Eclesiastes 3.1-8 – O Tempo de Todas as Coisas
O capítulo 3 de Eclesiastes inicia com mudanças drásticas no rumo que vinha seguindo até o final do capítulo 2, fazendo com que alguns estudiosos optem até por comprometer, em suas visões, a continuidade do livro, supondo que uma mudança tão brusca só pode ser explicada pelo colecionamento de textos independentes e até de autores diferentes. Mas nada disso é verdade. A reflexão do escritor apresenta diferenças na sua literatura, mas não na observação e reflexão do Pregador.
O capítulo 2 termina de modo bem sóbrio e triste, ainda que tenha oferecido a receita à completa falta de sentido na vida. Porém, o escritor não está falando de fora, como se fosse mero observador, mas descrevendo seu processo de pesquisa e descobertas alavancadas pela sabedoria que recebeu. Assim, nesse ponto, depois de ter ido tão fundo no mar da desilusão — e até da depressão —, ele luta para subir à superfície e tomar algum fôlego. Parece que, em meio à sua busca, o Pregador faz uma pausa para reflexão. Deus é mencionado oito vezes nesse capítulo, todas depois do v.10. Isso indica que ele está começando a procurar nas coisas acima do céu, e não “debaixo do Sol”, significado e propósito para sua vida e de todos os homens.[1]
Desse modo, o Pregador inicia sua meditação poética sobre o tempo (v.1): “Para tudo há um momento certo e há tempo para todas as coisas debaixo do céu”. A palavra traduzida aqui como “momento certo” aparece a única vez em Eclesiastes nesse ponto, servindo ao propósito de compor o paralelismo com a palavra utilizada largamente para definir o “tempo”, que se encontra na segunda parte do versículo e ao longo dos próximos. Esse termo único mostra que, ao se referir ao “tempo”, ele não está pensando em um intervalo temporal para que as coisas ocorram, mas sim em um tempo determinado para que tudo ocorra. Além de servir ao paralelismo, o termo ajuda a compor a ideia de que a história não transcorre seu curso sem um timoneiro que a guie e controle, algo que seria o prego no caixão daquele que pretende encontrar algum significado na vida. Isso porque não é possível encontrar no “acaso” qualquer tipo de ordem, compaixão, proteção ou justiça, diferente do que podemos ter no relacionamento com o Senhor que criou e sustenta todas as coisas. É também importante notar que a expressão “debaixo do céu”, que surge pela primeira vez em 1.13 (também em 2.3), é equivalente a “debaixo do Sol”.
Iniciando sua lista de ocorrências ao seu tempo, o primeiro tema abordado pelo Pregador é a vida e a morte (v.2): “Há tempo para nascer e tempo para morrer. Há tempo para plantar e tempo para colher o que foi plantado”. Se o escritor vinha buscando sentido para sua vida ao ter controle sobre os acontecimentos, ele começa a descrever o processo do tempo pelos eventos mais fora do controle humano, a saber, a vida e a morte. Que ninguém tem controle algum sobre o tempo do seu próprio nascimento, isso é óbvio. O que ocorre, porém, é o homem tentar controlar o momento da sua morte, ou, pelo menos, adiá-la o quanto puder. Entretanto, apesar de todos os esforços e iniciativas humanas, Jesus disse: “Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida?” (Lc 12.25). Outras versões, compreendendo o que Jesus tinha em mente, perguntam algo parecido como “quem pode acrescentar um minuto à sua vida?”. A ideia não é saber ou questionar as causas que levam uma pessoa à morte,[2] mas saber que há um tempo determinado para o homem nascer e para ele morrer. E o controle não está em suas mãos, mas nas mãos do soberano sobre todo o universo, segundo explica o pai de Salomão, o rei Davi: “Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda” (Sl 139.16). Isso significa que ninguém nasce ou morre antes ou depois do tempo determinado.
