa à frase, mas o escritor deve ter escolhido tal palavra porque, em hebraico, ela também produz as ideias de “alegria”, “júbilo” e “exultação”. Assim, ele expande a figura de um banquete com bebidas para uma festa em que os convidados exultam e se divertem sem muitos limites, buscando satisfação imediata.

A contraposição entre sabedoria e tolice é clara no texto. Desse modo, pegando carona ainda na figura do festejo leviano e fugaz dos tolos, o escritor prossegue (v.5): “É melhor ouvir uma repreensão de um sábio que ouvir uma canção dos tolos”. Em vez de se traduzir “ouvir uma repreensão”, poderia ter-se optado por “receber uma repreensão”. Contudo, o autor, deliberadamente, utilizou o mesmo verbo nas duas partes do versículo a fim de fazer uma comparação clara e uma reflexão adequada. Mesmo assim, o fato é que “ouvir uma repreensão” ou dar ouvidos a ela significa lhe dar a devida atenção e aceitar as verdades repreensivas, tornando-se uma pessoa melhor.[8] A “canção dos tolos”, por sua vez, pode ser encontrada em meio aos festejos e exultações momentâneas. É a descrição de um momento de alegria que as pessoas, em geral, gostariam de ter, em vez de tristezas. Mas Salomão, que certamente deu muitas festas em seu palácio durante seu reinado, afirma que algo melhor que tais canções e suas motivações fúteis é “ouvir uma repreensão de um sábio”. Ele aborda o mesmo tema no livro de Provérbios[9] ao dizer que “leais são as feridas feitas pelo que ama, porém os beijos de quem odeia são enganosos” (Pv 27.6). É obvio que ninguém gosta de ser repreendido, mas seu resultado final, em vez de alegria passageira, é a correção de um erro a fim de produzir sabedoria permanente e evitar problemas que podem ser motivo da perda de qualquer tipo de júbilo.

Para contrapor as ideias de uma “alegria passageira” e uma “sabedoria permanente”, o Pregador compara a “canção dos tolos” a uma pequena fogueira sob uma panela (v.6a): “Pois como o barulho de gravetos queimando debaixo da panela, assim é o riso do tolo”. A ideia do texto só passa a fazer sentido para o leitor quando ele é informado de que a palavra hebraica, traduzida aqui como “gravetos”, tem o sentido de “palha” e “espinheiros”, os quais fazem barulho ao queimar, estalando em meio ao crepitar do fogo, mas que são consumidos rapidamente e logo se apagam.[10] Com isso, o escritor quer dizer que no momento em que o tolo canta, ri e se alegra há muito barulho de diversão, o qual logo acaba. E do mesmo modo que gravetos que queimam rápido são incapazes de cozinhar a comida que está na “panela”, deixando com fome aqueles que dependem dela, a diversão e a “canção dos tolos” também acabam e deixam um vazio após si, como se o homem que se divertiu futilmente estivesse com fome de significado na vida e com necessidade de uma felicidade permanente. Por isso, essa parte da lição termina com uma frase já muito conhecida (v.6b): “Isso também é futilidade”. A verdade é que pior do que ter uma barriga vazia é ter uma alma vazia.

Isso deve nos levar a uma reflexão muito séria sobre nossa própria vida. Será que temos agido como quem vai morrer um dia? Será que nosso nome será bem-lembrado depois de partirmos? Será que ele é bem-avaliado agora, enquanto vivemos? Será que vamos nos apresentar apropriadamente diante de Deus depois de morrermos? Tais questionamentos devem ser feitos por todos os homens e, longe de conduzi-los ao pessimismo e ao cinismo, precisam guiá-los à sabedoria em suas ações e atitudes diante de Deus. A outra opção é buscar alegria e risos passageiros, enchendo a barriga de comida e bebida enquanto a alma está vazia, conforme Paulo observa na visão de quem olha apenas para essa vida: “Comamos e bebamos, que amanhã morreremos” (1Co 15.32b). Realmente, essa última opção não é a melhor. O mesmo apóstolo explica que “se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1Co 15.19). Então, responda a você mesmo: Sua alegria é perene por causa do seu relacionamento com Deus, por meio da fé em Jesus, ou você ainda vive de alegria em alegria, de festa em festa, de banquete em banquete, sempre rindo de boca cheia, mas dormindo toda noite com a alma vazia?

Pr. Thomas Tronco

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[1] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 566.

[2] “Niilismo” é uma doutrina filosófica cujo ceticismo extremo faz com que se negue todos os princípios religiosos, políticos e sociais, tratando todas as coisas como absurdas e desprovidas de sentido, levando o homem a se livrar e se desobrigar de todas elas.

[3] LaSor, William S., Hubbard, David A.; Bush, Frederic W. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 551.

[4] House, Paul R. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2005, p. 608.

[5] Eaton, Michael A; Carr, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 116.

[6] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B. The Bible Knowledge Commentary: Old Testament. Colorado Springs: David C. Cook, 1983, p. 992.

[7] Spence-Jones, H. D. M. (Ed.). Ecclesiastes. The Pulpit Commentary. London: Funk & Wagnalls: 1909, p. 156.

[8] Ogden, G. S.; Zogbo, L. A Handbook on Ecclesiastes. UBS Handbook Series. New York: United Bible Societies, 1998, p. 224.

[9] Winter, J. Opening Up Ecclesiastes. Opening Up Commentary. Leominster: Day One Publications, 2005, p. 95.

[10] Matthews, V. H.; Chavalas, M. W.; Walton, J. H. The IVP Bible Background Commentary: Old Testament. Downers Grove: InterVarsity Press, 2000, [Ec 7.6].

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