Sexta, 04 de Outubro de 2024
   
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Eclesiastes 5.10-20 – A Visão da Vida do Rico e do Pobre

Os dois versículos anteriores trataram do triste problema da corrupção, das injustiças feitas por quem devia garantir o direito e a exploração social dos pobres e indefessos em benefício dos ricos e poderosos. Ninguém estranharia ouvir notícias sobre isso hoje em dia, mas surpreende saber que isso sempre aconteceu, não sendo fruto de determinado sistema sociopolítico, mas da queda do homem e do pecado que agora o domina. O próximo passo do Pregador é mostrar como age a questão dos bens, muitos ou poucos, nas pessoas que olham apenas para a vida debaixo do Sol e para aquelas que, olhando acima do céu e notando a mão de Deus em suas vidas, vivem com os bens, quaisquer que sejam, dados pelo Senhor e por sua santa sabedoria.

Em suma, depois de mostrar que os benefícios do trabalho talvez não sejam desfrutados por poderem ser perdidos para Deus (v.1-7) ou para autoridades governamentais (v.8-9), Salomão acrescenta ao seu argumento que a própria cobiça de uma pessoa pode mantê-la longe do desfrute dos seus bens[1] (v.10): “Aquele que ama o dinheiro não se sacia com o dinheiro que tem e aquele que ama as riquezas não se satisfaz com seus rendimentos. Isso também é futilidade”. O trecho traduzido como “nunca se sacia com o dinheiro que tem” quer, literalmente, dizer “não se sacia de dinheiro”. Com isso, o escritor quer dizer que é comum que homens ricos queiram ser mais ricos e, mesmo tendo muito dinheiro, às vezes estão menos satisfeitos do que quem tem bem menos. Na verdade, em vez de se satisfazer com o que possuem e aproveitar as facilidades que o dinheiro lhes garante, o objetivo de suas vidas é ganhar e acumular mais dinheiro, mesmo que eles nunca cheguem a desfrutar de verdade de todo ele. Isso ocorre nos cobiçosos porque, primeiro, eles amam o dinheiro e, então, passam a amar mais dinheiro ainda. O problema é que a busca decepcionante e sem fim por ele pode levar a todos os tipos de problemas. Não é sem razão que Paulo diz que “o amor ao dinheiro é raiz de todos os males” (1Tm 6.10).[2]

Por sua vez, o trecho traduzido como “não se satisfaz com seus rendimentos” quer, literalmente, dizer “nem de rendimentos”, deixando subentendida a ideia de esse homem também não se satisfazer com o montante que ganha. Nesse caso, não tem a ver apenas de quanto a pessoa possui, mas de quanto ela consegue ganhar em um determinado período. Trata-se do seu salário ou dos seus lucros. Segundo esse texto, o homem que “ama as riquezas” nunca acha que ganha o suficiente e, em vez de se contentar em ter uma boa renda, provavelmente muito maior do que realmente precisa, ele não fica satisfeito e não se sente feliz. Ele quer ganhar mais, mas se consegue ganhar mais, ainda assim não está feliz com o que faturou. Na mente dele, qualquer valor que receba é menos do que ele poderia ter recebido. Por isso, o versículo termina dizendo que “isso também é vaidade”, pois a pessoa trabalha e possui o que ela nem chega a aproveitar e nunca se sente bem e satisfeita.

Além da insatisfação, o acúmulo de bens traz outros problemas consigo (v.11a): “Ao se multiplicarem os bens, multiplicam-se aqueles que dele comem”. A primeira parte do versículo pode muito bem ser ilustrada pela história homérica (Odisseia — escrita por volta do século 8 a.C.) do difícil retorno de Ulisses para o seu reino, em Ítaca, depois de dez anos de guerra em Troia. Enquanto estava na guerra, pretendentes ao seu reino ficavam permanentemente no palácio, comendo e bebendo às custas do tesouro real, esperando que a rainha Penélope desse o rei como morto e se casasse com outro. Infelizmente, isso não acontece apenas quando o dono da riqueza está distante. Ao contrário, à medida que um homem se torna cada vez mais rico, não coincidentemente também aumenta o número de “amigos”, pessoas que dizem gostar dele e que passam a bajulá-lo. Sentindo-se bem com tanta atenção, o homem rico começa a gastar seu patrimônio com tais pessoas, as quais não são amigos de verdade, mas, sim, amigos do seu dinheiro. O mesmo acontece com familiares que, tento parentesco com o abastado, aproveitam-se da ligação sanguínea e dos sentimentos do parente para ter acesso às riquezas que não lhes pertencem.