A segunda parte do versículo aponta para outra realidade completamente fora do controle humano. De certo modo, ela tem relação com a primeira parte, que fala de vida e morte, só que, nesse caso, enfoca vida e morte dos produtos agrícolas, ou, utilizando termos mais apropriados, plantio e colheita. A razão para tanto é que o homem não pode escolher a época que quer plantar — é certo que hoje em dia, com o avanço assustador da tecnologia, muita coisa mudou, mas nem todas. O fato é que o plantio depende das estações do ano. Se houver semeadura da maior parte das culturas durante o inverno, por exemplo, a falta de chuvas e o rigor das baixas temperaturas inutilizarão todos os esforços e farão com que toda a safra seja perdida antes de chegar a se desenvolver. É preciso esperar o tempo mais quente, em que as chuvas regarão os brotos. E não é só isso: mesmo durante as chuvas há o momento certo de se plantar, calculando-se o momento da colheita, pois, se ainda estiver chovendo durante a maturação das culturas, a sega é drasticamente prejudicada. É claro que há plantas, como hortaliças, que podem ser plantadas e cuidadas praticamente o ano todo, mas parece que o escritor tem em mente as grandes lavouras, anuais e sazonais, como trigo e cevada, produtos essenciais em seus dias. Por isso, independente da vontade ou da necessidade dos homens, há tempo certo para plantar e para colher. Se o agricultor falhasse em cumprir tal calendário, ele e sua família certamente sofreriam, não importando esforços adicionais, pois o tempo correto para essas atividades não está sob seu controle, mas daquele que rege o universo. Por isso, Paulo e Barnabé anunciavam o Deus que “não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos do céu chuvas e estações frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura e de alegria” (At 14.17 cf. Gn 1.14).
O próximo versículo dá sinais de ter como temas os tempos de guerra e de paz (v.3): “Há tempo para matar e tempo para curar. Há tempo para derrubar e tempo para construir”. Há várias ocasiões em que a morte é necessária, especialmente nos dias de Salomão em que o povo vivia sob a lei mosaica, a qual previa a pena capital para diversos pecados, levando à execução de criminosos e rebeldes.[3] Além do mais, animais também eram constantemente mortos nos rituais cultuais do templo. Mas o contexto realmente não indica que era dessas mortes que o escritor estava falando, mas das mortes em decorrência de guerras. E nessa circunstância, o ato de matar assume uma forma peculiar, pois ele é feito de ambos os lados. Quando o autor diz “tempo para matar”, a impressão é de sucesso militar, mas isso não é necessário, especialmente quando, logo a seguir, ele diz que também há “tempo para curar”. Assim, esse tempo de matar inclui também a ocasião de ser morto em batalha e precisar de restauração posterior para seu exército e para a nação. Por isso, Jeremias, ao anunciar a derrota dos israelitas diante dos caldeus, com muitas mortes, também anunciou as palavras de cura e restauração de Deus a Israel: “Eis que lhe trarei a ela saúde e cura e os sararei; e lhes revelarei abundância de paz e segurança. Restaurarei a sorte de Judá e de Israel e os edificarei como no princípio” (Jr 33.6,7). Desse modo, “curar” não significa apenas fazer curativos em feridas, mas restaurar a condição militar e nacional do país que foi abatido pela guerra.
A segunda parte do versículo completa e ideia, olhando para a ação posterior às batalhas daqueles dias. Depois que um exército vencia outro, frequentemente derrubava suas muralhas a fim de evitar que o derrotado se reorganizasse e mantivesse suas proteções. Essa destruição dos muros e de diversas edificações se dava durante a própria batalha, especialmente quando se tratava de um cerco a uma cidade fortificada. Por outro lado, findo o tempo de guerra, chegava o tempo de reconstruir. Nem é preciso levar nossa imaginação ao passado para vislumbrar destruições militares e reconstruções civis. Nossos dias vivenciam diversos conflitos em que a televisão nos mostra, além das incontáveis mortes, os terríveis estragos de cidades antes lindas — enquanto eu escrevo, a televisão mostra imagens terríveis da destruição de Aleppo, na Síria, e de várias cidades vizinhas. Os noticiários, em épocas assim, também divulgam a posterior reconstrução de lugares afetados pela guerra quando chegam os dias de paz. Segundo Salomão, esses eventos têm, de igual modo, tempo de ocorrer e mesmo a melhor política é incapaz de controlá-los, de modo que devemos conviver com as possibilidades e riscos nesse sentido que rondam todas as eras.
