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Eclesiastes 1.12-18 – A Frustração da Sabedoria

 

Depois de desfazer a esperança puramente existencialista de que a humanidade está seguindo um curso de progresso e evolução, Salomão passa a tratar da sabedoria, a qual, especialmente no início do livro, engloba o conhecimento que os homens podem reunir por meio da atividade intelectual, seja científica ou filosófica.

Esse trecho começa com uma frase um tanto inusitada (v.12): “Eu, o Pregador, tenho sido rei sobre Israel em Jerusalém”. Mais uma vez, o escritor se apresenta com o pseudônimo que escolheu para si, a saber, o Pregador. Ele também confirma seu cargo como rei de Israel, cujo trono tinha sede em Jerusalém. Tendo se apresentado apenas alguns versículos antes, fica-nos a questão da razão de fazê-lo novamente. Em uma situação cotidiana, poderíamos pensar que quem age assim quer simplesmente exibir suas altas credenciais e obter as vantagens decorrentes delas — a tradicional “carteirada”. É claro que tal pensamento não se encaixa bem diante do nobre propósito do escritor, nem com o caráter inspirado das Escrituras. Assim, cabe-nos investigar um pouco mais sua intenção.

Na verdade, a nova apresentação tem, sim, a intenção de lembrar os leitores quem ele é, porém não por orgulho, mas para credenciá-lo como alguém apto a tratar dos assuntos ora abordados. Como o tema é justamente o estudo e o conhecimento de coisas ocultas e difíceis de compreender, Salomão lembra seus leitores de que ele é o mesmo que recebeu sabedoria de Deus de um modo maravilhoso (1Rs 3.11,12; 4.29-33), que deu demonstrações da sua capacidade (1Rs 3.16-28) e que foi admirado por muitos por causa do conhecimento que exibia (1Rs 4.34). Sendo assim, ele pode falar com propriedade sobre a sabedoria e seus efeitos e ninguém poderia dizer que sua argumentação vem de alguém que não conhece o assuntou ou que não tem gabarito para tanto.

A seguir, Salomão toma a si mesmo como exemplo em sua argumentação e narra acontecimentos que provavelmente tiveram lugar já no início do seu reinado sábio (v.13a): “Dediquei-me a estudar e investigar com sabedoria tudo que acontece debaixo do céu”. Ele literalmente diz “dediquei meu coração”, mas, nesse trecho, seu coração aponta para si mesmo e para o seu entendimento das coisas, um conceito muito mais ligado à mente e à personalidade que ao coração em si.

Por um lado, como ser humano racional, o escritor tem plena capacidade para avaliar (2.11), entender (1.17), investigar (1.13), observar (1.14), refletir (1.16) e tirar conclusões (2.14,15),[1] e é exatamente o que ele diz aqui que se propôs a fazer. Por outro lado, na expressão hebraica traduzida como “com sabedoria” há um artigo que dá a ideia de “pelo uso da sabedoria” ou “com a ajuda da sabedoria”. Isso leva a crer que Salomão, dotado de ferramentas maravilhosamente dadas por Deus, refere-se aos recursos intelectuais que possuía e que lhe permitiriam uma análise das coisas como nunca outrora alguém fora capaz. Pelo jeito, ele foi um dos primeiros cientistas e filósofos da história. Apesar de haver muita coisa para se estudar “debaixo do céu” ou “debaixo do Sol” — as duas expressões são equivalentes e intercambiáveis, não devendo ser interpretadas de modo distinto —, parece que Salomão se detém bastante na condição humana, observando “tanto a sabedoria como a loucura e a insensatez” (1.17; 2.12).

A surpresa do leitor continua quando a busca por conhecimento, algo aparentemente tão desejável e proveitoso, é avaliada de modo um tanto sombrio (v.13b): “Deus pôs essa árdua tarefa sobre os filhos dos homens para afligi-los com ela”. O que causa espanto nesse ponto é a conexão entre a tarefa do entender os acontecimentos e a aflição resultante desse processo. Mas de que tipo de aflição o escritor fala aqui? Ao que tudo indica, ele, na sequência da argumentação dos onze primeiros versículos, tem a intenção de mostrar que a sabedoria e o conhecimento das coisas em si também são incapazes de satisfazer o homem e dar sentido à sua vida, produzindo mais enfado e desesperança que alegria e significado. Essa conclusão é tanto mais surpreendente quando vinda de alguém de quem esperamos mensagens que elevem a importância do conhecimento, alguém a quem Deus capacitou sobremaneira e que deveria ver isso como incumbência e razão da sua existência. Mas não é assim que ele vê seu papel depois de empreender tal busca.