Desse modo, custeando a alegria e o conforto de tanta gente, uma pergunta é feita sobre os benefícios que o patrocinador de tanto esbanjamento realmente tem (v.11b): “Pois que ganho há para os donos dessas riquezas além de ver com seus olhos?”. A palavra hebraica para “ganho” foi traduzida em 2.21 como a “habilidade” pessoal de ser bem-sucedido e em 4.4 como “êxito”. Contudo, nesse versículo, o termo acaba possuindo um tom irônico, pois, em vez de ter êxito e ser bem-sucedido, o homem rico tem prejuízo sobre prejuízo com esse monte de gente que o cerca, enquanto seu único “ganho” é ver seus bens serem dilapidados por um amontoado de interesseiros. Nesse caso, pode ser que ele até faça isso com um sorriso, de gosto amargo, para seus convidados, enquanto seus olhos vêm a riqueza se esvair à toa. Por isso, essa é uma pergunta retórica que espera ouvir dos “donos dessas riquezas” apenas uma resposta: “Não há absolutamente ganho algum”.[3]

Se o dono de muitas riquezas tem experiências amargas ao ver seu dinheiro ser desperdiçado com outras pessoas, o trabalhador, aquele que labuta dia a dia pelo seu sustento, tem uma experiência surpreendentemente diferente (v.12): “Doce é o sono do trabalhador, mesmo que ele coma pouco ou muito, mas a fartura do rico não o deixa dormir”. Em vez de se lamentar por possuir pouco, o trabalhador dorme bem e tem um sono “doce”, um modo de dizer que dorme sem preocupações excessivas que lhe tirem a tranquilidade. Parte do seu bom sono certamente vem do cansaço da sua árdua labuta, mas não é a isso que o escritor atribui a tranquilidade dessa pessoa. Ela descansa bem porque não vive a condição exposta no versículo anterior. Ao contrário, “coma muito ou pouco”, ou seja, sendo mais ou menos pobre, não lhe pesam as preocupações com negócios, lucros, renda, perdas, riscos e valores. O trabalhador labuta para se sustentar e dorme tranquilo por ter conseguido, mesmo que seja em pouca medida. Mas o homem rico, com tantas preocupações ligadas à administração dos seus muitos bens, leva essas inquietações para sua cama e pensa tanto nelas que tal pensamento “não o deixa dormir”. É um contraste chocante, pois esperaríamos o contrário, mas foi exatamente isso que o Pregador constatou em suas observações sobre a vida.

A esse ponto, essas observações levam Salomão a uma conclusão dramática (v.13a): “Percebi que há um mal doentio debaixo do Sol”. Algumas versões usam expressões como “grave mal”, “desventura” ou “sério problema”, mas há maneiras mais comuns, na língua hebraica, de se dizer tais expressões. O autor, nesse caso, valeu-se deliberadamente de uma forma, nada frequente, que utiliza uma palavra que tem relação com doenças e ferimentos, a qual, associada ao termo “mal”, foi traduzida aqui como “mal doentio” — a versão King James também optou por esse sentido (em inglês, “sore evil”). Pode parecer irrelevante, mas essa expressão foi usada pelo autor para falar não apenas do mal em si, mas do tipo de sentimento e condição que ele produz no homem. Significa que esse mal consome a pessoa, tira-lhe a paz, mina seu sono e seu descanso e gera estresse e nervosismo até que chegue ao ponto de produzir, em alguns casos, doenças físicas. Mas que mal seria grande e doentio a esse ponto? O escritor o descreve (v.13b): “Riquezas guardadas por seus donos para o seu próprio mal”. Esse “mal”, causado pela fortuna acumulada por seus “donos”, é o mal doentio visto pelo escritor. É claro que esse efeito não vem do dinheiro em si, mas das preocupações excessivas, torturantes e insalubres que tem o homem “que ama o dinheiro” e “que ama as riquezas” (v.10). A pessoa apegada demais ao dinheiro acaba fazendo dele um motivo de infelicidade e falsas satisfações, sofrendo com isso. Talvez seja por esse motivo que as mídias especializadas na vida dos ricos e famosos vivem mais de narrar suas desventuras que suas alegrias.