Os próximos eventos que encontram ocasiões adequadas estão ligados aos sentimentos e à demonstração deles (v.4): “Há tempo para chorar e tempo para rir. Há tempo para lamentar e tempo para dançar”. A primeira cláusula talvez seja aquela em que o leitor encontre maior identificação com suas experiências pessoais. Afinal, todos passamos por bons momentos em que o riso é nossa reação natural, assim como passamos por momentos duros e revezes inesperados que nos levam ao pranto, o qual poucas vezes vem desassociado da angústia, do medo, de incertezas e de uma inevitável e dolorosa sensação de derrota e desesperança. As pessoas sonham com meios de evitar tais momentos de choro, alguns imaginando se uma fortuna eliminaria todos os seus problemas, outros desejando que um rol de amigos lhes livre de lutas difíceis e outros ainda tendo a esperança de que o amor romântico da pessoa querida faça desaparecer todas as tristezas. Na verdade, tudo isso é inútil e, muitas vezes, são as próprias causas das dores. Contudo, o texto não dá margem para o pessimismo inveterado, já que, de fato, há momentos “para chorar”, mas há outros “para rir”, de modo que o homem deve aproveitar os dias de alegria e lidar com coragem e dependência de Deus nos dias de pranto.
A segunda parte do versículo parece ter o mesmo significado da primeira, mas ela é um pouco mais específica, além de progressivamente mais intensa.[4] A palavra hebraica traduzida aqui como “lamentar” significa, literalmente, “guardar luto” ou “chorar pela morte de alguém”. É a atitude de tristeza, comedimento e paralização oposta à ideia de “dançar” ou “saltar”, a qual transmite a ideia de alegria e festejos. Se “há tempo para nascer e tempo para morrer” (v.2), parece que há tempo para reagir a essas duas ocorrências de maneira compatível. No caso da morte de alguém, seus parentes e amigos são jogados involuntariamente para dentro de um período de luto e grande lamento, movidos pela perda do ente querido, pela saudade que ele deixa e pelas eventuais necessidades que isso acarreta, especialmente no caso da perda do provedor da família. Não é fácil! Quanto ao tempo de “dançar” ou de “dar saltos”, é exposto de modo indistinto, mas, seguindo o paralelismo com o luto, parece se tratar da alegria que se tem quando nasce um bebê e quando a família alegremente aumenta, motivando familiares e amigos a festejar a chegada do infante. Esses sentimentos, tanto os bons como os maus, são guiados e produzidos por situações que não estão inteiramente sob nosso controle, muito menos os sentimentos que elas produzem. Só podemos saber que passaremos por ambas e que elas são inevitáveis.
O versículo seguinte, apesar de uma cláusula um pouco misteriosa e confusa, parece apontar para o relacionamento entre as pessoas (v.5): “Há tempo para espalhar pedras e tempo para reunir pedras. Há tempo para abraçar e tempo para deixar de abraçar”. A primeira cláusula desse trecho é a menos clara da poesia, pois ela não explica a razão de as pessoas juntarem e espalharem pedras, apesar de haver muitas razões bem diferentes para tanto. Assim, a melhor maneira de tentar entender o que o autor tinha em mente é olhar para a segunda parte do texto, que antagoniza os tempos de “abraçar” e de “deixar de abraçar”. Nesse caso, não há muito mistério e o texto deixa-nos vislumbrar momentos de bons relacionamentos, em que o abraço é muito bem-vindo, e ocasiões de desentendimento e inimizade, em que não há acordo e em que os antigos amigos deixam de se abraçar, preferindo a distância e a hostilidade. A expressão traduzida aqui como “deixar de abraçar” significa, literalmente, “ficar distante do abraço” ou “abster-se de abraçar”.