Dito isso, ele delimita uma parte importante do escopo das suas pesquisas e observações (v.14): “Observei todos os feitos do homem debaixo do Sol e percebi que tudo era futilidade e correr atrás do vento”. Apesar de o tema central ficar apenas subentendido no início do parágrafo, aqui ele aborda a questão expressamente focalizando “os feitos do homem”. Nesse ponto, sua preocupação não era entender os movimentos das estrelas, a mudança de estações, a reprodução da fauna e da flora ou as forças invisíveis da natureza. Sua mente desejava, antes de tudo, observar e entender os fatores ligados à vida do homem, suas paixões, motivações, fraquezas, apegos, amores, raciocínios, valores, medos, defeitos e relacionamentos. Porém, a julgar pela comparação que ele faz no versículo seguinte, ele não parou por aí, mas também empreendeu uma busca por soluções para os problemas, aflições e sofrimentos do homem, contudo, sem sucesso, percebendo ser uma tarefa fútil. Ele chega a compará-la à inutilidade de perseguir o vento, uma figura de linguagem que lembra ao leitor que ninguém pode pegar, deter ou dirigir o ar, mesmo que corra atrás dele. Essa figura é tão eloquente que Salomão a utilizou nove vezes na primeira metade do livro (1.14,17; 2.11,17,26; 4.4,6,16; 6.9).[2]

Para melhorar seu ponto de vista, o autor oferece duas comparações que, apesar de serem verdades em si mesmas, servem aqui para expressar as impressões do rei sábio acerca do seu trabalho mental na busca de compreender e solucionar as questões humanas (v.15): “O que é torto não pode ser endireitado e o que se perdeu não pode ser contado”. Apesar dos grandes estudos científicos que realizou e das grandes reflexões filosóficas que empreendeu, Salomão percebeu não ter capacidade de alterar significativamente coisas ligadas à criação e à experiência humana, do mesmo modo que não é possível endireitar um galho torto, por exemplo. Por outro lado, não é possível conhecer tudo que há para ser conhecido, de modo que até o mais sábio dos homens tem limitações no campo do conhecimento que lhe impedem de chegar a certas respostas, do mesmo modo que não é possível calcular o volume de grãos que se perdem pelo caminho ou o valor de moedas que desapareceram.

É óbvio que o avanço das ciências permite, hoje em dia, que coisas impossíveis no passado sejam executadas de modo corriqueiro atualmente, mas certas realidades não podem ser alteradas nem com toda ciência e filosofia do mundo, sendo esse o ponto de vista do escritor nesse texto. Quando se percebe isso, toda a relevância que o homem — especialmente o moderno — pensa ter diante do mundo e do seu desenvolvimento não passa de mera futilidade. Para o homem que só tem olhos para as coisas que estão “debaixo do Sol”, ignorando Deus e sua Palavra, a visão de que suas descobertas e reflexões são vãs é terrível, pois a única esperança de continuidade e de eternidade que há na pessoa materialista é a importância e o significado do seu legado e das contribuições que deixou após ele.[3]

Para que ninguém pense que o fracasso da sabedoria das coisas puramente debaixo do Sol se deva a alguma inaptidão no Pregador, ele então apresenta suas conquistas no campo intelectual (v.16a): “Eu disse a mim mesmo: ‘Sobressaí e ultrapassei em sabedoria a todos que existiram em Jerusalém antes de mim’”. Várias versões traduzem esse versículo dizendo que o escritor teria ultrapassado a sabedoria “de todos os reis que existiram em Jerusalém” antes dele. Entretanto, não há nenhuma indicação de que ele tenha falado a respeito de reis, mas dos homens em geral, especialmente os sábios, [4] abarcando um grupo muito maior e elevando, diante dos leitores, seu potencial de fazer as avaliações que apresenta a eles.

Não é difícil imaginar o quanto Salomão deve ter ficado empolgado com a capacidade que Deus lhe deu para aprender facilmente coisas difíceis. Por isso, sua constatação inicial foi a de que superou a todos que conhecia e aos que vieram antes dele. A frase traduzida como “eu disse a mim mesmo” quer literalmente dizer “eu disse ao meu coração”, podendo, possivelmente, até representar algum sentimento que teve a princípio, quando ainda estava deslumbrado consigo mesmo. E não era para menos, pois ele de fato se tornou inigualável nesse campo (v.16b): “De fato, eu adquiri muita sabedoria e conhecimento”. Por que, então, conclusões de cores tão pessimistas assim? Certamente, não se trata da desilusão de quem buscou certo conhecimento, mas não o atingiu, e sim o enfado de quem alcançou o conhecimento, mas percebeu o pequeno valor que ele tem nele mesmo, quando desconectado de fatores superiores que lhe deem sentido.

Tendo-se comparado às demais pessoas, incluindo aquelas que se dedicavam à atividade sapiencial, ele especifica melhor as áreas de estudo das suas pesquisas e reflexões (v.17a): “Dediquei-me a conhecer tanto a sabedoria como a loucura e a insensatez”. Sua primeira busca nos mistérios ligados à vida foi a respeito da “sabedoria” — nada mais indicado para quem foi especialmente dotado com ela. Porém, o Pregador não se limita a isso e passa a pesquisar também o oposto dela, a “loucura”. Apesar de haver quem associe essa palavra à busca do prazer — tema que é tratado no capítulo seguinte (2.1-11)[5] —, o correto é ver os termos “loucura” e “insensatez” como sinônimos complementares, no qual o primeiro aponta para “ideias tolas e cegueira mental”, enquanto o segundo descreve “procedimentos tolos”.[6] São as duas faces da mesma moeda: o pensamento e o comportamento do insensato.