O problema do homem que valoriza demais as posses não para por aí, pois uma de suas maiores preocupações pode realmente acontecer (v.14): “Mas se essa riqueza é perdida por algum motivo, o filho que ele gerou não terá mais nada em suas mãos”. O trecho traduzido como “por algum motivo” quer dizer “em um trabalho ruim”, apontando para várias possibilidades como um negócio malfeito e infeliz, uma plantação perdida, um rebanho inteiro desaparecido ou morto por alguma doença, terras tomadas por invasores ou perdidas judicialmente, ou até mesmo os bens sendo subtraídos à força. Na verdade, o texto dá menos atenção ao modo como ele perdeu seu dinheiro e mais à situação de ruína financeira que essa pessoa enfrentará daí por diante.[4] O fato é que o Pregador vislumbra a pessoa “que ama o dinheiro” perdendo exatamente aquilo que ela mais ama, ficando pobre. Com isso, seus herdeiros também ficarão pobres, não tendo a chance de herdar a fortuna que o pai tinha. Quando esse versículo é exposto depois daquele que falou sobre o “mal doentio” (v.13), os leitores podem adicionar esse medo — o de perder os bens e não deixar herança aos filhos — ao rol de preocupações torturantes e insalubres do homem rico. É claro que os filhos de um homem que perdeu as riquezas passam pelas mesmas dificuldades que os filhos de um homem que sempre foi pobre. A pobreza é igual para todos. Mas a sequência do texto acrescentará mais alguns detalhes a esse quadro.

O detalhe acrescentado pelo Pregador se parece com a descrição de uma desgraça ligada exclusivamente àqueles que perderam sua fortuna (v.15a): “Assim como saiu do ventre da sua mãe, ele voltará nu, do mesmo modo que veio”. Essa frase não está preocupada se esse homem será sepultado com roupa ou não. A ideia dessa parte do versículo é dizer que o homem que perde seus bens morre do mesmo jeito que nasceu: sem possuir nada. Como dito antes, a pobreza e as dificuldades que ela gera são as mesmas para todos. Mas o autor parece dar um tom diferente, não ao estilo de vida, mas ao modo como tal pessoa e seus filhos irão encarar a vida, o trabalho e a pobreza (v.15b): “Ele não levará consigo coisa alguma do seu trabalho que agora leva em suas mãos”. A palavra “agora” não aparece no texto hebraico, mas ajuda a explicar o que o autor quis dizer. Significa que nem o fruto do trabalho, ou seja, o lucro que o trabalhador carrega quando o obtém, com esforço e cansaço pessoal, pode ser contabilizado depois da morte do homem, pois não se trata de bens acumulados, mas do sustento que é consumido assim que obtido, sem que seja possível entesourar qualquer coisa. É com essa realidade que o homem que “ama o dinheiro”, mas o perde, tem de conviver até o fim da sua vida, lembrando-se do seu prejuízo e tendo de se habituar aos resultados da perda infeliz. Ele considerará esse estado uma grande tragédia e a terá como razão de tristeza sem fim para sua vida. Ele descobrirá, a duras penas, que a ambição e as tragédias impedem que o trabalho traga ao homem realização de vida.[5]