Por isso, alguns estudiosos entendem que ajuntar e espalhar pedras refletem a ação de entrar em uma briga em que pedras são atiradas a fim de ferir os desafetos. É possível, mas essa ação se enquadraria melhor na figura de um conflito militar, já descrito no v.3. Por isso, é provável que outros estudiosos estejam corretos ao propor que “espalhar pedras” seja a ação de alguém zangado jogando pedras sobre os campos do seu inimigo, a fim de inutilizá-lo, algo que seria desfeito em tempos de entendimento, amizade e abraços fraternos. Esse problema produzido por pedras em um campo é refletido no famoso cântico da vinha, no qual o Senhor, descrevendo de modo figurado o que fez pelo bem de Israel, diz que um agricultor se esforçou para plantar a melhor vinha possível e uma de suas providências foi que ele “limpou-a das pedras” (Is 5.2a). Porém, quando a vinha — que era Israel e Judá (Is 5.7) — não correspondeu ao tratamento especial do produtor (Is 5.2b-4), ele desfez todos os benefícios e, apesar de não citar as pedras em particular, ele derruba “o muro” a fim de tornar aquela terra totalmente improdutiva para o plantio de uma vinha (Is 5.5,6). Assim, o texto de Eclesiastes, nesse ponto, provavelmente fala de tempos de amizade e de inimizade, de união e de animosidades, de cooperação e de destruição, coisas que, mesmo jamais esperando, ocorrem até entre os melhores amigos.
A próxima parada na observação dos efeitos do tempo reside no campo das posses (v.6): “Há tempo para buscar e tempo de dar como perdido. Há tempo para guardar e tempo para abandonar”. Apesar de parecidas — as duas cláusulas têm semelhanças óbvias —, o contexto delas difere bastante no tocante à iniciativa e à voluntariedade do homem que lida com seus bens. As semelhanças residem no fato de que nas duas cláusulas é citado o acúmulo de bens e recursos financeiros, referindo-se a isso como “tempo para buscar” e “tempo para guardar”. Trata-se da atividade laboral com o fim de obter lucros e a ação de poupar esses ganhos, aumentando seu montante com o passar do tempo e com o esforço do trabalho.
A diferença está nas ocasiões em que esse dinheiro é passado adiante. No primeiro caso é dito que “há tempo de dar como perdido”. Essa frase produz a ideia de uma perda involuntária de bens, seja por um negócio malfeito, por prejuízos no campo, por demandas judiciais, por cobrança de impostos abusivos, por ação de bandidos e por uma série de outros eventos que podem reduzir involuntariamente o patrimônio de alguém. Em todos esses casos, o impulso do homem é tentar fazer algo para reaver seus bens, o que, na maioria das vezes, resulta em fracasso e na necessidade de se aceitar o prejuízo, tendo de tocar a vida em frente. O segundo caso, descrito como “tempo para abandonar”, produz uma ideia ligeiramente diferente, na qual o proprietário também tem seus bens reduzidos, porém, fazendo-o voluntariamente. Pode ser no caso de ajudar alegremente alguém, como um parente ou um amigo querido, ou por uma necessidade inesperada. Ainda assim, é um tempo em que ele tem de gastar o que juntou e, mesmo que isso represente um rombo aos seus cofres, ele decide fazê-lo. Isso significa que é inútil a esperança de encontrar segurança em grandes fortunas, pois há tempos, não controlados por nós, em que o que acumulamos com dificuldade passa a outras mãos.