Ao lermos essa disposição do autor, inevitavelmente ficamos empolgados e esperançosos de ler suas conclusões sobre ambas, visto que elas exercem um grande impacto na nossa experiência como seres humanos e nos intrigam tanto em suas motivações como em seu desenvolvimento. Nossa impressão é que essa é uma jornada que vale a pena ser percorrida e compartilhada com os outros. Mas a conclusão que o escritor oferece é um balde de água fria sobre tais expectativas (v.17b): “Descobri que isso também é correr atrás do vento”. Pelo jeito, descobrir como funcionam a sabedoria e a loucura não ajudou o pensador a resolver seus problemas, ou de outras pessoas, nem tampouco lhe deu a satisfação que esperava.

Para que a perplexidade do leitor não fique sem explicação, é dada a razão para tanto (v.18): “Pois onde há muita sabedoria também há muita aflição e onde cresce o conhecimento também cresce o pesar”. É notável perceber como Salomão conecta a “sabedoria” à “aflição” e o “conhecimento” ao “pesar”.[7] Em um livro que transmite sabedoria, essas são conexões no mínimo curiosas, para não dizer desconcertantes. Contudo, tal avaliação, aparentemente severa demais, vem da impressão pessoal que ele obteve depois de alçar altos voos no campo do conhecimento, não tirando disso prazer, mas percebendo de modo mais claro tanto a natureza humana como também a falta de sentido que há em tudo ao seu redor. Pelo jeito, em vez de descobrir as soluções para os problemas da vida, ele parece ter percebido a inevitabilidade deles. No lugar da esperança na evolução da raça humana, ele deve ter notado sua decadência nos campos da moral, ética, justiça, veracidade, retidão e amor.

Muitas vezes, a ignorância a respeito dos acontecimentos e suas causas faz com que o ignorante nutra esperanças de melhora, sucesso e satisfação. Tal pessoa pensa que, se ela tivesse certas habilidades, conseguiria atingir todos os seus objetivos. Ou, se possuísse muitos bens, impediria vários problemas que a afligem. Ou ainda, caso concretizasse certo relacionamento, conheceria a felicidade eterna. Entretanto, ao conhecer as vicissitudes da vida e a falta de sentido que cada bem tem em si mesmo, separado da comunhão com o Deus eterno, ele sabe da incapacidade de todos eles em satisfazer seu coração de modo permanente.

Além do mais, junto com a sabedoria crescente, vem a sensação de uma perda crescente, visto que a vida humana, desprovida da esperança da eternidade, acaba sendo, em última análise, uma sucessão de perdas e finais. O sábio tem melhores condições que os ignorantes de avaliar as perdas que viveu e de ter a convicção de que outras virão, tendo de conviver com a insuportável espera por elas. Isso gera, muitas vezes, mais aflição do que alguém pode suportar.

A esse ponto, por mais que acreditemos nas palavras do escritor, somos levados à reflexão do motivo de a sabedoria ser tão edificante em Provérbios e tão frustrante em Eclesiastes. A resposta, porém, é que a sabedoria de Provérbios é aquela que é medida e torneada pelos valores acima dos céus, no caráter do próprio Deus, enquanto a de Eclesiastes é aquela que olha apenas para as coisas debaixo do Sol, ignorando a existência e os valores do Criador divino. Quando o ponto de vista é esse último, a frustração é inevitável, pois, em primeiro lugar, não há explicações deste lado do céu para algumas coisas que acontecem e Deus não é obrigado a explicá-las a nós; e, em segundo lugar, Deus ordenou que seu povo vivesse por promessas e não por explicações, pela fé e não por vista: “Bem-aventurados os que não viram e creram” (João 20.29).[8]

Por isso, independente de sermos pessoas simples ou bastante estudadas, tudo que nos cerca deve ser visto e analisado com as lentes da Palavra de Deus, a qual é um binóculo para o mundo e os valores acima dos céus. São esses valores e verdades que dão um significado todo novo à vida debaixo do Sol. Eles também conferem sentido e satisfação até ao homem mais fraco e incapacitado do mundo. O conselho é: Seja um sábio aos olhos de Deus e não do mundo.

Pr. Thomas Tronco

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[1] Zuck, Roy. Teologia do Antigo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2009, p. 323.

[2] Walvoord, J. F.; Zuck, R. B. The Bible Knowledge Commentary: Old Testament. Colorado Springs: David C. Cook, 1983, p. 981.

[3] Winter, J. Opening Up Ecclesiastes. Opening Up Commentary. Leominster: Day One Publications, 2005, p. 30-31.

[4] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 555.

[5] Garrett, D. A. Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs. The New American Commentary. Vol. 14. Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1993, p. 290.

[6] The NET Bible. First Edition. Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006, [Ec 1.17 – nota 74].

[7] Ogden, G. S.; Zogbo, L. A Handbook on Ecclesiastes. UBS Handbook Series. New York: United Bible Societies, 1998, p. 48-49.

[8] Wiersbe, W. W. Be Satisfied. “Be” Commentary Series. Wheaton: Victor Books, 1996, p. 31.

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