O Pregador, até aqui, abordou as realidades e as vicissitudes da vida do homem que “ama o dinheiro”. Porém, nesse ponto, ele parece ampliar sua visão, como se estivesse no alto de um mirante, e ser impactado com algo que, mesmo óbvio, tem um tremendo significado nessa reflexão, que é o fato de que todas as pessoas estão debaixo dessa mesma realidade. Essa transição de pensamento é sentida quando ele anuncia outro mal doentio, dando-lhe, ao final, uma coloração adicional (v.16a): “Isso também é um mal doentio: do mesmo modo como veio, ele também irá”. Até aqui não há novidade alguma, pois o autor já explicou isso no versículo anterior. Mas o “mal doentio” — nesse caso, para todos os homens — é descrito a seguir (v.16b): “Que proveito ele terá ao trabalhar para o vento?”. Esse é um “mal doentio” que pode afligir a todos, pois todas as pessoas nascem e morrem independente de quanto dinheiro tiveram ou de quanta dificuldade passaram. Depois de morta, não importará nada à pessoa o quanto ela trabalhou ou ajuntou. Na morte, é como se o “vento” tivesse carregado tudo pelo que ela tanto lutou. Isso pode afligir as pessoas que têm uma visão equivocada da vida. Alguém pode se perguntar: “Para que trabalhar se não posso levar nada comigo?”. Outro pode concluir: “Tenho de viver e aproveitar intensamente com tudo que tenho agora, antes de morrer, pois, depois de morto, de nada me valerá o que trabalhei para conseguir”. Outros podem, de modo bem depressivo, pensar: “Não vale a pena viver, pois tudo pelo que tanto trabalhei, a fim de obter ou construir, não tem sentido algum sabendo que um dia vou morrer”. O fato é que terminar a existência sem o proveito do seu trabalho coloca o homem diante de um enigma a respeito do sentido da vida.[6] O modo como o homem se comporta diante desse enigma é que ditará seu modo de vida.

Por isso, uma visão errada da vida pode, nesse quesito, tornar-se um mal torturante e insalubre na vida de alguém. O resultado prático para quem vê as coisas desse modo, amando as riquezas e valorizando apenas as coisas debaixo do Sol, é triste, sombrio e deprimente (v.17a): “Ele come na escuridão todos os dias da sua vida”. Há quem interprete que a razão de esse homem comer no escuro se deve ao fato de começar a trabalhar muito cedo e parar muito tarde, comendo suas refeições matinais e vespertinas quando não há Sol.[7] Mas essa não parece ser a visão que o Pregador quer transmitir. Comer na escuridão age, aqui, como uma metáfora, apesar de não muito comum, para expressar uma vida sombria e triste. Comer no escuro não é uma figura frequente, mas ela possui formas análogas bastante eloquentes como “sentar-se na escuridão” (Mq 7.8) e “andar em trevas” (Is 50.10), que ajudam a compreender seu sentido.[8] Apesar da raridade da expressão, fica fácil entender a escolha do verbo “comer” nesse versículo ao se perceber que ele se contrapõe ao próximo, no qual o ato de “comer” tem uma nuança completamente diferente. O quadro continua e assume cores ainda mais carregadas (v.17b): “Seu desgosto aumenta cada vez mais, assim como sua doença e a frustração que sente”. Muitas versões preferem, em lugar de “frustração”, colocar “ira” ou “indignação”. Todos os bons dicionários que utilizamos trazem o sentido de “ira”, mas o léxico mais completo e moderno que temos entende que “frustração” é a escolha correta para a palavra hebraica nesse versículo em particular, criando uma harmonia com a imagem formada pelas palavras “desgosto” e “doença”.[9] Assim, não se trata de um homem cuja ira o leva a se levantar, protestar e lutar, mas um homem derrotado pela vida, doente de tristeza e decepcionado com a própria existência.