A linha seguinte aborda o tema do lamento pessoal (v.7): “Há tempo para rasgar e tempo para costurar. Há tempo para se calar e tempo para falar”. Dizer que “há tempo para rasgar” pode significar qualquer coisa, mas quando seu paralelo correspondente na cláusula seguinte é “se calar”, o ato de rasgar assume uma colocação bem definida e única, que é a ação de rasgar a própria veste em sinal de tristeza, lamento e desespero. Um exemplo drástico de uma situação assim foi quando Jó recebeu a notícia de ter perdido todos os seus bens e filhos: “Então, Jó se levantou, rasgou o seu manto, rapou a cabeça e lançou-se em terra e adorou” (Jó 1.20). Como não temos tal costume, ele pode significar pouco para nós, mas a Bíblia está repleta de exemplos que mostram que esse ato servia como uma séria demonstração pública de lamento. Junto com o rasgar de seu manto, Jó também vivenciou um doloroso “tempo para se calar”, permanecendo sete dias na presença de seus amigos sem que ninguém dissesse nada (Jó 2.13). Normalmente, quem sofre muito prefere o silêncio e a solidão. Entretanto, logo Jó se pronunciou — e talvez o tenha feito ainda no tempo em que devia estar calado, pois suas palavras nem sempre foram boas. Apesar de se defender de acusações inverídicas de seus amigos, ele levou seu lamento até um ponto em que acusou o Senhor de tê-lo julgado mal, como se Deus visse as coisas do mesmo modo que os homens veem, fazendo observações limitadas e enganáveis (Jó 10.3-6). De fato, há momentos em que o melhor é permanecer calado até que se tenha algo bom, correto e adequado a dizer.
Por outro lado, o texto diz que “há tempo para costurar”, desenhando a figura oposta à do lamento que levou o desesperado a rasgar sua roupa. Quando o sofrimento passa, é tempo de costurar novas roupas e vesti-las. A roupa rasgada em desespero, suja por se assentar nas cinzas e por jogar pó sobre a cabeça é descartada, enquanto o homem, já recuperado do seu pranto e alegre por alguma restauração, lava-se e veste uma roupa nova, costurada para ele. Esse é também o “tempo para falar”, deixando de lado o pranto, o silêncio, o desânimo e a solidão. É hora de voltar à vida normal, sem ser abatido por algum revés e confiado no amor e no cuidado do Deus misericordioso. Nesse caso, as palavras de Jó foram boas e bem dirigidas, especialmente ao Senhor (Jó 42.1-6).
O último versículo é uma recapitulação geral (v.8): “Há tempo para amar e tempo para odiar. Há tempo de guerra e tempo de paz”. A recapitulação está no fato de que “amor” e “ódio” estão presentes nos temas dos relacionamentos e dos conflitos, já abordados em outros versículos. O mesmo ocorre como os temas ligados à “guerra” e “paz”. Assim, o Pregador não parece, nesse versículo final, desejar acrescentar um aspecto novo à sua reflexão poética, mas concluí-la dizendo que a vida é inevitavelmente marcada por momentos bons e maus, os quais podem chegar ao extremo de suas características. Além do mais, o fato de eles ocorrerem ou não está ligado ao “tempo” e ao “momento certo” (v.1) e não ao ilusório controle humano. Temos de estar prontos para os bons e maus momentos e ser equilibrados em ambos, nem extrapolando nos dias bons, nem se desesperando completamente nos dias maus, sabendo que a alternância entre eles faz parte da normalidade da existência humana e que há um gerente acima do céu que determinou que tudo fosse assim. Uma observação importante a se fazer é que, ao dizer que há tempo para odiar e tempo para a guerra, o autor não está defendendo a retidão ou a justiça de tais atos, muito menos encorajando as pessoas a promovê-los. Trata-se apenas da constatação de ocasiões que surgem no desenrolar da vida e da história humana.
Ao terminar essa poesia, que não tem intenção principal de meditar sobre o tempo em si, mas sobre a ocorrência cíclica de momentos bons e maus na vida, algumas lições de aplicação prática podem ser obtidas. É preciso notar que a razão de existir desses oito versículos é conduzir até a reflexão prática dos versículos seguintes, razão pela qual esse trecho não pode ser visto isoladamente do restante da reflexão e da argumentação do Pregador. Na verdade, os versículos 1 a 8 estabelecem um postulado básico, cujas implicações práticas serão vistas e desenvolvidas nos versículos 9 a 15.[5] Basta ver como ele, retornando ao tema do trabalho nos versículos seguintes, adiciona o tempo de Deus à equação, dizendo que “Deus fez tudo benfeito no seu devido tempo” (v.11a). Ainda assim, mesmo que essa poesia faça parte de uma argumentação mais longa que ela mesma, é possível encontrar nela alguns padrões muito úteis e relevantes.
O primeiro padrão diz que é normal que o homem vivencie sofrimentos. Isso quer dizer que ele não deve esperar viver sem dificuldades. Aliás, no terceiro capítulo da Bíblia, devido ao pecado, o homem é setenciado a tirar da terra seu sustento em meio ao rigor do cansaço (Gn 3.17-19), enquanto a mulher sofreria dores no processo de gestação e especialmente no parto (Gn 3.16). Por isso, não nutra ilusões de uma vida glamourosa em que nada dá errado. Entenda que o sofrimento faz parte da vida de todos nós. Você não é o único a sofrer e sua vida não é anormal por encontrar dificuldades. Lembre-se disso quando for enfrentá-las.
O segundo padrão nos ensina que os sofrimentos e tristezas não são permanentes, mas cedem lugar a épocas de alívio e alegria. A experiência nos mostra que o decurso da nossa vida enfrenta variações cíclicas entre bons e maus momentos. Assim, quando os dias forem maus, saiba que tais reveses eventualmente passarão. Por outro lado, quando desfrutar dias de alegria e calmaria, não se desvie da verdade, nem abuse dos prazeres, sabendo que eles são voláteis e passageiros. Mantenha o equilíbrio necessário para eventuais viradas de condição.
O terceiro e último padrão demonstra que esse ciclo não é regido pelo acaso, mas por um governante poderoso, sábio e misericordioso que só pode ser identificado como o Deus criador e soberano. Na verdade, o homem descobre que sua busca por felicidade e sentido na vida, independente da sua busca pessoal pelo Senhor, é totalmente infrutífera pelo fato de que o homem não consegue escapar do inescrutável plano de Deus para o Universo.[6] Isso deve gerar temor nos homens e sujeição ao Senhor. E diante das vicissitudes e futilidades da vida e da falta de controle e garantia que temos sobre a história, a coisa mais sábia que uma pessoa pode fazer é entregar, pela fé, sua vida a Jesus Cristo como seu salvador pessoal. Ao fazer isso, mesmo que a vida seja desprovida de certezas e garantias, você pode ter certeza de que foi perdoado dos pecados por Jesus, foi aceito como filho de Deus e tem garantida a vida eterna ao lado do seu salvador divino. Quando isso acontece, o novo crente conhece um novo tempo, um tempo de paz com Deus que, diferente das coisas que passam, durará por toda a eternidade. Está esperando o quê? O tempo de crer em Cristo é agora: “Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração” (Hb 3.15).
Pr. Thomas Tronco
[1] Winter, J. Opening Up Ecclesiastes. Opening Up Commentary. Leominster: Day One Publications, 2005, p. 50.
[2] Ogden, G. S.; Zogbo, L. A Handbook on Ecclesiastes. UBS Handbook Series. New York: United Bible Societies, 1998, p. 91.
[3] Spence-Jones, H. D. M. (Ed.). Ecclesiastes. The Pulpit Commentary. London: Funk & Wagnalls: 1909, p. 59.
[4] Garrett, D. A. Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs. The New American Commentary. Vol. 14. Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1993, p. 298.
[5] Eaton, Michael A; Carr, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 84.
[6] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 572.