É claro que o problema principal não está exatamente no trabalho, no dinheiro, na falta dele ou em outras coisas que não sejam a perspectiva que a pessoa tem da vida. Na verdade, a consciência de que a vida debaixo do Sol não tem significado — por passar e não restar nada dela — é o ponto de partida para que, olhando acima do céu, o homem alcance seu significado, podendo desfrutar da vida enquanto puder.[10] Por isso, o escritor chega a uma conclusão muito mais simples que os grandes mistérios e enigmas que ele vem avaliando (v.18): “Eis o que eu concluí: ‘Bom e conveniente é comer, beber e ver o fruto de todo o seu trabalho no qual se esforçou debaixo do Sol nos dias da sua breve vida que Deus lhe deu, pois essa é a sua recompensa”. Não é a primeira vez que o livro afirma que ações simples, como se alimentar e aproveitar os poucos recursos obtidos pelo trabalho, é algo bom (ver 2.24; 3.13). Mas aqui, essa menção quer ensinar que, diferente do primeiro homem descrito no texto, que diante do enigma do sentido da vida se entrega à desesperança, à tristeza e à decepção, este outro homem não se preocupa com a brevidade da vida, nem com o que a vida ou a morte podem lhe tirar. Em vez disso, ele é capaz de apreciar correta e plenamente as coisas deste mundo sabendo que são presentes da graça de Deus. Aqueles que reconhecem que tudo que possuem é dado por Deus, incluindo sua própria vida, estão livres da preocupação com a dor da mortalidade.[11]

O Pregador deixa claro que a riqueza não é inerentemente má. A raiz do problema está na atitude do coração e da mente. Basta comparar o vocabulário da primeira seção, que diz “ama o dinheiro”, “ama as riquezas”, “riquezas guardadas por seus donos” e “trabalhar para o vento”, com o vocabulário da segunda seção, que menciona “Deus lhe deu”, “Deus deu riquezas e posses”, “presentes de Deus” e “Deus encheu seu coração de alegria”.[12] Essa é a diferença entre o homem que olha apenas para a vida debaixo do Sol e o que olha acima do céu, sempre colocando Deus nas equações da sua vida. Utilizando qualificações comuns no livro de Provérbios, essa é a diferença entre a visão dos tolos e a dos sábios e do modo como eles encaram a riqueza e a pobreza, afetando diretamente seu modo de viver.

É claro que Deus não concede bens em abundância apenas para seus servos, como afirma a teologia da prosperidade. Mas também é certo que ninguém, crente ou incrédulo, possui qualquer coisa que não tenha sido concedida pelo Senhor (v.19): “E todo homem a quem Deus deu riquezas e posses e lhe concedeu desfrutar delas, receber sua recompensa e se satisfazer com o fruto do seu trabalho deve reconhecer que essas coisas são presentes de Deus”. O trecho traduzido como “desfrutar delas” significa “comer delas”, levando em conta que parte das riquezas e posses de uma pessoa daqueles dias eram seu rebanho e o fruto de suas plantações. O fato é que qualquer homem pode desfrutar bem de suas posses, dependendo da visão que tenha da vida, da riqueza, da pobreza e do trabalho, mas o autor dá a dica de que a visão correta vem muito mais fácil àquele que reconhece que todas as coisas que possui “são presentes de Deus”

Essa conclusão também reproduz o ensino de 3.13, se valendo das mesmas palavras “essas coisas são presente de Deus”. O que não está no texto hebraico, mas é a implicação lógica que o texto traz, formando uma ponte de ligação com a conclusão final, é o trecho “deve reconhecer que”. É claro que nem todos os homens reconhecem isso e, por esse motivo, continuam, em sua maioria, lutando insanamente para tentar garantir seus bens e sua porção nessa vida debaixo do Sol. Infelizmente, o que ele encontra é apenas decepção. Mas o homem que reconhece que tudo pertence a Deus e que, durante sua vida, tem sido beneficiário da graça divina e mordomo do que o Senhor benevolentemente lhe concedeu, consegue se alegrar tanto tendo muito como tendo pouco. Se ele tem muitos bens, não se apega a eles excessivamente, mas os desfruta de modo sábio e também usa suas posses para glorificar aquele que é dono de tudo. Por outro lado, se ele leva uma vida limitada pela pobreza, também reconhece que o pouco que tem vem de Deus e consegue se alegrar com as coisas mais simples e básicas da existência.

Esse homem equilibrado, que reconhece a mão de Deus em sua vida, é o que, ironicamente, consegue aproveitar agora sua vida (v.20): “Pois ele não se recordará muito dos dias da sua vida, visto que Deus encheu seu coração de alegria”. Dizer que alguém não se recordará dos seus dias como sendo uma vantagem parece, no mínimo, curioso. Normalmente, atribuiríamos uma condição dessa a uma doença, buscaríamos tratamento e não a veríamos como vantagem, mas como razão de sofrimento. Porém, o autor parece querer dizer que essa pessoa se alegra tanto com o momento que está vivendo, independente se tenha muito ou pouco, que ela não fica olhando para trás, nem como uma forma de um triste saudosismo de bons tempos que não voltam, nem como um meio de se condoer dos sofrimentos que tem passado e de como a vida lhe tem sido ingrata até ali. Ao contrário, o trecho traduzido como “encheu seu coração de alegria” — que quer dizer “atarefou seu coração de alegria” — é um modo de Salomão dizer que, em vez de tal homem se desesperar com o trabalho e não ver nele sentido, ele enxerga seus afazeres como bênçãos de Deus para supri-lo e alegrá-lo agora. Isso é irônico, pois aproveitar a vida agora é algo que o homem tolo, que ama demais o dinheiro, anseia ardentemente, mas não alcança.

Como dito a princípio, parece ser intenção do escritor explicar como age a questão dos bens, muitos ou poucos, nas pessoas que olham apenas para a vida debaixo do Sol e para aquelas que, olhando acima do céu e notando a mão de Deus em suas vidas, vivem bem com qualquer tanto que possuam. O final do texto mostra que tanto o homem pobre como o rico podem viver bem se olharem sabiamente para a vida e reconhecerem que o que possuem, muito ou pouco, é dado por Deus. É impressionante como a visão e a escala de valores de uma pessoa conseguem alterar drasticamente os rumos de suas vidas, suas ações, seus relacionamentos, seus sentimentos e até seu estado de saúde. Sendo assim, como você tem visto a vida e a questão dos bens? Você só está feliz quando tem tudo que quer ou é feliz tendo o que tem? Sua vida tem sentido por causa das coisas que você possui ou por ter Deus no centro da sua vida, no alto da sua escala de valores? Você serve ao dinheiro, pela ganância, ou serve a Cristo, por meio da fé? Você ama a riqueza ou ama o Senhor Jesus?

Pr. Thomas Tronco

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[1] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B. The Bible Knowledge Commentary: Old Testament. Colorado Springs: David C. Cook, 1983, p. 989.

[2] Wiersbe, W. W. Be Satisfied. “Be” Commentary Series. Wheaton: Victor Books, 1996, p. 68.

[3] The NET Bible. First Edition. Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006, [Ec 5.11 – nota 36].

[4] Ogden, G. S.; Zogbo, L. A Handbook on Ecclesiastes. UBS Handbook Series. New York: United Bible Societies, 1998, p. 176.

[5] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 573.

[6] Zuck, Roy. Teologia do Antigo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2009, p. 325.

[7] Matthews, V. H.; Chavalas, M. W.; Walton, J. H. The IVP Bible Background Commentary: Old Testament. Downers Grove: InterVarsity Press, 2000, [Ec 5.17].

[8] Spence-Jones, H. D. M. (Ed.). Ecclesiastes. The Pulpit Commentary. London: Funk & Wagnalls: 1909, p.117.

[9] Koehler, Ludwig; Baumgartner, Walter. The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament. Leiden: Brill, 2000, p. 1124-1125.

[10] Waltke, Bruce K.; Yu, Charles. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 1072.

[11] Garrett, D. A. Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs. The New American Commentary. Vol. 14. Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1993, p. 315.

[12] Winter, J. Opening Up Ecclesiastes. Opening Up Commentary. Leominster: Day One Publications, 2005, p. 80-81. 

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